Alimentos gravídicos e a contramão das indenizações
Diário da Manhã
Publicado em 17 de agosto de 2018 às 23:23 | Atualizado há 7 anos
Esta semana uma colega me interpelou indignada com o fato de uma juíza ter dito, em audiência de conciliação, que não iria fixar alimentos gravídicos face às provas apresentadas pelo réu, pois teriam “maculado seu convencimento da existência de indícios da paternidade” e que, portanto, ela iria aguardar o nascimento da criança para formular um juízo de convicção robusto.
Analisada a questão, esclareci a colega que a Magistrada estava certa e, diante deste fato, cabe aqui um alerta de que devemos tomar cuidado para não sermos surpreendidos em casos como o que acabo de relatar.
Num primeiro plano, acredito que seria interessante esclarecer o que seriam os alimentos gravídicos: são aqueles destinados à mulher gestante para custear as despesas da gestação, desde a concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras a que o juiz considere pertinentes. Tais alimentos devem compreender os valores suficientes para garantir a sobrevivência do feto e têm sua previsão expressa na Lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008 – trazendo significativa repercussão no meio jurídico.
Agora, voltando ao tema do artigo, entendo que a razão estaria com a magistrada, pelo fato de que o Novo Código de Processo Civil dedicou um capítulo para as ações de família (Capítulo X) que vai dos artigos 693 a 699.
Porém, destacamos, neste caso, o parágrafo único do artigo 693 que assim dispõe: “a ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste capítulo”.
É totalmente viável a possibilidade da ação ser promovida com fundamentos apenas em indícios de paternidade, haja vista que a comprovação desta só é possível por meios de exames. Ressalta-se, porém, que a feitura dos referidos exames não é recomendada devido ao fato de ocasionar grandes riscos ao feto, que é o principal tutelado na ação de alimentos gravídicos.
Fala-se em indícios de paternidade porque o ônus probatório é da gestante, conforme artigo 1.597 e seguintes do código civil. HÁ que se aplicar a regra do artigo 333, inciso I, do Código Civil, que diz que o ônus probatório se incumbe ao autor da ação.
Para provar o relacionamento, a autora da ação poderá se utilizar de bilhetes, fotos, e-mail, testemunhas e enfim, qualquer meio de prova lícito que comprove o envolvimento entre as partes.
Com a existência de indícios de paternidade, caberá então ao juiz determinar a fixação dos alimentos gravídicos e, havendo o nascimento com vida, serão estes, automaticamente, convertidos em pensão alimentícia, permanecendo no mesmo valor acordado, querendo então, as partes, poderão questionar tal valor, senão vejamos o que diz o artigo 6º.: “Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”.
Isso nos leva ao reconhecimento da prevalência da lei especial sobre a geral, pois, senão, a lei especial perde sua razão de ser. Entendemos, portanto que, se há procedimento especial para a ação de alimentos não há que se falar em aplicação dos prazos do novo CPC para apresentação de defesa que, salvo melhor juízo, continua tal como previsto na Lei 11.604/08, qual seja: o pagamento da pensão na lei de alimentos gravídicos não é no prazo de contestação – previsto no artigo 7º. da referida lei -, mas após a audiência de conciliação!!!
Tendo em vista que a Lei fala em revisão da pensão anteriormente fixada, aí está inclusa a possibilidade da existência de dúvida quanto à paternidade do infante, podendo o suposto pai pedir a realização de exames.
Surge então a famosa dúvida: no caso em que o exame tiver resultado negativo, poderia aquele que foi apontado como pai pedir indenização? O então revogado artigo 10º da lei de alimentos gravídicos previa que em caso de resultado negativo de exame de paternidade, o autor responderia objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu e, ainda, que a indenização seria liquidada nos próprios autos da ação de alimentos gravídicos.
Embora o referido artigo da lei tenha sido revogado, ainda existe a possibilidade de ação de regresso contra os danos gerados por este tipo de ação, pois a responsabilidade civil supera o veto existente na lei, aplicando-se a qualquer relação regida pelo direito civil, não deixando margens descobertas para danos, concluindo-se então, que a ação de reparação de danos fica então não albergada na lei específica, mas, no âmbito geral de aspectos civis.
Permanece então a regra geral da responsabilidade subjetiva do artigo 186 do Código Civil ao qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada sua culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ou dolo (vontade deliberada de causar prejuízo) ao promover a ação.
Cabe destacar a conceituação da modalidade de culpa imprudência: age de forma imprudente aquele que sabedor do grau de risco envolvido, mesmo assim acredita que seja possível a realização do ato sem prejuízo a qualquer um.
Assim, a autora deverá ser responsabilizada subjetivamente tanto em sua conduta culposa quanto em sua conduta dolosa, pois configura abuso de direito, ou seja, é o exercício irregular de um direito, que diante do artigo 927 do Código Civil se equipara ao ato ilícito, tornando-se fundamento para a responsabilidade civil.
A comprovação dos danos materiais sofridos será feita através de demonstrativos da quantia gasta, valendo-se de descontos em folha, bloqueios judiciais, ou qualquer outro documento que ateste o quantum pago em alimentos gravídicos, sendo possível também a cumulação com pedido de indenização por danos morais, uma vez que a condenação daquele que não era pai, além gerar o encargo financeiro, acarreta grande abalo psicológico ao réu.
A jurisprudência é pacífica quanto à condenação em danos morais por ato ilícito, independentemente de o pleito ter sido exclusivamente em relação aos danos psíquicos ou cumulados com qualquer outro:
“Ementa: Dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos entendimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização. (STJ, Min. Barros Monteiro, T. 04, REsp 0008768, decisão 18/02/92, DJ 06/04/1998, p. 04499)”.
Os pedidos de indenização por dano moral e material encontram-se nos artigos 186 e 187, ambos do Código Civil e também de forma expressa na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso V e X.
O artigo 927 do Código Civil dispõe sobre o dever de indenizar daqueles que cometem ato ilícito. Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A jurisprudência tem se manifestado favorável a concessão de indenização para aqueles que foram lesados moralmente pela falsa imputação de paternidade.
Além de indenização por dano moral e material, alguns autores entendem ser possível o pedido por litigância de má-fé se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, a gestante sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. O que configura abuso de direito (artigo 187 do CC), que é o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do artigo 927 do Código Civil, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.
Fiquem atentos!!!
(Karina Bueno Timachi, advogada)