Opinião

As mulheres na vida de Jesus e a companheira Míriam de Magdala

Redação DM

Publicado em 26 de fevereiro de 2018 às 23:20 | Atualizado há 7 anos

Je­sus é ju­deu e não cris­tão, mas rom­peu com o an­ti-fe­mi­nis­mo de sua tra­di­ção re­li­gi­o­sa. Con­si­de­ran­do-se sua ges­ta e pa­la­vras per­ce­be-se que se mos­tra­va sen­sí­vel a tu­do o que per­ten­ce à es­fe­ra do fe­mi­ni­no em con­tra­po­si­ção aos va­lo­res do mas­cu­li­no cul­tu­ral, cen­tra­do na sub­mis­são da mu­lher. Ne­le se en­con­tram, com fres­cor ori­gi­ná­rio, sen­si­bi­li­da­de, ca­pa­ci­da­de de amar e per­do­ar, ter­nu­ra pa­ra com as cri­an­ças, pa­ra com os po­bres e com­pai­xão pa­ra com os so­fre­do­res des­te mun­do, aber­tu­ra in­dis­cri­mi­na­da a to­dos, es­pe­ci­al­men­te a Deus, cha­man­do-o de Pai­zi­nho que­ri­do (Ab­ba). Vi­ve cer­ca­do de dis­cí­pu­los ho­mens e mu­lhe­res. Des­de o iní­cio de sua pe­re­gri­na­ção de pre­ga­dor, elas o se­gui­am (Lc 8,1-3; 23,49;24,6-10; cf.E.Schlüs­ser-Fi­o­ren­za,Dis­ci­pu­la­do de igua­is, Vo­zes 1995).

Em ra­zão da uto­pia que pre­ga – o Rei­no de Deus – que é uma li­ber­ta­ção de to­do ti­po de opres­são, que­bra vá­rios ta­bus que pe­sa­vam so­bre as mu­lhe­res. Man­tem uma pro­fun­da ami­za­de com Mar­ta e Ma­ria (Lc 10,38). Con­tra o ethos do tem­po, con­ver­sa pu­bli­ca­men­te e a sós com uma he­re­je sa­ma­ri­ta­na, cau­san­do per­ple­xi­da­de aos dis­cí­pu­los (Jo 7,53-8,10). Dei­xa-se to­car e un­gir os pés por uma co­nhe­ci­da pros­ti­tu­ta, Ma­da­le­na (Lc 7,36-50). São vá­ri­as as mu­lhe­res que fo­ram be­ne­fi­ci­a­das com seu cui­da­do co­mo a so­gra de Pe­dro (Lc 4,38-39), a mãe do jo­vem de Naim, res­sus­ci­ta­do por Je­sus (Lc 7,11-17), igual­men­te a fi­lhi­nha mor­ta de Jai­ro, ofi­ci­al ro­ma­no (Mt 9,l8-29), a mu­lher cor­cun­di­nha (Lc 13,10-17), a pa­gã si­ro-fe­ní­cia, cu­ja fi­lha, psi­qui­ca­men­te do­en­te, foi li­ber­ta­da (Mc 7,26) e a mu­lher que so­fria há do­ze anos de um flu­xo de san­gue (Mt 9,20-22). To­das elas fo­ram cu­ra­das.

Em su­as pa­rá­bo­las ocor­rem mui­tas mu­lhe­res, es­pe­ci­al­men­te, po­bres co­mo a que ex­tra­vi­ou a mo­e­da (Lc l15,8-10), a vi­ú­va que de­po­si­tou dois tro­ca­dos no co­fre do tem­plo e era tu­do o que ti­nha (Mc 12,41-44), a ou­tra vi­ú­va, co­ra­jo­sa, que en­fren­tou o ju­iz (Lc 18,1-8). Nun­ca são apre­sen­ta­das co­mo dis­cri­mi­na­das mas com to­da sua dig­ni­da­de, à al­tu­ra dos ho­mens. A crí­ti­ca que faz da prá­ti­ca so­ci­al do di­vór­cio, pe­los mo­ti­vos mais fú­te­is e a de­fe­sa do la­ço in­dis­so­lú­vel do amor (Mc 10,1-10), tem seu sen­ti­do éti­co de sal­va­guar­da da dig­ni­da­de da mu­lher.

Se ad­mi­ra­mos a sen­si­bi­li­da­de fe­mi­ni­na de Je­sus (a di­men­são da ani­ma), seu pro­fun­do sen­ti­do es­pi­ri­tual da vi­da, a pon­to de ver sua ação pro­vi­den­te em ca­da de­ta­lhe da vi­da co­mo nos lí­rios do cam­po, en­tão de­ve­mos tam­bém su­por que ele apro­fun­dou es­ta di­men­são a par­tir de seu con­ta­to com as mu­lhe­res com a qua­is con­vi­veu. Je­sus apren­deu, não só en­si­nou. As mu­lhe­res com sua ani­ma com­ple­ta­ram o seu mas­cu­li­no, o ani­mus.

Re­su­min­do, a men­sa­gem e a prá­ti­ca de Je­sus sig­ni­fi­cam uma rup­tu­ra com a si­tu­a­ção im­pe­ran­te e a in­tro­du­ção de um no­vo ti­po de re­la­ção, fun­da­do não na or­dem pa­tri­ar­cal da su­bor­di­na­ção, mas no amor co­mo mú­tua do­a­ção que in­clui a igual­da­de en­tre o ho­mem e a mu­lher. A mu­lher ir­rom­pe co­mo pes­soa, fi­lha de Deus, des­ti­na­tá­ria do so­nho de Je­sus e con­vi­da­da a ser, jun­to com os ho­mens, tam­bém dis­cí­pu­las e mem­bros de um no­vo ti­po de hu­ma­ni­da­de.

Um da­do da pes­qui­sa re­cen­te vem con­fir­mar es­ta cons­ta­ta­ção. Dois tex­tos, cha­ma­dos evan­ge­lhos apó­cri­fos, o Evan­ge­lho de Ma­ria (edi­ção da Vo­zes 1998) e o Evan­ge­lho de Fe­li­pe (Vo­zes 2006)) mos­tram uma re­la­ção ex­tre­ma­men­te afe­ti­va de Je­sus. Co­mo ho­mem ele vi­veu pro­fun­da­men­te es­ta di­men­são.

Ai se diz que ele en­tre­ti­nha uma re­la­ção es­pe­ci­al com Miryam de Mág­da­la, cha­ma­da de “com­pa­nhei­ra”(ko­i­nó­nos). No evan­ge­lho de Ma­ria, Pe­dro con­fes­sa: “Ir­mã, nós sa­be­mos que o Mes­tre te amou di­fe­ren­te­men­te das ou­tras mu­lhe­res”(op.cit. p. 111) e Le­vi re­co­nhe­ce que “o Mes­tre a amou mais que a nós”. Ela vem apre­sen­ta­da co­mo a sua prin­ci­pal in­ter­lo­cu­to­ra, co­mu­ni­can­do-lhe en­si­na­men­tos sub­traí­dos aos dis­cí­pu­los. Das 46 per­gun­tas que os dis­cí­pu­los co­lo­cam a Je­sus, de­pois de sua res­sur­rei­ção, 39 são fei­tas por Mí­ri­am de Mág­da­la (cf. Tra­du­ção e co­men­tá­rio de J.Y.Le­loup, Vo­zes 2006, pp.25-46).

O Evan­ge­lho de Fe­li­pe diz ain­da: “Eram três que acom­pa­nha­vam sem­pre o Mes­tre, Ma­ria sua mãe, e Miryam de Mág­da­la que é co­nhe­ci­da co­mo sua com­pa­nhei­ra por­que Miryam é pa­ra Ele uma ir­mã, uma mãe e uma es­po­sa (ko­i­nó­nos: Evan­ge­lho de Fe­li­pe, Vo­zes 2006,p.71). Mais adi­an­te par­ti­cu­la­ri­za afir­man­do: “O Se­nhor ama­va Ma­ria mais que to­dos os de­mais dis­cí­pu­los e a bei­ja­va com fre­quên­cia na bo­ca. Os dis­cí­pu­los, ao ve­rem que a ama­va, per­gun­ta­vam-lhe: por que amas a ela mais que a to­dos nós? O Re­den­tor lhes res­pon­deu di­zen­do: o que? eu não de­vo amar a ela tan­to quan­to a vo­cês” (Evan­ge­lho de Fe­li­pe, op.cit. p. 89)?

Em­bo­ra tais re­la­tos pos­sam ser in­ter­pre­ta­dos no sen­ti­do es­pi­ri­tual dos gnós­ti­cos, pois es­sa é sua ma­triz, não de­ve­mos, di­zem re­co­nhe­ci­dos exe­ge­tas (cf.A.Pi­ñe­ro,El otro Je­sús: la vi­da de Je­sús en los apó­cri­fos, Cor­do­ba 1993 p.113) ex­clu­ir um fun­do his­tó­ri­co ver­da­dei­ro, a sa­ber, uma re­la­ção con­cre­ta e car­nal de Je­sus com Mí­ri­am de Mág­da­la, ba­se pa­ra o sen­ti­do es­pi­ri­tual. Por que não? Há al­go mais sa­gra­do que o amor efe­ti­vo en­tre um ho­mem (o Fi­lho do Ho­mem, Je­sus) e uma mu­lher?

Um di­to an­ti­go da te­o­lo­gia afir­ma ”tu­do aqui­lo que não é as­su­mi­do por Je­sus Cris­to não é re­di­mi­do”. Se a se­xu­a­li­da­de não ti­ves­se si­do as­su­mi­da por Je­sus, não te­ria si­do re­di­mi­da. A di­men­são se­xu­a­da de Je­sus não ti­ra na­da de sua di­men­são di­vi­na. An­tes, a tor­na con­cre­ta e his­tó­ri­ca. E seu la­do pro­fun­da­men­te hu­ma­no.

 

(Le­o­nar­do Boff es­cre­veu O Ros­to Ma­ter­no de Deus – Vo­zes 2005)

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