Aprendizes da mediocridade
Redação DM
Publicado em 27 de agosto de 2018 às 23:18 | Atualizado há 7 anos
Há pessoas e sociedades que passam por elevadas, mas estão sempre na chapada, dando trombadas na realidade, com sua inapetência para com a verdade.O fundo do poço é sempre mais em baixo, na escalada da patologia social, em que nem sempre se acha explicações para crimes brutais – se é que podem existir, à luz da razão e do concebível. Tempo de precarização da moral, em que se busca justificar o escândalo, e toda uma pletora de absurdos cotidianos, vindos das altas esferas do poder.
Tais atos preocupantes tornaram-se notícia irrelevante, correm por conta da banalidade do mal – que vem crescer, de forma apavorante, em todos os estratos sociais, como resultado da inversão de consciência – a mesma que, invadindo a área insuspeita e aparentemente inviolável da pedagogia educacional, permite que alunos humilhem, espanquem seus professores, impedindo ao mesmo tempo que estes os reprovem, mesmo que nada tenham aprendido do curso, ou se recusem a estudar.
O descalabro da patologia social começa com a eliminação da promoção por méritos, critério elementar e democrático para a convivência social e profissional. Reprimir o reprovar um aluno indisciplinado ou relapso, desrespeitoso para com seu professor e sua escola é visto como humilhação de parte fraca. A ordem da pedagogia populista é nivelar por baixo – reduzir tudo à mesma geléia geral, e atirar na vala comum da incompetência e da mediocridade.
Trata-se da banalização e universalização da mediocridade (o triunfo da estupidez) que se vê grassar como praga em nosso país, em sabotagem auto-imposta de seu futuro está no romance profético “Cartas de um Diabo a seu aprendiz”, do escritor irlandês C.S. Lewis. A onda que assinala uma decadência coletiva em nível de patologia social invade não só a educação, mas também outros setores, como o das artes, da literatura e comunicação.
Em seu romance igualmente profético “O jogo das contas de vidro”, o escritor alemão Herman Hesse fala de um tempo de decadência e barbárie, em que músicos instrumentistas seriam substituídos por máquinas capazes de substituir o piano e, mais: reproduzir o som de todos os instrumentos de uma orquestra.
Ele antecipou, em décadas, a invenção do órgão eletrônico – só não pode adivinhar que tais trapizongas tecnológica seria tão devastadoramente eficiente que, mesmo sendo capaz de imitar o som de qualquer instrumento, seria ele próprio relegado ao esquecimento, com o aparecimento dos tais DJ, músicos sem talento e sem habilidade, cuja função consiste apenas em produzir ruídos mecânicos e repetitivos, ao fazer girar discos com os dedos, de encontro a uma agulha.
Retornando ao escritor C.S. Lewis e à sua ironia profética: a massificação banalizante atingiria a pedagogia – a educação, nivelando por baixo as possibilidades de ensino e aprendizagem, “seria a mais atacada pela interferência dos técnicos infernais”, como ressaltou Gismair Martins Teixeira, em artigo publicado na seção Opinião, de O Popular: “Segundo Pitafuso, crianças capazes de ler Homero e Dante, por conta da nova pedagogia, são obrigadas a repetir com os coleguinhas “Vovó viu a uva”, e a fazer bonequinhos de massinha, tudo para não traumatizarem os coleguinhas ainda ineptos”.
O superlotar salas de aula, para economizar professores e diminuir despesas, vem sendo a “revolução pedagógica”, posta em prática nas escolas de capitais como Salvador – lugar onde o baixo nível da educação coincide (?) com os altos índices de criminalidade.Concorre para o desastre a pedagogia que nivela por baixo, desestimula o mérito e premia a preguiça e a inapetência ao estudo e ao esforço, adotada pelo Mec.
Por este estranho entendimento e des-orientação, fica proibido dar nota baixa a alunos que escrevam errado, para não constrangê-los. Por igual “boa intenção” mediocrizante, fica proibido também reprovar ou impedir que passe de ano quem revelou ser incapaz de atingir o nível mínimo para ser aprovado.
Trata-se de um verdadeiro arrastão – um arrastar de professores, alunos e a sociedade, para a vala comum do desastre social. Para onde nos levará uma educação que prepara para a inaptidão e a inapetência em relação à fraternidade e ao respeito à vida, que constitui a base da civilização?
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista. Da Academia Goiana de Letras e outras instituições culturais de Goiás)