Aprendendo a ser irmãos
Diário da Manhã
Publicado em 22 de fevereiro de 2018 às 22:44 | Atualizado há 7 anos
Barbaridade! Foi quando vi duas adolescentes brigar. Uma terceira, alta, forte, interveio:
– Vamos parar com essa fuzarca aí?
– Ela me chamou de gorda! Respondeu a Natalie.
– O que tem isso? Ela não falou mal de você!
– Falou sim. Disse que eu sou gorda
– Eu também sou, respondeu a Elza, e ela falou a verdade. Você vai preocupar-se com isso, Natalie?
– Eu devo engolir esse desaforo? Indagou Natalie.
– Se você acha ruim, então eles ficam sabendo e sempre que desejarem importuná-la vão lhe chamar de gorda, o que eu e você o somos, de verdade. Ninguém poderá ser chamado de mentiroso. Temos que engolir o termo deles ou partirmos para um mundo medieval, e sair lutando com toda pessoa, onde estivermos. Explicou Elza.
– Vendo que Natalie tão cedo não iria ingerir aquela explicação, Elza ficou atenta às duas. Conhecia ambas muito bem. Tanto Ernestina quanto a outra eram de “pavio curto”; e discutiam no pátio. Quando Natalie falou que se a Ernestina continuasse a se referir à sua obesidade, iria ver com ela. Elza, então, prevendo um possível entrevero, resolveu evitar o pior, e percebendo a gordinha armar-se de um machado, pôs-se fora da sala onde trabalhava, e foi evitar a contenda.
Vendo que as duas moças partiam para as vias de fato, com Natalie erguendo o machado em direção à Ernestina, Elza gritou “Não, Natalie! Pelo amor de Deus!” Estatura fácil para dominar a moça que estava com o machado, a protetora colocou-se na frente da possível vítima. Mas foi então que Natalie, enfurecida, atacou também sua colega Elza, dando-lhe um golpe de machado, mas a moça alta protegeu-se com a mão direita, que foi golpeada e sofreu corte profundo.
Mandei que a levassem ao Hospital urgentemente, enquanto tomava o objeto afiado da mão da irada que não queria entrega-lo, tendo a gente que tomá-lo à força, empurrando-a ao chão. Levantei-a e disse-lhe: – Você escolhe: ou você se acalma, ou a levo para a Delegacia da Mulher, e relato essa briga de moças, Calada e sentada, preferiu acalmar-se, agora preocupada com a colega a quem agredira: – E a Elza, tio? – Está no hospital. O médico está costurando a mão dela. – Desculpe tio. E agora? – Esperar pela alta médica. Depois vamos ver qual será a providência. Você tem algum parente responsável? – Não sei tio. –Veremos depois. Concluí.
Trinta e cinco anos se passaram. O que acontecera depois desse acontecimento, é que descobrimos uma tia de Natalie que assumiu ajuda-la e em companhia dela viveu até há pouco tempo. A sobrinha, nessas três décadas, casou-se e teve três filhos; separou-se porque o marido não a tolerou e seus filhos foram levados para um abrigo. Hoje ela vive sob os cuidados deles que têm suas famílias, mas com os mesmos problemas de saúde que sofria o pai. Foi que me informara um irmão de Natalie.
Quanto à Elza, a que sofrera um corte na mão, tão logo recebeu alta, voltou para a instituição onde permanecera até recuperar-se totalmente e foi trabalhar na casa de um rico casal, onde ficou conhecendo um alemão com quem se casou e hoje vive numa fazenda de sua propriedade, mas casada já com o terceiro. Muito franca objetiva e resoluta. Nunca passou por dificuldade na vida, a tudo enfrenta com determinação e coragem. Falou comigo pela Internet. Lembrou o incidente, perguntou pela Natalie, sobre a qual não sei mais nada, além do que citei acima.
Ainda falta contar sobre Ernestina, a que seria vítima no lugar de Elza: sem pai sem mãe, hoje idosa, vive aos cuidados de pessoas generosas de Rio Verde em Goiás. Telefonou-nos esses dias perguntando se sabíamos de seus irmãos – Hélio e Mauro Martins Rita. Informamos-lhe que o que sabíamos deles, mas era o que ela também já estava ciente; ocorreu que cada um foi para um rumo diferente na vida e hoje vivem sem saberem como se encontrarem. Mas um dia se encontrarão. Estarão vencidos pela idade avançada e duras experiências existenciais, porém, mais serenos e dispostos a se tolerarem um ao outro,
Aprendendo a serem irmãos. É isto.
(Iron Junqueira, escritor)