As raízes e os ramos eternais na história dos estudos genealógicos em Goiás
Diário da Manhã
Publicado em 5 de dezembro de 2017 às 21:57 | Atualizado há 4 meses
Na história da caminhada humana, genealogia é a ciência que, em seu bojo, estuda a origem, a evolução e disseminação das famílias, dos povos e das civilizações, ao longo do tempo, com seus respectivos nomes, sobrenomes e apelidos, para o conhecimento do avançar das gerações.
Para muitos é conhecida de forma mais abrangente como estudo de parentesco, ao desenvolver a história de famílias, subsidiada pela Sociologia e várias outras ciências, ou, ainda, tida por “Ciência da História da família”, cujo objetivo primordial é desvendar, com minúcias e provas documentais, as origens das famílias, por intermédio de um sistemático levantamento dos antepassados ou descendentes, locais e situações em que viveram os relacionamentos interfamiliares, motivados por interesses dos próprios familiares ou de estudiosos no gênero.
Esse levantamento pode ser estendido aos descendentes como aos ascendentes de uma determinada figura histórica; sendo, muitas vezes, difícil classificar os nomes de família por causa das mudanças de ortografia e pronúncia com o passar do tempo; até mesmo por erros cartoriais, mudanças de letras, mudança da posição dos nomes na assinatura, omissões de assinaturas dentre outras coisas.
Também, várias palavras antigas tinham significados diferentes na época, ou hoje, não são mais usadas. Muitos nomes de família dependeram da competência e, discrição de quem os fez no ato do registro, ou até por interesses econômicos ou morais; além do patriarcalismo, que excluía a assinatura da mãe nos nomes dos filhos, ao fazerem desaparecer gerações inteiras por puro egoísmo ou machismo.
Um exemplo claro da genealogia na história está na Bíblia. Ela vem recheada?de genealogias e estudos da área. Era tradição entre o povo Judeu fazer esse tipo de estudo. Eles, tradicionalmente, davam muito valor aos registros das suas genealogias; o que nos permitiu conhecer muito das personagens que compuseram a sua história e favoreceu desvendar seus hábitos, costumes e modismos.
Desse costume surgiu o termo “árvore genealógica” para desvendar desde as raízes, até os galhos, o caminhar de uma descendência. Na genealogia de Adão, por exemplo, é simplificada, pois segue a mostrar apenas um dos filhos de cada personagem, provavelmente o primogênito (primeiro filho homem), que era quem recebia a liderança da família quando o pai morria. Nesse ponto, havia ainda a questão do gênero, com primazia para o filho varão.
A genealogia completa contaria com todos os entes da família. A Bíblia, geralmente, usava o personagem que tinha mais importância na história e descrevia a sua genealogia de modo a simplificar o relato e mostrar a hierarquia do poder.
Nesse ponto, a genealogia identifica a imortalidade de cada pessoa; já que a vida, pelos laços de sangue, estende-se pelos descendentes; pois desde que uma pessoa tem um filho e este outro filho, a história segue indefinidamente pelas diversas cadeias estabelecidas na esteira do tempo.
Foram criados pelo mundo os títulos de nobreza, dispensados àqueles que, de maneira ou outra, passavam a pertencer à determinada classe social. No caso do Brasil, a nobreza não era hereditária, pois os títulos eram concedidos ad-personam, e, após a morte do titular, o título voltava ao patrimônio heráldico do Império, nele permanecendo impotentia, até que surgisse outro escolhido pelo Imperador.
Assim, o termo denominado “Heráldica” nasceu no século XII e foi o berço de todas as marcas e logotipos que se derramaram pelo mundo, com diferentes símbolos; sempre com primazia para a flecha, o castelo e o leão, a denominar, rapidez, solidez e força. São os brasões familiares; dos quais muitos se orgulham, se exibem e se direcionam como escolhidos pelo mundo, com o “sangue azul” de seus avoengos. Muitos gostam pelo arranjo artístico e muitos nem ficam sabendo, no caos do mundo de hoje. Status, hoje, tem outro significado, atrelado ao financeiro, principalmente em ter um carro de marca, uma mansão para morar, dinheiro em conta no exterior, dentre outros.
Poucos, muito poucos, querem saber de onde vieram ou quem foram seus ascendentes na história, feliz ou infeliz, de quem teve a experiência nesse mundo.
E o que se denomina de linhagem, hoje nem lembrado, aparece com descendência varonil de uma família nobre, ao usar os mesmos nomes e armas. Já em genética linhagem denomina-se na biologia evolutiva como trajetória de uma espécie em gradação, continuidade. No presente, todos querem viver o hoje, com suas dissonâncias, como esfaimados gafanhotos a exaurir a vida, em desespero. Nada da pacata vivência do ontem, pois a vida exige pressa e o tempo é um tesouro a se perder.
Talvez tenha nascido, daí, a denominação de “elite”, como a existência de condições desiguais dadas aos indivíduos no desempenho de seus papéis sociais e políticos, ao fazer com que sempre e em todas as sociedades, uma minoria seja detentora do poder.
Mas, o termo de busca, insere, também, a valorização do passado e dos nomes que enobreceram a história com suas vidas, conforme elucida o pesquisador argentino Carlos Igarguren ao ressaltar: “O culto da tradição não significa estagnação nem retrocesso, esta na índole das academias, porque o tradicionalismo forma a trama desse complexo de sentimentos, evocações, recordações dos nossos antepassados, costumes, lendas e glórias comuns, que constitui uma das vibrações espirituais da pátria. Impelidos por essa força da tradição, que nos leva a olhar sempre o passado, como se presente fosse, é que rendemos homenagens aos homens e às obras que deram lustre ao pensamento.”
Desde o começo da história brasileira, a preocupação com a genealogia tem sido constante no avançar dos tempos. A mistura de raças entre portugueses, negros, índios, imigrantes, transformou a sociedade em algo misto, de grande beleza e riqueza cultural, com diversidades em regiões diferentes, com seus modismos e seus entrelaçamentos que não passaram despercebidos por esta instigante ciência histórica.
Desde o surgimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Revista dessa mesma instituição, em 1839, vários estudos da área de genealogia foram feitos e que contribuiram para o conhecimento do avançar das gerações na pátria brasileira.
Pioneiro foi o Arquivo Nobiliárquico do Barão de Schimidt Vasconcelos O Arquivo Nobiliárquico Brasileiro, na ortografia da época: Archivo Nobiliarchico Brasileiro foi um livro editado em 1918 em Lausana (Suíça), cujos autores foram os luso-brasileiros Rodolfo Smith de Vasconcelos, segundo Barão de Vasconcelos, e seu filho, Jaime Smith de Vasconcelos, terceiro barão de Vasconcelos.
O Arquivo Nobiliárquico Brasileiro foi a publicação pioneira na divulgação completa dos títulos nobiliárquicos brasileiros. Com ilustrações heráldicas por Fernando James Junod, apresentou, também, os desenhos de todos os brasões concedidos no período imperial brasileiro, e que foram devidamente registrados no Cartório da Nobreza. Esta obra foi dedicada “a sua alteza imperial o Senhor Dom Luiz de Orleans Bragança”.
Diversas outras publicações, como os anuários e revistas editados pelo Instituto Genealógico Brasileiro de São Paulo e alguns artigos escritos por Laurênio Lago para o anuário do Museu Imperial de Petrópolis, acrescentaram uma expressiva série de correções, atualizações e ampliações aos dados originais do Arquivo Nobiliárquico. Cem anos depois, em 1918, a obra foi ampliada por Sergio de Freitas.
Mais tarde, um dos mais importantes estudiosos dessa ciência foi o coronel Salvador de Moya, que nasceu em São Paulo em 1891 e faleceu em 1973. Um dos tutelares da genealogia brasileira, dedicou boa parte de sua vida a este espinhoso labor. Fundou, em 1939, o Instituto Genealógico Brasileiro e é seu presidente perpétuo. Foi responsável pelo Anuário Genealógico Latino e Anuário Genealógico Brasileiro, obras de grande valor para o seu tempo.
Anos depois, Rubens Queiroz Cobra compilou e elucidou as principais obras da genealogia no Brasil. Também a coleção sobre a genealogia paulistana, compilada por Luiz Gonzaga da Silva Leme, foi de grande valor para esta ciência. Hoje, existe a Associação Brasileira de Genealogia, o Colégio Brasileiro de Genealogia, assim como a Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia, com grandes estudos na área.
Goiás, no centro geográfico da pátria brasileira, o fundo de sertão, oco de mundo, cafundó, calcanhar do Judas, “longe de todos os lugares”, também teve e tem estudos interessantes e importantes na área de genealogia; preocupação esta, que esteve no ideário de muito de seus habitantes ainda em recuados dias do século XIX, nas anotações particulares, que, hoje, são relíquias históricas, em grande maioria, de homens e mulheres, de conhecimento e erudição, que viviam em cidades como Meia Ponte, Santa Cruz, Vila Boa, Crixás, Bonfim, Corumbá de Goiás, Niquelândia e tantas outras dos tempos mais remotos.
Um dos mais antigos documentos sobre as famílias goianas foi feito por uma mulher, Ana das Dores Fleury Curado, que nasceu em 1813, em Meia Ponte, hoje Pirenópolis, filha de João Fleury Coelho e Rosa Maria de Lima Camargo. Ela se casou aos 16 anos, em 31 de maio de 1829, com João José de Campos Curado, seu parente, e passou a residir em Corumbá de Goiás.
Nessa cidade, esta nobre dama fez um diário minucioso, com datas e acontecimentos familiares e da localidade, como rico manancial da vivência corumbaense dos anos que ali viveu. Relatou festas, nascimentos, casamentos, óbitos, dados familiares no entrelaçamento de gerações. Escreveu até 13 de março de 1877, quando faleceu. Precioso documento, traz informações sobre a genealogia familiar e da comunidade corumbaense da segunda metade do século XIX, naqueles confins de mundo.
Também, seu filho, Francisco Herculano Fleury Curado, que nasceu em 11 de agosto de 1847 em Corumbá de Goiás e ali faleceu em 20 de agosto de 1931, fez outro diário intitulado “Datas principais”, em que, por mais de setenta anos, registrou toda a vida da cidade de Corumbá, a genealogia local, familiar e os apontamentos importantes que, hoje, são valiosos subsídios para historiadores e estudiosos da alma goiana.
Ainda no século XIX em Goiás, outros dois importantes estudiosos se destacaram no estudo de genealogia, Sebastião Fleury Curado (1864-1944) e João Francisco de Oliveira Godoy (1867-1948)
João Francisco de Oliveira Godoy nasceu em 19 de setembro de 1867, filho de Claro de Godoy Moreira e Amélia Augusta de Oliveira Godoy. Fez seus estudos iniciais em sua terra, Pindamonhangaba, quando passou, depois, ao Seminário Episcopal de São Paulo e Faculdade de Direito do Largo de São Francisco na capital paulista, onde se formou em 1888.
No ano seguinte foi nomeado juiz da Comarca de Formosa da Imperatriz, na distante Província de Goyaz. Passou depois às comarcas de Morrinhos, Catalão, Pirenópolis, Cidade de Goiás. Foi Desembargador pelo Tribunal de Justiça de Goiás e seu presidente; além de chefe de polícia.
João Francisco de Oliveira Godoy também gostava de estudos genealógicos e era exímio pesquisador e colaborador com a Revista de Genealogia do Brasil, ao destacar os principais ramos familiares do Estado de Goiás. Foi casado com Tereza de Alencastro Caiado de Godoy, poeta e literata.
Ainda na Cidade de Goiás, no ano de 1881, Antonio Fleury Curado (Totó Curado 1842-1903) deixou um importante diário histórico/genealógico sobre o cotidiano da antiga capital naquele tempo; valioso documento para o futuro. Foram marcas identificatórias da sociedade e dos laços familiares daquelas eras.
Outro interessado pelos estudos genealógicos e históricos foi Sebastião Fleury Curado, nascido em 1864, na Cidade de Goiás e ali falecido em 1944, aos 80 anos de idade. Foi casado com a beletrista Augusta de Faro Fleury Curado (1865-1929). Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, foi advogado, Procurador de Justiça, professor da Faculdade de Direito de Goiás, Deputado Federal. Historiador; deixou importantes obras como Três Memórias Históricas e Memórias históricas. Deixou importante trabalho genealógico sobre a família Gaudie Ley em Goiás, escrito ainda no século XIX.
Ainda no século XIX outros dois estudiosos de diversas áreas também enveredaram pela genealogia como Henrique Silva, Moisés Santana e Joseph de Mello Álvares.
Na velha Bonfim de Goyaz, hoje Silvânia, o grande intelectual Henrique Silva (1865-1935) teve destaque por estudos e trabalhos em diversas áreas; inclusive a genealógica, além de publicar e dirigir a centenária Revista Informação Goyana, de 1917 a 1935. Seus estudos foram sobre a família de Vicente Miguel da Silva, patriarca da velha cidade, berço de tantas tradições.
Já Moisés Santana (1879-1922), combativo jornalista, escritor e historiador, também dedicou-se aos estudos genealógicos, ao publicar, em Uberaba, diversos trabalhos sobre a genealogia de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, com rico trabalho de pesquisa, que serviu a outros estudiosos da área, conforme importante biografia sobre ele, escrita pelo destacado escritor Humberto Crispim Borges (1918-2016).
Joseph de Mello Álvares (1837-1912) nasceu em Santa Luzia, hoje Luziânia e faleceu na mesma cidade. Destacou-se como autodidata, literato, pesquisador e genealogista. Deixou extensa obra histórica, mais tarde compilada pelo historiador José Dillermando Meirelles, com o título de História de Santa Luzia.
Com a virada do século XX, outros genealogistas passaram a se dedicar a estes estudos como Antonio Americano do Brasil e Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira.
Na mesma velha cidade de Bonfim de Goyaz nasceu Antonio Americano do Brasil (1892-1932), profícuo intelectual, um dos maiores de Goiás, deixou valiosa bibliografia em diferentes áreas; inclusive a genealógica, ao estudar sobre as principais famílias goianas e a contribuição das mesmas para diferentes campos da atividade humana. Além de escritor foi, também, secretário de governo, médico e Deputado Federal por Goiás.
Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira (1883-1923) nasceu na Cidade de Goiás e faleceu em Bonfim de Goyaz, hoje Silvânia; poeta e historiador, enveredou ainda pela genealogia, quando fez publicar excelente trabalho intitulado Origem e descendência de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, além de livros de versos Alvorada e Alguns versos. Foi jornalista e funcionário público.
Mais tarde, outros nomes foram surgindo no cenário dos estudos genealógicos em Goiás como Gelmires Reis, Jarbas Jayme, Agnello Arlíngton Fleury Curado, Claro Augusto de Godoy, Mariana Augusta Fleury Curado, em diferentes estudos e modalidades de atuação.
Da velha Santa Luzia, Gelmires Reis (1893-1983) foi um dedicado genealogista e historiador planaltino. Era filho de João Paulo dos Reis e Hosana Hermínia de Mendonça. Estudou em Santa Luzia e em Bonfim de Goiás. Foi conselheiro municipal, jornalista e pesquisador em Luziânia por mais de setenta anos de colaboração com a história da cidade. Professor, promotor público, deixou trabalhos jornalísticos importantes como o Almanach de Santa Luzia e a Revista Planalto. Era membro da Academia Goiana de Letras, Academia de Letras e Artes do Planalto e Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.
Na linha de pesquisa, deixou importantíssimas obras como História de Santa Luzia; Efemérides goianas, Genealogia Luziana, Almanaque de Santa Luzia; Páginas na roça, Luzianidades, além de outros. Goiás muito deve ao seu esforço em buscar as raízes do povo do planalto e região.
Jarbas Jayme (1895-1968) foi o maior nome da genealogia goiana, grande e inesquecível pesquisador!
Pirenopolino, era filho de Sizenando Gonzaga Jayme e Eugênia Goulão. Estudou em Pirenópolis e no Seminário Santa Cruz, do povoado de Ouro Fino, na Cidade de Goiás. Profundo conhecedor de História, Geografia e Sociologia de Goiás. Foi fazendeiro, funcionário público, professor, delegado de polícia. Dedicou-se, desde cedo, aos estudos genealógicos por vocação e talento.
Toda sua grandiosa obra está voltada para esta área, de abrangência extraordinária, dadas as dificuldades de pesquisa na sua época. O conjunto de sua produção assim pode ser definido: Cinco vultos meapontenses, Do passado ao presente, Anedotário meiapontense, Vale Seis, Esboço histórico de Pirenopólis, Famílias Pirenopolinas, Sumo pontífice, História das casas de Pirenopolis, além de diferentes outras produções inéditas.
Seu livro Famílias Pirenopolinas, em seis alentados volumes, foi trabalho genealógico de uma vida inteira. Nele, estão condensadas praticamente todas as famílias e troncos goianos, com diferentes vertentes por todo o Estado. De forma muito consciente, destacava os vultos e seus descendentes, ao abarcar, muitas vezes, os que eram filhos fora do matrimônio, fato imemorial, em todas as épocas e lugares; hoje, muito comum; mas que, naquele tempo, era causa de preconceitos sociais.
A mulher a que se denominava “mãe solteira” ou “moça que se perdeu” não era aceita, por infringir regras muito antigas nas fechadas e rigorosas comunidade das velhas cidades, principalmente no interior onde honra de moça se lavava com sangue. O mesmo valia para casamentos desfeitos, não aceitos. Outro termo era “mulher ausente do marido”, quando em caso em que o homem se ausentava do lar. Era estigmatizada.
Para tal, Jarbas Jayme, ao destacar esses filhos nascidos fora do casamento utilizava uma abordagem interessante: “fulana de tal não se casou, mas teve…”. Também, para os filhos de padres ou de homens casados que tinham filhos com outras mulheres, mesmo sendo casados. Depois dele, o destacado genealogista de agora, Nilson Gomes Jaime, veio coligindo outros dados que ficaram omitidos na obra de Jarbas Jayme e ao fazer justiça ainda mais, aos esquecimentos do tempo.
Todos esses fatos mostram que, mesmo ao recuar no tempo, os “pecados carnais” ou deslizes de conduta estiveram presentes, permeados entre as comunidades, sutilmente encobertos pela hipocrisia que reinava numa sociedade muito fechada, rígida; mas com suas “escapulidas e prevaricações”.
Esses e outros fatos foram motivos de desentendimentos entre Jarbas Jayme e o professor Agnello Arlington Fleury Curado, outro notável pesquisador e genealogista, quanto aos filhos naturais e a origem da família Fleury. Para retrucar, Jarbas Jayme publicou o opúsculo Vale seis, em que apresentava suas provas contra o livro Fleurys e Curados, do pesquisador corumbaense. O professor Agnello Fleury nunca o rebateu; dado seu espírito bom e pacífico, cordato e sereno, e, ao fim, foram amainadas as discórdias e serenadas as opiniões. Eles morreram com pouca diferença de anos, sem mais desentendimentos. Cumpriram eles seus deveres e descansaram em paz.
Enfim, tudo é igual; todos vão para o mesmo lugar, com terra por cima e na horizontal!
Se para o genealogista de outrora, descrever os filhos fora do casamento se revertia numa dificuldade, dados os preconceitos; hoje muito mais, quando se precisa (e precisa mesmo!) dizer, dentro da corrente da imortalidade, os casais homoafetivos, os que fizeram mudança de sexo, com nomes sociais; pois seria muita hipocrisia, “apagar” os que fogem às regras, num mundo em transformação e abertura a todos os tipos de vivência e relacionamento, escolhas e tendências.
Na história dos homens, com seus mundos, a genealogia precisa palmilhar todos os passos, que, na caminhada humana, reveste-se no livre arbítrio na busca incessante da felicidade!
A obra de Jarbas Jayme representa o que há de melhor na pesquisa genealógica goiana do passado, em que todo o seu acervo se encontra acolhido na “Sala Jarbas Jayme”, do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, sob curadoria do pesquisador Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, ou seja, eu.
O professor e linhagista Agnello Arlíngton Fleury Curado (1891-1966) nasceu em Corumbá de Goiás e dedicou-se ao magistério e à farmácia. Formou-se em Ouro Preto e foi pioneiro da primeira Escola de Pharmácia e Odontologia de Goiás. Dedicado aos estudos genealógicos desde cedo, publicou, em 1956, o livro Fleurys e Curados, com prefácio de Maria José Fleury Monteiro de Barros Duprè, autora de Éramos seis. Seu trabalho foi prosseguido após a sua morte por sua esposa Mariana Augusta Fleury Curado (1897-1986), com a continuidade do livro. Belo exemplo de casal dedicado à história e a genealogia em nosso Estado.
Seguindo a trilha deixada pelo pai, José Sizenando Jayme (1916- 1994) foi, também, notável genealogista com vasta produção. Estudou em Silvânia, formou-se em Direito, foi professor, jornalista e pesquisador. Dedicou-se em terminar e editar a obra do pai; além de sua própria produção. Deixou os livros Pirenópolis, humorismo e folclore; Família Crispim de Souza; Goiás, humorismo e folclore e Origem da família Fleury. Foi membro da Academia Goiana de Letras. Também, a irmã, Haydèe Jayme Ferreira (1926-1999) fez importantes estudos genealógicos, alguns inéditos, outros publicados em seu livro Anápolis, sua história e seu povo.
Ainda, seguindo a trilha do pai, João Francisco de Oliveira Godoy, na genealogia, Claro Augusto de Godoy (1896-1986) deixou importante contribuição nessa ciência em Goiás. Nasceu na Cidade de Goiás e se formou na área jurídica. Jornalista combativo, deputado federal, advogado no Rio de Janeiro, procurador do Estado. Deixou a obra Família Jardim e Fragmentos do passado. Também, deixou muita pesquisa inédita na área da genealogia.
Na linha do tempo foram surgindo outros importantes genealogistas como Zanoni de Goyaz Pinheiro, Jacy Siqueira, José Sêneca Lobo, Binômino da Costa Lima, Almério Barros França, Rosolinda Batista de Abreu Cordeiro, Elza Baiocchi, Lygia de Moura Rassi, Lena Castello Branco Ferreira de Freitas, Geraldo Coelho Vaz, Emílio Vieira, Mário Ribeiro Martins, Ênio Alves Vieira, Paulo de Tarso Lira Gouveia, Ubirajara Galli, Elder Camargo de Passos, Zélia Diniz Whitmer.
O escritor Jacy Siqueira (1935-2010), natural de Pires do Rio, além de obras dedicadas ao folclore, hábitos e costumes goianos, poesia e narrativas, deixou publicações de cunho genealógico como A presença sírio-libanesa em Goiás e O fundador de Santa Cruz. Também, Maria da Conceição Moraes Calaça nascida no bairro de Campinas em 1928, deixou publicação na área genealógica sobre a extinta cidade de Campinas, com o título Linhagem de família. Já Rosolinda Batista de Abreu Cordeiro, (1930-2014) deixou publicação na área da genealogia e história, sobre as antigas famílias nortenses, intitulada Arraias – suas raízes e sua gente.
O escritor bonfinense José Sêneca Lobo (1907-2006) publicou várias obras de cunho histórico sobre a cidade de Silvânia e região. Em seu livro Bonfim de Goiás – Minha terra e minha gente, o autor envereda pela genealogia, a apontar as origens e sucessões de famílias de Silvânia, Leopoldo de Bulhões e toda a região da estrada de ferro. Também, Zanoni de Goyaz Pinheiro (1926-2017) publicou em parceria com seu sobrinho, linhagista Antonio Cesar Caldas Pinheiro o livro Tronco e vergônteas: Descendentes de Manoel Luiz da Silva Caldas, com profundos estudos genealógicos sobre famílias de Itaberaí, antiga Curralinho, anteriormente estudadas, também, por Edmundo Pinheiro de Abreu (1903-1978).
Binômino da Costa Lima (Jataí 1930) em parceria com Almério Barros França publicou em 2004 o estudo genealógico intitulado Primeiros fazendeiros do sudoeste goiano e do leste de Mato-grossense: Genealogia e história, ao elucidar a importante formação daquela região goiana. Anteriormente, de forma histórica e ficcional, Basileu Toledo França (1918-2003) já havia estudado os povos da região, notadamente em seu livro Pioneiros.
Destacadas, cultas e notáveis mulheres também se dedicaram à genealogia como Elza Baiocchi (1926-2009), que publicou o livro Além da porta do meio, com importante estudo genealógico sobre os ascendentes e descendentes de Pílade Baiocchi, italiano que muito fez por Goiás e Goiânia em diferentes áreas. Também, Lena Castello Branco Ferreira de Freitas (1931), entre outras publicações na área da história, enveredou pela genealogia, ao evidenciar a contribuição da família Caiado para nosso Estado em seus dois alentados volumes de Poder e paixão: a saga dos Caiado em Goiás. Esse rico estudo tornou-se uma referência para os estudos de família em nosso Estado pela completude histórica e erudição da autora.
Outra mulher notável na área foi Lygia de Moura Rassi (1933-2005) que, depois de publicar diversos livros de poemas e estudos da área musical, enveredou pela pesquisa genealógica sobre as origens da família Rassi e o desdobramento da mesma no Estado de Goiás com o sugestivo título de Dos cedros às palmeiras: Genealogia e História, em que, a partir de pesquisa fora do país, deixou um legado valioso para se entender a imigração árabe em Goiás e a contribuição dessa família para o desenvolvimento de Goiás, notadamente na área da medicina e saúde.
O grande pesquisador e poeta Geraldo Coelho Vaz (1940) é polígrafo em sua produção. Seguiu, com segurança, pela poesia, pela crítica literária, pela biografia, pela historiografia literária e, também, pela genealogia, quando publicou o importante trabalho sobre as origens, ascendência e descendência do Senador Antonio Amaro da Silva Canedo na publicação intitulada Senador Canedo – Vida e obra.
Atualmente, com grande persistência, tem em preparo a genealogia da família Vaz e a história do antigo Vai-vem e Entre-Rios, hoje, a cidade de Ipameri. Sua destacada esposa, a artista e escritora Alcione Guimarães, também com grande talento, além da poesia, recentemente publicou uma pesquisa biográfica/genealógica sobre seu avô, com o título de Reflexões e pesquisas de Alcione Guimarães sobre Honestino Guimarães, uma obra singular.
Ainda Emílio Vieira (1944), destacado pesquisador e poeta, também enveredou pela genealogia nas publicações acerca das famílias da antiga cidade de Posse, neste Estado, intitulado A saga de posse e álbum de famílias, com estudos genealógicos importantes que elucidam aquela região de antigas tradições. Mário Ribeiro Martins (1943-2016), além de dicionarista e pesquisador, também seguiu pela genealogia ao publicar as origens e desdobramentos de sua família na Bahia e na passagem para Goiás.
Ênio Alves Vieira (1943), também se destacou na área da genealogia em Goiás com a publicação do livro Fazenda duas barras, em que evoca a tradição familiar da família Bueno, desde São Paulo até a descoberta de nosso Estado como o Anhanguera. Nessa mesma linha, o poeta e pesquisador reconhecido, o piresino Ubirajara Galli (1958), publicou o livro Os anhangueras em Goiás e outras histórias de família, ao buscar elucidar a genealogia da família de Bartolomeu Bueno da Silva. Sua pesquisa não só nesse livro tem sido, atualmente, muito valiosa para a galeria histórica de nosso Estado.
Ainda Zélia Diniz Whitmer publicou em 2007 o livro genealógico Raízes de família, em que evoca os ascendentes e descendentes da família Netto Carneiro, Leão, Montandon, e Silva Ribeiro, de Catalão. Também, Paulo de Tarso Lira Gouveia publicou em 2014 o belíssimo volume de Caçador de Lobos – A saga da Família Souza Lobo de Goiás e do Brasil pelos séculos, em que evoca a descendência de importante geração das cidades de Silvânia, Santa Cruz, Formosa, Cristalina, Ouvidor e muitas outras, na longa linhagem desses Lobos do planalto.
Elder Camargo de Passos (1941) além de livros sobre a história de Goiás, folclore da Cidade de Goiás publicou o belo volume Veiga Valle, em 1997, em que destaca a genealogia do grande santeiro goiano em suas diversas gerações, com o talento e a honradez de que são possuidores. Ainda Mário Castro (1949), publicou o livro Realidade pioneira, em 1986, em que evoca a genealogia de famílias da região de Planaltina de Goiás e Cristalina. Dessa última cidade, também, o talentoso pesquisador Luiz Alberto de Queiroz (1952), deixou estudos genealógicos na obra intitulada Cristalina minha terra, em 1983.
Atualmente, dedicam-se à genealogia, em Goiás, diferentes e lúcidos pesquisadores como Nilson Gomes Jaime, Antonio César Caldas Pinheiro, Ramir Curado, Vítor Aguiar Jardim de Amorim, Eliomar Pires Martins, Osmar Pires Martins Junior, Clélia Aparecida Urias Rodrigues, Maria Dulce Loyola Teixeira, Yuri Baiocchi, Cidinha Coutinho, além de outros.
Nilson Gomes Jaime é sem dúvida, no presente, a maior expressão no tocante à pesquisa genealógica. Em 2016 publicou o alentado volume de Família Jaime Jayme, com 1146 páginas, fruto de uma pesquisa valiosa, intensa e produtiva sobre os descendentes de João Gonzaga Jaime de Sá (Vô Jaime) dessa imensa família espalhada por Goiás e pelo Brasil. Seu rico material, com centenas e centenas de pessoas, mostra a dimensão da vida e seus alongamentos em diferentes gerações que perpetuam a história nascida na velha vila de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte, nos idos dos setecentos.
Também, Antonio César Caldas Pinheiro (1967) é outro admirável nome da genealogia em Goiás, com a publicação de Tronco e vergônteas, em parceria com seu tio, Zanoni de Goyaz Pinheiro e diferentes outros trabalhos em revistas científicas, mostra-se atuante e lúcido na pesquisa de nossas raízes históricas.
Também, o jovem pesquisador Vitor Aguiar Jardim de Amorim publicou o livro Pelo sangue: a genealogia do poder em Goiás, em que destaca sobre os entrelaçamentos familiares no poder oligárquico em nosso Estado. Ramir Curado (1960), de Corumbá de Goiás, possui diversas pesquisas na área; assim como os pesquisadores Eliomar Pires, Osmar Pires e Clélia Urias publicaram Família Pires: História e árvore genealógica de Manuel Pires Moraes, sobre as origens dessa família no interior de Goiás. Interessados pesquisadores da área, Yuri Baiocchi, Maria Dulce Loyola Teixeira e Cidinha Coutinho, enveredam também pelas pesquisas dessa instigante ciência.
E assim a vida segue, na eternidade das horas, até que passe nossa geração que é ponte entre a que foi e a que virá. Lembrando o magistral Jávier Godinho (1926), no prefácio do livro de Zanoni e Antonio César Caldas, “infeliz daquele que perdeu a esperança na pátria e na família. Se havia na vida do Filho do Homem um exílio e uma solidão, havia, também, uma pátria e uma família!”.
Que Jesus Cristo abençoe a caminhada milenar da família sobre a terra e nos mundos espirituais!
(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, graduado em Letras e Linguística pela UFG, especialista em Literatura pela UFG. Mestre em Literatura pela UFG, mestre em Geografia pela UFG. Doutor em Geografia pela UFG, pós-doutorando em Geografia pela USP, professor, poeta. bentofleury@hotmail.com)