As redes sociais, a comunicação virtual e a escrita formal de nossos jovens
Diário da Manhã
Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 02:18 | Atualizado há 7 anosQuando me aposentei como professora na área de letras e literatura, antes da febre da internet, as modalidades linguísticas, ou níveis e tipos de linguagem, expressos através da língua ou código, com divergência entre os autores, eram: popular, vulgar, agramatical ou inculta; giriática, própria de uma “tribo”, grupo ou profissão; coloquial, informal ou cotidiana; culta, gramatical, formal, padrão ou oficial; técnica e científica, com terminologia específica para cada área do conhecimento; literária, subjetiva, conotativa ou figurada; diretiva, da propaganda (ideológica) e da publicidade (de consumo); regional, própria de cada região do país.
Hoje, se ainda estivesse ativa na profissão, deveria acrescentar mais uma modalidade linguística: a virtual, das redes sociais, de escrita rápida para leitura instantânea. A linguagem é o espelho de um povo, de uma sociedade e de uma época. É dinâmica, está em constante mudança, acompanhando os acontecimentos. Além de depender de vários fatores: do contexto, situação ou ambiente em que o falante ou “escrevente” se encontra; da condição social e do acesso à informação; da idade, os valores dos jovens diferem dos valores dos mais velhos; do nível de escolaridade e, finalmente, da região geográfica de onde provém a mensagem.
Penso que a linguagem virtual é uma modalidade de comunicação que não deve ser execrada. Só não devemos usá-la em situações ou contextos inadequados e que dificultem o entendimento amplo do texto, por causa do “internetês”. Mas, para usar adequadamente aqueles tipos de linguagem expressos na abertura desse artigo, é preciso conhecer bem a língua do país em que eles se inserem. Falar com amigos digitalmente é diferente de produzir textos escolares, literários, relatórios técnicos, administrativos, artigos científicos e outros. As situações das mensagens mudam, os objetivos mudam e as formas do discurso também devem mudar. Por isso, a linguagem virtual não pode ser escrita e compreendida sem o domínio da língua formal ou padrão.
Por outro lado, quem tem o hábito de leitura desde criança, praticamente não sofre in- fluência das redes sociais na sua linguagem formal ou culta. Essa pessoa também não aceita alienação e bagagem rasa de conhecimento. Luta pela capacidade de opinião e questionamento da realidade que a cerca. Isso decorre de opções anteriores. Questão de escolha no “cardápio” dos assuntos oferecidos. Essa internet que fomenta redes sociais (acusada de levar o jovem a uma escrita precária) é a mesma que traz conhecimentos complexos capazes de melhorar nossa reflexão, argumentação e intelectualidade, respeitando a linguagem padrão. Porque não agride a norma culta, ao criar novo código, como o faz a escrita virtual, nos fartos exemplos que se seguem: abreviaturas arbitrárias, erros gráficos ou gramaticais inimagináveis, falta de acentos, começo de frases e nomes próprios com letra minúscula, aglutinações estranhas (peraí), símbolos também estranhos (D+, Og), gritos em maiúsculas, insuficiência verbal – frases curtas, vocabulário reduzido, repetição de palavras –, mistura de duas línguas ou um novo estrangeirismo (okey), “emotions”. Paremos por aqui. Deixemos que as “netiquetas” (net=rede + etiqueta=bons modos) cuidem das regras que norteiam o uso correto e respeitoso da internet e que zelam da imagem dos envolvidos nesse aspecto da comunicação virtual.
E darão muito trabalho para o cumprimento dessas regras os adeptos do dialeto “miguxês” (arcaico, moderno ou neomiguxês). Termo esse provindo de amiga, passando por amiguxa e miguxa muito usado (hoje quase em desuso) entre os pré-adolescentes para recados em comunicação afetiva, de linguagem infantilizada. Nesse novo código é possível trocarem-se s e c por x (vuxeix=vocês); o acento agudo por h (serah); c por k, e o por u (keru).
O problema maior é que a internet é fascinante. As crianças aprendem a andar e falar, ao mesmo tempo em que são alfabetizadas pelo computador. Praticamente já nascem acessando. É o novo brinquedo infantil. O lado negativo é que os desvios linguísticos mencionados ficam na memória visual do futuro adolescente e adulto. E difíceis de serem “deletados”.
Aqui entra a tarefa árdua dos professores de Língua Portuguesa: insistir no tema “modalidades da língua”, pois os jovens passam por transformações sociais, psicológicas e linguísticas. E há um “letramento” virtual que vem da infância. Por isso precisam diversificar a leitura, conhecer obras consagradas, ler bons jornais e revistas. Como já disse: esse “cardápio” está também na internet. Não há como argumentar sobre dificuldade de aquisição, pobreza, essas coisas. Talvez o maior obstáculo seja encarar um texto extenso e compreendê-lo, uma vez que as redes sociais primam pelo visual e por textos curtos, para um raciocínio limitado.
As modalidades linguísticas são como nossas vestimentas, nossos trajes. Quem sabe se vestir adequadamente não vai a uma solenidade religiosa, a uma ópera no Municipal, ou visitar a rainha, de bermuda esfiapada e mascando chiclete. A não ser que queira agredir, chamar a atenção pela esquisitice. Também não irá à natação, à academia esportiva, à balada, ou ao estádio de futebol em traje-rigor. Assim, a linguagem deve vestir nossas ideias, conforme o ambiente ou contexto em que ela se insere: Jovens conversam à vontade na sua “tribo”, mas, se chega uma adolescente de outra “casta”, ou um senhor de (mais) idade, o nível do bate-papo deve ser alterado, adaptado, em nome da boa educação e do bom senso.
Diante do exposto, afirmaria que problemas ortográficos, gramaticais, ou de deficiência redacional não vêm apenas da internet, mas também da alfabetização e do ensino precário. Basta que observemos panfletos, anúncios, propagandas e cartazes de rua. E ainda o que diz gente importante da mídia falada ou escrita. Até me arriscaria em dizer que a internet, as redes sociais refletem a qualidade do ensino no Brasil. E não o contrário: que elas sejam as responsáveis pela má escrita, pelo desconhecimento quase total das regras de produção de um texto aceitável e adequado ao contexto.
O que pensa você, leitor?
(Ercília Macedo-Eckel, escritora, membro da Aflag e sócia da UBE-GO)