Aos professores de História
Diário da Manhã
Publicado em 9 de agosto de 2016 às 02:59 | Atualizado há 9 anosQuem não conheceu o Monumento ao Trabalhador, que existiu em Goiânia e foi destruído a partir de 1969, pode apreciar a sua singular figura num amplo quadro da Câmara Municipal, afixado no piso superior, em frente à escadaria. Neste quadro, os pintores Gomes de Souza e Maranhão Cavalcante traçam uma imagem enfumaçada e incompleta do monumento, como nas cenas dos filmes que evocam lembranças frágeis do passado.
Não há coincidência no fato do quadro estar exatamente na parede leste do prédio. Se o olhar vazasse a tela e a parede, dali se poderia avistar o lugar na Praça do Trabalhador em que o monumento esteve por quase vinte e seis anos. A distância talvez não chegue a duzentos metros. Hoje, reinam no local as belas palmeiras imperiais que vieram substituir a obra de arte destruída.
Outro registro do monumento encontra-se no Parque Mutirama. Os dois cavaletes de concreto, obviamente em dimensões menores que as dos originais, estão cada um de um lado da linha do Trenzinho, em citação que integra homenagem feita em 2012, quando da reforma do parque, às cidades goianas por onde passava a estrada de ferro.
Desde o início da covarde destruição das pinturas de Clovis Graciano, estimulada pela ditadura, a cidade praticamente mantém-se calada a respeito. Os administradores municipais da época se omitiram e nada fizeram. Os prefeitos que vieram depois prosseguiram no silêncio, com exceções dignas de registro. Uma exceção aconteceu em uma gestão da prefeitura nos anos 1970, que pintou nos veículos oficiais e caminhões de trabalho a silhueta do monumento estilizada como um paliteiro arredondado. Essa informação veio em um depoimento dado na Audiência Pública da Câmara de Vereadores, realizada em 07 de abril último. A conferir!
Outra exceção foi a aprovação nas Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Município de “autorização para a reconstrução do Painel/Monumento da Praça dos Trabalhadores”. Como não se tratava de determinação legal, mas de “autorização”, nenhuma gestão posterior revelou vontade para tal.
Houve ainda um momento especial em 2003, quando um Grupo de Trabalho designado pela prefeitura concluiu estudos técnicos recomendando a reconstrução. Mesmo assim nada foi feito.
Omissos e indiferentes com esta parte da história de Goiânia ficou também a chamada consciência democrática dos goianienses, ao longo dos anos. Pesquisadores, artistas, sindicalistas e ativistas de direitos humanos, todos têm coonestado este atroz crime contra a arte e a cultura da cidade.
Em 1986, já na democracia, as estruturas de concreto foram demolidas. Repetiu-se a indiferença geral. Não sobrou ruína ou qualquer sinal para servir de testemunha ou denúncia. Configurou-se na memória coletiva da cidade o fenômeno que os historiadores nomeiam de “esquecimento obrigatório”.
Uma recente pesquisa sobre os monumentos políticos de Goiânia, realizada no âmbito do atual movimento pela reconstrução do Monumento ao Trabalhador, mostra que as “elites culturais e políticas” o desconhecem ou não o incluem em suas hierarquias de percepções, lembranças e valores. Por sua vez, o chamado grande público (na pesquisa, somente pessoas com o mínimo de 40 anos e ao menos 30 anos residindo na cidade) desconhece a anterior existência do monumento, num percentual que passa de 90%. Quase todos estes sequer identificam a sua imagem, a eles mostrada em fotografia. Os que o identificam e citam corretamente o significado e a simbologia que ele continha não chegam a 6%.
A retomada das ações para a reconstrução do monumento dá-se em 2015. Realizamos dezenas de reuniões em faculdades, escolas, ór-gãos públicos, sindicatos, entidades culturais e em auditórios de eventos, como na II Mostra de Arte Urbana. IHGG e Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio também engrossam a reivindicação. A receptividade tem sido ampla e estimulante.
Na imprensa e nos meios políticos, a acolhida é igualmente imediata, quase unânime. Os vereadores apoiaram de pronto a demanda, através da citada Audiência Pública na Câmara. Em seguida a ela, o governador Marconi comprometeu-se em liberar um milhão e cem mil reais para as obras de reconstrução. Lamentavelmente, apenas a prefeitura, nas pessoas de seu chefe principal e do secretário de cultura, e o Iphan, mantêm posições diferentes. Eles evitaram incluir o monumento no projeto de reurbanização da praça. Não o mencionam nos pronunciamentos em que caberia fazê-lo. A prefeitura não compareceu à audiência na Câmara e o prefeito sequer marca audiência para tratar do assunto.
O movimento prossegue. Estamos finalizando uma carta para ser apresentada aos candidatos a prefeito nas eleições deste ano, com tópicos para uma política de memória em Goiânia. Os debates sobre os dados da pesquisa e uma exposição temática com imagens e informações sobre o significado do monumento, e sobre a sua destruição, sempre motivam o interesse de jovens e crianças.
Daí vem o título deste artigo: aos que considerarem importante não deixar que o passado se apague, principalmente a partir das escolas, oferecemos nossa compreensão e parceria. Que a história do monumento e desta parte de Goiânia seja conhecida e que o crime seja reparado.
(Pedro Célio Alves Borges, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da FCS/UFG / Arquidones Bites , professor de História da Rede Pública Estadual e secretário-geral do Sintego)