Avanços tecnológicos e o desafio do emprego digno
Diário da Manhã
Publicado em 3 de setembro de 2018 às 23:49 | Atualizado há 7 anos
Quem visita os shoppings brasileiros sabe que, em muitos deles, já existe a opção de pagar pelo estacionamento em um sistema automatizado, sem atendente. Recentemente, alguns supermercados começaram a testar caixas de pagamento para as compras no mesmo modelo. Nos serviços de telemarketing, uma gravação telefônica já substitui o atendente em muitos menus. Em todas as áreas, a inovação e a tecnologia vem gerando mudanças drásticas na produção, no fornecimento de serviços e, sobretudo, no mercado de trabalho.
O uso da tecnologia na produção veio para ficar, é inegável, e não há como e nem porquê combater o seu avanço. Por outro lado, é cada vez mais urgente discutir como essas mudanças impactam o emprego, a renda e a dignidade dos trabalhadores. Só no Brasil, até 2030, cerca de 16 milhões de trabalhadores serão afetados pela automação, segundo estimativa recente da consultoria McKinsey. Um dos maiores desafios da atualidade é discutir como reinserir essas pessoas no mercado, garantir a sua dignidade, e fazer com que a tecnologia seja nossa parceira para uma vida com mais qualidade e conforto, e não nossa inimiga.
Essa foi uma das discussões que levantamos recentemente, na Argentina, durante encontro do C-20, com organizações da Sociedade Civil de todo o mundo, onde pude mediar um debate sobre o futuro da educação e do emprego para a sociedade digital. É difícil chegar a uma conclusão definitiva sobre um assunto tão complexo e dinâmico, com mudanças e inovações a cada momento. Há dez anos, por exemplo, não existia o aplicativo de viagens Uber. Hoje, segundo o site oficial do aplicativo, são mais de 20 milhões de usuários só no Brasil, onde ele chegou em 2014. No entanto, apesar de não haver uma receita pronta de como solucionar essa equação, há algumas pistas dos caminhos que podemos seguir.
Uma delas, sem dúvida, é investir em qualificação, sobretudo da juventude. A tecnologia é responsável por eliminar muitos empregos, sobretudo os de baixa qualificação, mas também pode criar muitos. O Uber é hoje uma das provas disso. Décadas atrás não existiam dezenas de profissões que hoje fazem a cabeça dos jovens, como programadores de jogos, e até youtubers.
Além de qualificar os trabalhadores, penso ser fundamental que também haja um compromisso de diferentes entes, do poder público às empresas e sociedade organizada, para que essas transições sejam menos traumáticas. Isso envolve desde esforços para inserção das pessoas no mercado de trabalho até regulações do poder público, quando for o caso, principalmente no que se refere aos direitos dos trabalhadores.
Outra questão fundamental é assegurar a democratização da tecnologia e do acesso à internet, principalmente para as populações de menor renda, que quase sempre são as mais afetadas pelas mudanças tecnológicas. Quem está inserido nos processos digitais tem mais facilidade de se adaptar a essas mudanças.
Por fim, o mais importante é percebermos que a tecnologia é fundamental para a nossa sociedade, e tem nos auxiliado a viver com mais conforto e bem estar, tem facilitado o nosso acesso ao conhecimento produzido em todo o mundo, melhorado a educação e os tratamentos de saúde, além de propiciar a melhoria da produtividade. É por isso que desejamos avanços tecnológicos, desde sempre. Para que a sociedade viva cada vez melhor, e não o contrário. Esse é um ponto inegociável.
(Valdinei Valério, líder da Rede Pró-Aprendiz, diretor do Iphac, coordenador internacional do C20 para o G20 e mestre em ciências sociais)