As duas faces da Lava Jato
Diário da Manhã
Publicado em 7 de junho de 2017 às 02:13 | Atualizado há 8 anos
Li estes dias um importante e lúcido artigo do general Eliéser Girão Monteiro Filho, que, em boa hora, comenta a caça aos corruptos através da Lava Jato.
Após uma leitura mais acurada de suas linhas, senti, concordando com ele, que a Lava Jato, na verdade, tem duas faces: a conduzida pelo Supremo, que envolve os folgados detentores de privilégio de foro, e a que é tocada pelo valente juiz Sérgio Moro, que chama às falas os da arraia-miúda, ou seja, todos aqueles que estão sujeitos à instância singela, e percebe-se que existe uma nítida linha divisória, perceptível, nas condutas do juiz Sérgio Moro, que cuida das primeira instância, e do ministro Edson Fachin, que substituiu o ministro Teori Zavascki.
A parte conduzida pelo juiz Moro segue uma linha técnica e implacável, dura com tudo e com todos, ignorando as naturais pressões. Vale por um serviço de higienização da vida pública brasileira.
Imaginem as pressões que sofre e equipe de Curitiba, composta pelo juiz, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, naquela comarca! Todos têm resistido com suprema galhardia a todas as invectivas.
Embora não se possa dizer o mesmo da Lava Jato do Supremo, tem-se observado que, malgrado os ministros, via de regra, serem apadrinhados de políticos, temos tido exemplos de eficácia, como os da prisão de Delcídio do Amaral, o caso Cunha, e, mais recentemente, as investigações em cima de Temer e Aécio Cunha.
Muitos acusam o ministro Fachin, relator da Lava Jato para os privilegiados de foro, de ser um homem talvez à esquerda do próprio PT, apoiador do MST e alegre e convicto apoiador da eleição de Dilma, sendo por ela foi guindado ao Supremo.
Sob a batuta de Fachin, o Grupo Odebrecht levou cerca de um ano para fazer um acordo de leniência e de delação premiada dos seus executivos, o que talvez lhe custe a própria sobrevivência, além de pagar bilhões de multa ao governo. E até o momento, mercê dessa confusão toda, mais ou menos cem mil empregados perderam o emprego.
Marcelo Odebrecht, o herdeiro do império da empreiteira e seu principal dirigente, está “hospedado” em Curitiba e ainda vai ficar sob prisão, com tornozeleira eletrônica e restrições de toda ordem logo que a sua pena ganhar contornos de ficar mais branda, com a progressão de regime.
Mas aí é que está a questão: o tratamento dado pelo relator da Lava Jato ao pessoal do Grupo JBS foi escandalosamente benéfico, com um acordo de delação premiada aos integrantes do grupo, em que os premiados foram eles, pois garantiu hospedagem VIP e voo de jatinho para os Estados Unidos, debochando de nós, brasileiros, com isenção de penas, atuais e futuras. O STF mandou-os para um “purgatório” chamado Nova York. Nenhum proprietário ou executivo do Grupo será processado nem sofrerá qualquer restrição, num atentado à lógica, pois Marcelo Odebrecht está ainda preso em Curitiba, sem qualquer privilégio pela delação, que se mostra menos importante do que a da JBS..
Pelo que se divulga às escâncaras, o Grupo Odebrecht cresceu dez vezes no governo Lula, e JBS, nada menos que quarenta vezes no mesmo período, ungido pelos generosos financiamentos do BNDES.
Agora, sob o comando do ministro Fachin e do procurador geral da República, Rodrigo Janot, também nomeado por Dilma, foi desencadeada uma operação contra o presidente da República. Embora se possa imaginar, não foi declarada a súbita investida sobre Temer, que vive um inferno astral terrível; não bastassem essas investigações, coisa inédita para um presidente da República, ainda existe outro “abacaxi”, com o julgamento da Chapa Dilma/Temer no TSE, que, naturalmente, vai se arrastar enquanto Temer toma fôlego para escolher a difícil saída desse labirinto.
Para tentar juntar os cacos, está buscando usar de expedientes para salvar os mais chegados, como editar uma medida provisória para elevar Moreira Franco à condição de ministro só para garantir-lhe o foro privilegiado (que pode cair a qualquer hora), e quando Dilma nomeou Lula para a Casa Civil, o STF derrubou a nomeação e a posse, por ter ocorrido desvio de finalidade. Será que, provocado, o STF manterá a coerência? Como consagrado constitucionalista, Temer ignorou o artigo 62 da Constituição Federal, que estabelece que medida provisória só pode ser editada quando o caso é de urgência e relevância, cumulativamente. E não é o caso.
Voltando ao acordo de delação de Joesley e sua quadrilha, sabe-se que ele foi a palácio para atiçar o presidente e ver se ele faria algum comentário comprometedor, conseguindo seu intento, mas, a meu sentir, atenta contra o decoro, e se ordenada pelo ministro e pelo procurador-geral, é ilegal e não vale como prova. E todo mundo sabe disso, como também que o escândalo político tem o poder de varrer a ilegalidade para escanteio.
Se Joesley foi lá por conta própria para depois apresentar a gravação, a ilegalidade beira o escândalo, pois se não se usa uma prova desse naipe contra o cidadão comum, quanto mais contra um presidente da República.
Uma operação, sob os auspícios de um ministro do STF e do procurador geral da República é vazada para a Rede Globo, que não detalha nada e vende tudo como algo muito normal. E para piorar, juntaram o problema do Aécio Neves, com a gravação do presidente da República, surpreendendo a todos. Misturaram a safadeza criminosa de Aécio com uma condenável conversa, do presidente com um empresário picareta, e jogaram o país, que já se recuperava, em novo desespero econômico, com a incerteza na aprovação das reformas previdenciária e trabalhista, que poderá levar o Brasil de volta para a beira do perau.
Parece que, com inteira razão, as ruas voltarão a se agitar, numa mobilização engendrada pelos partidos da agora oposição, tonificada pelos sindicatos, movimentos de rua e entidades afins.
Assim, a Lava Jato de primeiro grau segue processando e punindo, enquanto a do Supremo fica na zona de perplexidade, com os conchavos engendrados pelo Executivo, e principalmente Legislativo, cujas indicações a ministros estão atreladas aos políticos que os apadrinharam, e certamente lhes cobrarão o favor prestado.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa- AGI -, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])