Arraiá Chapéu do Vovô Sagrado & profano: Aldeia Dendalei
Redação DM
Publicado em 25 de junho de 2015 às 01:29 | Atualizado há 10 anos
“(…) O perfil de uma mente destacada (mente) criativa; as relações entre cultura, criatividade e personalidade; a reelaboração e aperfeiçoamento de produtos ou ideias já existentes (Alencar, 1993); realizações criativas (Feldman, 2008). Novas combinações e/ou mudanças na direção do desenvolvimento, onde uma significativa reorganização do conhecimento pode levar a mudanças em produtos, ideias, crenças e tecnologias… Muitas vezes, o antigo não é superado, é apenas posto de lado até que se torne relevante novamente. O passado pode retornar numa nova ‘roupagem’, por meio de algumas modificações…” A criatividade, assim qualificada, pode ser considerada o motor da sociedade pós-moderna, uma vez que, segundo Pereira et al. (2008), converteu-se em um bem intangível de valor inestimável, tornando-se uma real vantagem competitiva…” http://wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2009/cd_conahpa2009/papers/final157.pdf
O público se manifesta, via facebook, em relação ao concurso de quadrilhas juninas, 2015: “A Quadrilha Junina atual, reinventada, está ligada à juventude das periferias, pautada pela competição, com predominância dos gays na condução da estética. A sociedade que criou essa chamada quadrilha tradicional não existe mais. Perto do que era , no século XIX, não tem nada a ver. Acho que não sabem o que estão falando. Têm pouca erudição.” ( Marcelo Manzatti,Famaliá Produções).
“Isso é uma quadrilha? Vixi! Mudou muito! As roupas elaboradas não precisam ser fantasias alegóricas tipo escola de samba! Para que as máscaras? As atuais quadrilhas teatralizadas são ótimas e um grande momento para levar para cidade o folclore e lendas do campo que são ricas. Mas sem excessos desnecessários que desfigurem isso com muita pirotecnia. Isso é apenas uma sugestão para eles. Mas podem fazer o que quiserem, têm liberdade criativa. Muito da Cultura está se perdendo em nome de espetáculos de gostos duvidosos. A tradição histórica se degenerando pelo caminho. Uma quadrilha com roupas reluzentes, ao som do Funk, pode ser tudo, menos uma quadrilha, mesmo que se apresente com esse nome… Eu vi uma que surpreendeu pela inovação, sem perder ou prejudicar a tradição. Encenaram, dançaram e cantaram sem descaracterizar a cultura. Outra usou fumaça e luz, sem descaracterizar a tradição do campo. No Nordeste, não sei se em Caruaru ou Campina Grande, soube que a inovação lá é quadrilhas com Funk. É o que digo, vai perdendo a tradição com as inovações.
A quadrilha veio junto com a família real e na versão brasileira foi uma crítica aos salões da nobreza. Por isso surgiu a imagem dos matutos pobres, interioranos, dançando como na burguesia. Havia uma crítica social. A tradição não está nos salões da realeza, está na crítica: Criatividade e irreverência nacional!” (João Carlos Barreto, jornalista e fotógrafo).
“Respeito sua opinião João Carlos Barreto, lhe convido a assistir uma apresentação do grupo Quadrilha Arraiá Chapéu do Vovô. Somos um grupo de uma linhagem familiar antiga. A imagem do “velho” que postei representa o homem que começou toda esta trajetória: João Evangelista, meu avô e tataravô de muitos que hoje dança no grupo. Naquele tempo ele também era considerado ousado demais para a época. E olha que ele era apenas um homem do campo, lavrador de terra.” (Valdeir Antonio, Arraiá Chapéu do Vovô)
“Só acho que não devem embarcar na pirotecnia futurista. Que seja mantida a tradição iniciada pelo Sr João Evangelista. Falei das roupas e da máscara do casal… Parabéns, eu sou daqueles que acham que a apresentação das quadrilhas teatralizadas deveriam acontecer todo ano.” (João Carlos Barreto)
“Orientei aos meus alunos, integrantes do grupo de quadrilha junina Arraiá Chapéu do Vovô, para que trabalhassem Tema goiano, uma vez que estamos em Goiás e não somos arremedos do Nordeste.” (Cristina Bonetti, estudiosa das culturas populares).
“Adorei essa aula, sobre quadrilha Fátima e João. É muito bom esses assuntos. Sinto-me aprimorado!” (Thiago Cesar, coreógrafo estilizado da quadrilha Chapéu do Vovô).
“A cultura é acessível a todos, o conhecimento da mesma que é para poucos.” (Alessandra Marques Porto )
Não sabemos quando inicia uma mudança, só a percebemos quando já está instalada. É um processo gradativo tal e qual acontecia nas festas juninas antigamente: “Um comprava fogos bonitos os outros compravam muito mais. O resultado era uma disputa de fogos que encantava os moradores que se dividiam no julgamento. Ora torcia por um, ora torcia por outros.” Não se pode negar um aspecto importante nos festejos juninos: a união.
“Essas e outras mudanças estão relacionadas à imbricação entre as teorias do pós-modernismo na cultura, na posição política, implícita ou explícita, com respeito à natureza do capitalismo multinacional em nossos dias”, Jameson (1991); há também uma forte tendência ditada pelo turismo…
“A sociedade pós-moderna favorece o surgimento de um hedonismo socializado pela mídia e, de certa forma, respondida pela própria sociedade como sintoma ‘sociedade espetáculo’” (Debord). Anula-se, segundo alguns estudiosos, a dimensão do privado, tornando “tudo” público. “Tudo se desmoronou (do muro de Berlin a crença nos valores e na esperança). Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo.” E nessa avalanche do “se dar a ver” entra a competitividade afiançada pelo poder público, impulsionando cada grupo de quadrilha a se mostrar mais e melhor e com isso as mudanças vão acontecendo sem pararem para discutirem aonde querem chegar.
As Manifestações Culturais, especialmente a quadrilha junina, “reinventada”, gera discussões, conceitos, críticas ao atribuir um novo significado à sua permanência. Dá aos seus componentes, um novo “sentido de pertencimento”. Segundo a neurolinguistica essa “Ressignificação” é avaliada de acordo com o filtro pelo qual a vemos.
Em seu livro Culturas Híbridas, Canclini mostra a população urbana como os maiores “consumidores” da cultura popular hoje em dia. Entrando em convergência com essa proposição, analisa as quadrilhas em sua situação atual como um fenômeno propriamente urbano onde os agentes populares participantes estão totalmente inseridos na modernidade. “Um ‘fenômeno’ que está à mercê da hibridização provocada pela influência tanto dos agentes populares quanto dos meios de comunicação de massa, das instituições governamentais e também da iniciativa privada.”
“As tradições são sempre propriedades de grupos, comunidades ou coletividades. Indivíduos podem seguir tradições ou costumes, mas as tradições não são uma característica do comportamento individual do modo como os hábitos o são.” (Giddens, 2000, p. 51- 52).
Segundo Canclini apud Santos (2012) uma manifestação cultural não deve se submeter ao arriscado jogo político e midiático dos setores hegemônicos para buscar sua sobrevivência na modernidade e nem se dotar de performances forçadamente elaboradas com a intenção de impressionar os turistas. O governo e os meios de comunicação precisam dessa manifestação enquanto “espetáculo junino”, mas uma interferência excessiva destes pode vir a prejudicar a dinâmica das quadrilhas.
O grupo de Quadrilha Junina Arraiá Chapéu do Vovô mesclando tradicionalidade e modernidade inseriu a cavalhada de Santa Cruz de Goiás em seu Tema 2015. Um “espetáculo” que perpassou, simbolicamente, as narrativas do sagrado e profano implícitos nas festas populares e religiosas… Uma viagem ao interior de Goiás através da música, das artes plásticas, dos autos, da fé e devoção….
“Ressignificação” não é sinônimo de perda de significado como acredita algumas pessoas; pelo contrário, é uma nova roupagem que se dá ao grupo, revestido ao longo do tempo, de Tradição/ transformação, sem perder a essência. Foi o que vi na apresentação do Grupo Chapéu do Vovô, especificamente. Vi a figura do mestre, João Evangelista( In Memoriam), sendo mostrado e valorizado o seu saber ancestral.Os aprendizes dando continuidade aos saberes e afirmando a identidade do grupo. Foi Ele, o mestre João Evangelista, quem ensinou e um novo mestre o apresentou ao público. Vi no Tema proposto, as devoções aos santos, a simbologia dos festejos juninos e joaninos; vi a goianidade implícita na teatralização do referido grupo. Ressignificar faz parte!
“Muito gratificante e talvez um dos maiores prêmios, depois de meses de trabalho, ler um comentário tão perfeito em relação a um tema proposto. Obrigado Fátima Paraguassu!” (Valdeir Antonio).
(Aparecida Teixeira de Fátima Paraguassú, historiadora, musicista, escritora, poetisa, presidente da Associação dos Amigos de Santa Cruz de Goiás – Correio Eletrônico: [email protected])