Araguatins: encontro no presente para resgatar o passado (10)
Diário da Manhã
Publicado em 22 de janeiro de 2018 às 23:18 | Atualizado há 7 anos
Republico artigo, que me parece atualizado, justamente no momento em que discorro sobre Araguatins. Em que me dirijo à comunidade araguatinense. Afinal, estamos programando um encontro da família desta cidade tocantinense para o dia 21 de abril, na sede da AABB, em Goiânia. Por que essa republicação? Muitos podem estar perguntando. Entendo que Athanásio de Moura Seixas detém uma história de vida, pessoal e política, que gratifica os cidadãos brasileiros. E precisamente cobram ética dos políticos.
Nunca me arrisquei a falar publicamente de meu pai. Mas, hoje o faço. Foram meses de reflexão sobre esta decisão. Afinal tenho lembrado de pessoas empreendedoras e íntegras do porte de Pedro Ludovico, Mauro Borges, Venerando de Freitas, João de Paula Teixeira Filho, Hélio Seixo de Brito, Henrique Santillo, Macel Caixeta, entre outras, inclusive de figuras legendárias como Juscelino e o Barão de Mauá.
Mas, por qual razão Athanásio de Moura Seixas?
Athanásio fora do ramo de diamantes em Roraima, onde passou uma temporada, um próspero comerciante em Araguatins e que um certo dia entrou na política como destino no Bico do Papagaio e não largou mais. Como diz o ditado: uma cachaça.
O PSD, partido de Pedro Ludovico, José Ludovico de Almeida, Mauro Borges e de Íris Rezende Machado, fora o escolhido. Pelo Partido Social Democrático, também de JK, elegeu-se várias vezes e ajudou a eleger José de Souza Porto para a Câmara Federal e Francisco Maranhão Japiassú para a Assembléia Legislativa.
Na Prefeitura, dedicou de corpo a alma à verdadeira construção da cidade e do município. É bom lembrar que nos idos de 50/60, somente se atingia a região de barco, através do Araguaia, ou de avião. Não havia estrada, exceto caminhos das boiadas e das tropas de jegues e burros.
De Araguatins a Goiânia, pela companhia aérea Cruzeiro do Sul, a viagem demandava um dia inteiro. O DC – 3 partia de Belém ao amanhecer e cumpria a rota Marabá, Araguatins, Carolina (MA), Conceição do Araguaia (PA), Araguacema, Ilha do Bananal, Porto Nacional, Peixe, Aruanã e finalmente Goiânia.
Para começar, a pista de avião fora construída por iniciativa de Athanásio, que queria uma empresa aérea na cidade, para se comunicar mais rápido com outros centros.
As escolas eram precárias e ele construiu o grupo escolar na cidade e várias outras nos povoados.
Para centralizar as compras de mantimentos no varejo, fez o mercado na orla urbana do Araguaia. Um cais nas imediações foi feito para embarque e desembarque das pessoas e mercadorias nos barcos, então uma novidade na época.
Um gerador foi instalado para fornecer energia elétrica a Araguatins.
Estradas e pontes de madeira foram disseminadas pelo município, que na época abrangia Xambioá, e fazia divisas com Itaguatins, Tocantinópolis e Araguacema.
Athanásio, por sua obra e sua integridade, se reelegia a cada eleição ou fazia sempre o sucessor, depois retornando à administração.
Edificou na época, a sede da prefeitura. Talvez a mais moderna de toda a região nortense goiana.
A prefeitura carecia de um caminhão para apoio nas obras municipais, substituindo parte da tropa de burros ou do carro-de-boi. Athanásio adquiriu-o numa revendedora em Belém.
Mas, como transportar este veículo?
Na época não havia estrada na região, apenas a selva amazônica bruta. As únicas vias de escoamento eram os rios Tocantins e Araguaia, encachoeirados como hoje.
Uma das maiores audácias e aventuras do mundo, demonstrando verdadeiro empreendedorismo colocou-se à prova.
O caminhão inicialmente foi conduzido até o porto, colocado na proa de um barco a motor, naturalmente sob os devidos cuidados de uma engenharia improvisada para não tombar.
O barco, dado o sinal de partida, navegou rio adentro enfrentando a correnteza contrária. Na transposição das cachoeiras, como a temida Tucuruí, o barco encostava num porto rudimentar, o caminhão era então removido com todo o cuidado profissional de João Seixas, irmão de Athanásio, depois feita a estrada na marra, por onde o veículo rodava em caráter totalmente pioneiro. A coragem de quem quer fazer fica caracterizada.
Transposta a cachoeira, o veículo novamente era recolocado na proa do barco e assim se repetia nas várias transposições, como Jacundá, São João, São Bento.
O caminhão chegou ao seu destino, sob o pipocar de fogos que mais lembrava uma festa junina. A alegria era contagiante assim como o nome do prefeito realizador que transpunha outros municípios.
Em Conceição do Araguaia, no Pará, as lideranças de PSD e UDN, tradicionais adversários, ofereceram o cargo de prefeito a Athanásio que, embora tenha balançado ante tamanha deferência, preferiu ficar em Araguatins.
No centenário da cidade, a prefeitura com recursos escassos para a construção de uma praça, pediu o aval do prefeito Íris Rezende Machado, em seu primeiro mandato em Goiânia, junto ao Banco Bandeirantes. O dinheiro público era aplicado com parcimônia tanto nesta como nas demais obras. Muito saiu do próprio bolso, que nunca retornou.
Íris, estrela nascente, foi convidado de honra para a solenidade de inauguração, com direito inclusive a banho de praia no Araguaia ante uma multidão de pessoas de Araguatins e municípios vizinhos.
O aeroporto nunca recebera tanto movimento de aeronaves para ver e abraçar o novo líder goiano que ia à região pela primeira vez. O arrasta-pé amanheceu o dia, sob a batuta do sanfoneiro Lusinho, uma imitação de Luiz Gonzaga.
Nem tudo são flores. Chega ao município, a Rio Impex, empresa de capital alemão, promovendo a retirada de madeiras de lei e realizando um extenso canteiro de replantio de mudas nativas.
Athanásio viu na iniciativa uma oportunidade de circulação de dinheiro, geração de emprego para muitos miseráveis, mecanização e apoiou o projeto.
Para quê, a oposição entendeu que o prefeito estava usufruindo pessoalmente das vantagens.
O desgaste político passou a ser tão grande, que Athanásio pediu socorro a seu filho, jornalista em Goiânia. Acorri ao Batista Custódio, do Cinco de Março, mostrando a ele que meu pai estava sendo vítima de acusações falsas. Ficava difícil no plano ético defendê-lo jornalisticamente na condição de filho. O Batista colocou o Telmo de Faria à disposição, que viajou para aqueles ermos, confirmando as injustiças cometidas.
Noutra oportunidade, um adversário político para contê-lo tentou usar da violência ao contratar um pistoleiro para assassiná-lo numa emboscada. Dois pistoleiros foram contratados em Brasília. Ao chegarem a Araguatins, sentiram o valor do político, do administrador competente e da moral do homem que seria seu alvo. E Athanásio foi procurado por ambos, narrando o episódio.
A polícia prendeu os dois e também o mandante, que chegou com o dinheiro na maleta para pagar pelo crime. Athanásio os perdoou e pediu sua liberação ao delegado.
Para sua mãe Antônia, que estava sempre rezando e frequentava a igreja todos os dias, foi um milagre que salvou seu filho da morte anunciada.
Anos depois, com o advento do regime militar, os partidos vigentes foram extintos e criados a Arena, vinculada ao governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
Líder regional por excelência, Athanásio interessava à cúpula da Aliança Renovadora Nacional, que, por ser umbigo da “revolução”, o queria em suas fileiras. Mas, Athanásio preferia continuar no MDB, o que contrariava frontalmente os militares. Foi então que o general Nogueira Paes, comandante do Planalto, tomou um jatinho e aportou em Araguatins, para tentar a atração.
O general como todo militar não fez rodeio. Pediu a adesão de quem não estava acostumado a perder eleição em Araguatins e influenciava outras lideranças regionais.
Athanásio, muito sincero e fiel ao seu partido, retrucou também de imediato a seu importante interlocutor: “Não sou corrupto nem subversivo, porque tenho que aderir?” O general pegou o seu quepe e partiu. Corrupto e subversivo eram as palavras mágicas para o sistema denunciar ou punir os ladrões do erário e os que seguiam o ideário da esquerda.
Athanásio não ganhou mais eleição, naturalmente fraudada. Perdeu o sentido da vida, onde corria política em suas veias, pegou um câncer ósseo. Morreu no Hospital do Câncer de Goiânia, numa data histórica: 7 de setembro de 1979, aos 65 anos.
Ruy Brasil era o vice-governador de Ary Valadão, que na condição de meu amigo, arranjou um avião, que levou o corpo de Athanásio a Araguatins. Do cemitério Santana ao aeroporto, a fila de carros era quilométrica. Ficara registrado que mesmo em Goiânia, meu pai tinha muitos amigos e admiradores.
A Previdência Social se encarregou dos funerais.
Athanásio, como aqueles líderes relacionados, morreu pobre, embora tenha tido o poder por muitos anos.
Gostaria, hoje, que o político em geral tivesse a mesma estirpe de Athanásio e outros homens honrados como ele.
(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em cooperativismo agropecuário pela Histadrut, em Tel Aviv, Israel. Autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)