Opinião

As redes ou muros de nossas vaidades

Redação DM

Publicado em 15 de setembro de 2018 às 22:23 | Atualizado há 7 anos

De re­pen­te, quan­do za­pe­a­va por al­gu­mas re­des so­ci­ais, das qua­is mui­tos mal­di­zem re­pre­sen­tar a ban­da mal­quis­ta e re­bar­ba­ti­va de nos­sa co­mu­ni­da­de hu­ma­na, lem­brei-me de um  sen­ti­men­to mui­to an­ti­go, da ida­de do ho­mem. Sen­ti­men­to mui­to em vo­ga que é a vai­da­de.

Fa­lar ne­la, me­lhor e mais com­pre­en­sí­vel se­rá bus­can­do a sua eti­mo­lo­gia. ”Va­ni­tas va­ni­ta­tis”. Cu­jo sig­ni­fi­ca­do ob­je­ti­vo é va­cu­i­da­de (qua­li­da­de do va­zio e do vá­cuo).

Tan­to mais efi­caz ain­da quan­do re­vi­si­ta­mos o li­vro de Ecle­sias­tes, no ca­pi­tu­lo XII-8 que ex­pres­sa so­bre a pe­que­nez das coi­sas nes­te mun­do. “Va­ni­tas va­ni­ta­tum et om­nia va­ni­tas”, que tra­du­zin­do quer di­zer vai­da­de das vai­da­des e tu­do é vai­da­de.

Re­por­tan­do à Bí­blia, tan­to nas tra­du­ções da vul­ga­ta quan­to o con­ti­do na sep­tu­a­gin­ta, te­mos as re­fe­rên­cia ao lú­ci­fer (do la­tim, lux fe­ro). O por­ta­dor ou con­du­tor da luz, co­mo nos en­si­nam es­sas tra­du­ções das es­cri­tu­ras sa­gra­das (vul­ga­ta e sep­tu­a­gin­ta). Lú­ci­fer  era mem­bro da le­gi­ão dos ar­can­jos ou que­ru­bins. Ele, co­mo se diz no vul­go con­si­de­ra­va-se o ca­ra, o me­lhor an­jo, o má­xi­mo, o me­lhor, o sal do céu.

Não deu nou­tra con­se­quên­cia, o Se­nhor, con­tra­ri­a­do, o ex­pul­sou do céu, se tor­nan­do en­tão o an­jo de­ca­í­do. Co­mo re­ve­la­do  no  Apo­ca­lip­se, lú­ci­fer era tão vai­do­so que se con­si­de­ra­va o mais be­lo dos que­ru­bins. Só po­de­ria dar no que deu , foi ter to­da a vai­da­de no in­fer­no, no sub­ter­râ­neo dos mun­dos. In­fer­no ( de ín­fe­ro, in­fe­ri­or).

Fa­lan­do ain­da de lú­ci­fer quan­do ain­da no céu.  Pi­or do que is­so ele co­me­çou a se ri­va­li­zar com Deus. Um ri­val de Deus,  o Cri­a­dor, se con­si­de­ran­do de po­de­res igual­men­te di­vi­nos. Con­ta-se que hou­ve até uma lu­ta ti­tâ­ni­ca en­tre lú­ci­fer e o ar­can­jo Mi­guel. Con­clu­são, seu or­gu­lho e er­ro da vai­da­de o le­va­ram a ex­pul­são do pa­ra­í­so. Daí ter se tor­na­do em an­jo de­ca­í­do, ar­rui­na­do e de­cré­pi­to, do mal. Ali­ás, bas­ta ver o quan­to de ape­li­do o an­jo mau con­se­guiu. Mui­tos es­tão di­ci­o­na­ri­za­dos. E ele vai ga­nhan­do ou­tros epí­te­tos , na­da vir­tu­o­sos.

Por­tan­to o que es­tá se des­cre­ven­do até aqui é so­bre os pri­mór­di­os da vai­da­de. Mui­tos são os exem­plos his­tó­ri­cos, mís­ti­cos e mí­ti­cos da vai­da­de.

Na mi­to­lo­gia gre­ga é em­ble­má­ti­ca a len­da de Nar­ci­so com sua be­le­za e au­to­ad­mi­ra­ção des­lum­bran­tes. Sem fa­lar em Ado­nis e Apo­lo. Es­te co­mo um deus do olim­po e sím­bo­lo da be­le­za, per­fei­ção e har­mo­nia. Ser apo­lí­neo é is­to, se exi­bir tão be­lo e ga­lã, que o ca­ra se acha o sal da be­le­za, o tem­pe­ro da vai­da­de. Va­le tam­bém pa­ra a mu­lher, não im­por­ta .

Na se­a­ra his­tó­ri­ca e re­li­gi­o­sa, um per­so­na­gem sím­bo­lo da re­la­ção com o or­gu­lho ou vai­da­de foi San­to An­tão 251-356 d.c.  Mor­reu  com  105 anos. Ele foi um mon­ge nas­ci­do e fa­le­ci­do em te­ba­i­da, Egi­to. Pe­lo que con­ta os bi­ó­gra­fos e se­gui­do­res, foi ele o sím­bo­lo da vi­da as­cé­ti­ca, um ere­mi­ta ou ana­co­re­ta de 1º gran­de­za e ins­pi­ra­dor a to­dos que se­gui­ram e se­guem em sua or­dem.

Seu prin­ci­pal  bi­ó­gra­fo foi San­to Ata­ná­sio de Ale­xan­dria (296-373 d.c). É des­cri­to que San­to An­tão em sua jor­na­da de ab­so­lu­ta re­nun­cia às coi­sas e pra­ze­res ter­re­nos vi­via a só em ple­no con­ví­vio e vín­cu­lo com a na­tu­re­za, em ple­no de­ser­to. E pa­ra pro­vá-lo o di­a­bo pas­sou a in­fli­gir-lhe vá­ri­as ten­ta­ções com os pra­ze­res car­nais. E ele de for­ma se­re­na, sem­pre ir­re­du­tí­vel, fi­el e le­al ao se­nhor.

Va­mos ima­gi­nar a si­tu­a­ção de um ba­nho no de­ser­to: a água é es­cas­sa e mal dá pa­ra al­gum pa­no ou to­a­lha úmi­da pa­ra amai­nar o ca­lor. De sú­bi­to lhe apa­re­cia uma pis­ci­na de águas lím­pi­das com pé­ta­las de ro­sa e uma mu­lher de bi­quí­ni a con­vi­dá-lo pa­ra aque­le re­fres­can­te  ba­nho. Ele se quer, em men­te, acei­ta­va tal sus­pei­to con­vi­te.

Ou­tras ce­nas ten­ta­do­ras, a ofer­ta pe­lo sa­ta­nás dos ace­pi­pes e man­ja­res sun­tu­o­sos, as be­bi­das mais ca­pi­to­sas e odo­rí­fi­cas, e An­tão im­per­tur­bá­vel com tais do­na­ti­vos. Há até um re­la­to de que mui­tas fo­ram as oca­si­ões em que ele ve­ne­ran­do o cru­ci­fi­xo, apa­re­ci­am-lhe as vi­sões de lin­das don­ze­las, em sua ple­ni­tu­de de be­le­za e sen­su­a­li­da­de. E as­sim foi até que pres­tes a mor­rer, lú­ci­fer, o di­a­bo, se deu por ven­ci­do por um hu­ma­no. En­tão San­to An­tão em sua ago­nia de mor­te ex­cla­mou, ago­ra, sim, ago­ra sou san­to.

Acre­di­ta-se que es­se ges­to foi um es­ca­pe de vai­da­de. E o di­a­bo sor­riu. E os acer­tos fi­ca­ram pa­ra o Ar­ma­ge­don, o Ju­í­zo Fi­nal.

As­sim co­mo no pre­fá­cio fa­ço meu epí­lo­go com as tão ubí­quas e po­pu­la­res re­des so­ci­ais. Ho­je, es­ta for­ma tão mas­si­va de co­mu­ni­ca­ção se tor­nou uma es­pé­cie de mu­ro das vai­da­des. A in­ter­net e to­das as mo­da­li­da­des de mí­di­as.

Mí­dia, vem do in­glês mass mí­dia, ou mei­os de co­mu­ni­ca­ção em mas­sa. To­das elas, co­mo fa­ce­bo­ok, twi­ter, what­sapp se tor­na­ram uma das mais li­vres e de­mo­crá­ti­cas for­mas de ex­pres­são, li­vre opi­ni­ão e li­vre im­pren­sa. Fos­se ho­je vi­vo e re­es­cre­ves­se sua obra, o Dis­cur­so do Mé­to­do, Re­né Des­car­tes mu­da­ria seu prin­cí­pio: pen­so lo­go exis­to, não . Ele cer­ta­men­te cra­va­ria,  sou vis­to lo­go exis­to.

Cer­ca de 90% das pos­ta­gens (posts) das re­des so­ci­ais são ex­pres­sões de pu­ra vai­da­de. Os exem­plos mais usei­ros e ve­zei­ros são: oi, eu acor­dei, eu che­guei, eu es­tou aqui na praia, na ci­da­de tal, no res­tau­ran­te tal, no bar tal, co­men­do tal co­mi­da. Tra­du­zin­do, eu es­tou aqui no bem bom e vo­cê nes­sa mes­ma ro­ti­na e pas­ma­cei­ra. Es­tou ven­den­do sa­ú­de, pra­zer e fe­li­ci­da­de. Ve­nha co­mi­go, nes­sa jor­na­da.

Eu es­tou aqui na cia de si­cra­no, ven­den­do pra­zer e ale­gria. E vo­cê aí na mes­ma de­prê.

En­fim e ao ter­mo, as re­des so­ci­ais de  ho­je são os es­pe­lhos de nos­sas vai­da­des, vi­si­bi­li­da­de e au­to­e­lo­gios por elas e eles mes­mos. Vai­da­de. To­dos no mes­mo vá­cuo. Va­ni­tas va­ni­ta­tus va­ni­tas est – Vai­da­de( quer di­zer, va­cu­i­da­de) das vai­da­des e tu­do é vai­da­de. Tu­do con­ver­gin­do pa­ra o va­zio, o inú­til e in­sig­ni­fi­can­te. É o ho­mem ou a mu­lher na bus­ca de al­gum sig­ni­fi­ca­do, e ca­in­do na mes­ma ca­ga­ni­fi­cân­cia

 

(Jo­ão Jo­a­quim, mé­di­co, ar­ti­cu­lis­ta DM. fa­ce­bo­ok/ jo­ão jo­a­quim de oli­vei­ra  www.drjo­ao­jo­a­quim.blog­spot.com – What­sApp (62)98224-8810)


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