Balcão de negócios no Supremo e no STJ e a os advogados que negociam liminares
Redação DM
Publicado em 9 de novembro de 2016 às 01:40 | Atualizado há 5 mesesÉ estarrecedor constatar que o nosso Brasil, na questão da Justiça, está igual a um barco sem remador e sem remo descendo numa corredeira cheia de abrolhos.
Estourou como bomba a denúncia do prefeito afastado de Ferraz de Vasconcelos-RJ, Acir Filló (PSDB), que, com calma e muita prudência, debulhou um rosário de queixas em vídeo que viralizou nas redes sociais, deixando bastante claro que só confia na Justiça de primeiro grau. Eu também.
Acir Filló, contra quem corria uma ação de improbidade administrativa, foi afastado do cargo no princípio de dezembro de 2015, a pedido do Ministério Público. Até aí, tudo bem, tudo normal num país em que cumprir a lei é que é exceção, e ele não era o primeiro, pois dezenas de prefeitos também foram afastados. Mas o caso do inconformado alcaide tinha um senão, que merece uma explicação.
Ele, como é natural, recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou o recurso e manteve a decisão do primeiro grau. O próximo passo seria o STJ, onde tentaria derrubar, por uma liminar, a confirmação do tribunal carioca.
Mal o recurso foi distribuído ao presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, em 23/02/2016, o prefeito foi assediado por um dos advogados, que disse poder negociar liminares nos gabinetes do então presidente do STJ, Francisco Falcão, e do então presidente do STF, Ricardo Lewandowski. O advogado teria cobrado, inicialmente, R$ 800 mil para reverter o afastamento de Filló da prefeitura de Ferraz de Vasconcelos. O valor, disse o advogado, “seria dividido entre Djaci Falcão e outras pessoas da área técnica do STJ”.
Mas o prefeito afastado, ainda crente que existia justiça neste país, recusou-se a desembolsar o que pediram os advogados mafiosos. Os autos permaneceram na mesa do ministro Falcão até 29/03/2016, quando foi indeferida a liminar, mantendo-o afastado.
Abro um parêntese: Francisco Falcão é do fatídico “quinto”, que entrou no Tribunal Regional Federal de Pernambuco unicamente pelo fato de ser filho do ex-ministro do STF, Djaci Falcão, onde chegou à presidência, que exerceu com “mão-de-ferro”, apesar de ter sido, um “advogado obscuro”, que não publicou um só artigo, e ter apresentado um patrimônio justificado pelas licitações viciadas, apresentou-se como candidato a uma vaga de ministro do STJ em 1999, apesar de grande resistência, a ponto de quase ter sido reprovado na folclórica sabatina do Senado, que nunca reprovou ninguém. Seu filho, o advogado “Falcãozinho” ou “Didi Falcão” vivia achacando até juízes para obter vantagens, e quando não as obtinha, dava o troco: foi ele o responsável pelo afastamento de Ari Queiroz, que não se curvou a suas exigências. E “Falcãozinho”, com certeza, integra essa máfia.
Voltemos ao prefeito de Ferraz de Vasconcelos.
O prefeito, vendo baldados seus esforços junto ao STJ, ingressou no Supremo com o pedido de Suspensão de Liminar 1.001 foi protocolado no dia 10 de junho deste ano, distribuída para o presidente, Ricardo Lewandowski, por ser de sua competência tais processos.
Mal o processo foi encaminhado à presidência do STF, a máfia voltou a assediá-lo com a mesma conversa. Mas o ex-prefeito confiava na vitória – e com razão – porque Lewandowski havia concedido diversas liminares para que prefeitos afastados voltassem ao cargo, inclusive houve quem se achasse atrás das grades e saiu da cadeia diretamente para sentar-se na sua cadeira de prefeito, e a razão de seu afastamento era de menor gravidade. “Imediatamente após meu recurso chegar ao Supremo Tribunal Federal, eu comecei a receber várias ligações de mais advogados de Goiás e de Brasília que ‘adivinharam’ que eu havia recorrido ao STF” – disse.
“Esses advogados apresentam várias propostas para ‘resolver’ meu recurso para que o STF aceitasse a liminar e me devolvesse ao cargo. Afirmavam ter trânsito no tribunal e teriam contato e ‘esquema’ com as verdadeiras pessoas que decidiam questões como a minha, pois segundo eles, o ministro Lewandowski apenas assinava as decisões sem ao menos lê-las, por confiança em sua assessoria e equipe”, escreveu na denúncia.
Os cinco ou seis advogados teriam pedido a Filló valores que variaram de R$ 1,8 milhão a R$ 2 milhões. Entretanto, como já havia contratado um advogado para recorrer ao STJ, Acir Filló pediu a este mesmo defensor que recorresse ao Supremo. “E para minha surpresa, ele [o defensor] me chamou em Brasília e foi categórico, afirmando e propondo: ‘Lá tem que fazer acerto. São várias pessoas lá dentro. Eu tenho contato com um ex-desembargador que coordena isso e eu mesmo tenho trânsito junto à assessoria do ministro Lewandowski e de outros ministros”, acrescentou.
Acir Filló protocolou uma representação no Conselho Nacional de Justiça e na Polícia Federal no dia 19 de outubro, no CNJ; afirmando que os advogados disseram que poderiam negociar liminares nos gabinetes do então presidente STJ, Francisco Falcão, e do então presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Mas ressalta na denúncia que, em nenhum momento, falou-se do envolvimento dos magistrados na suposta negociata. Filló relatou, na denúncia por escrito, que foi procurado por um advogado que disse “ter os contatos necessários dentro do STJ” para que obtivesse uma decisão favorável do então presidente do tribunal, ministro Francisco Falcão. Um desses contatos, disse o prefeito afastado, era o filho do ministro Falcão, Djaci Alves Falcão Neto, o “Didi”, ou “Falcãozinho”.
A denúncia, registrada também na Polícia Federal, foi feita depois que rejeitados no STJ e no STF os pedidos que ele fez para retornar ao cargo. No documento, não junta provas do que denuncia e não cita nomes dos advogados que o teriam procurado, mas ele disse que revelará os detalhes se chamado a depor à Polícia Federal, incluindo o nome dos advogados, gravações das conversas telefônicas e registros de diálogos no “whatsapp”.
O ministro Lewandoswski informou, por meio de sua assessoria, que “as acusações revelam apenas o inconformismo da parte com uma decisão que lhe foi desfavorável e as medidas judiciais cabíveis serão adotadas para evitar e reparar esta prática caluniosa, que atinge servidores do Supremo Tribunal Federa.” Por sua vez, o ministro Francisco Falcão disse que não comentaria o caso. Seu filho, o advogado Djaci Falcão, afirmou: “Não conheço as pessoas citadas, não advoguei com elas ou para elas. E analisarei as providenciais judicias cabíveis relacionadas a esse caso.” No caso de Ari Queiroz, “”Falcãozinho” também não era advogado da parte.
Por meio da assessoria do tribunal, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, informou que a denúncia tramita no CNJ sob sigilo e que só adotará as providências cabíveis depois que o caso for analisado pela Corregedoria Nacional de Justiça.
O corregedor, ministro João Otávio de Noronha, informou que, assim que receber a denúncia, vai apurar os fatos, que, pelo visto, deve estar campeando em todas as Cortes de Brasília. Se chegar aos tribunais estaduais, muita coisa vai aparecer. O recente caso do Ceará é sintomático.
Mas, com o histórico de também ter um filho, Otávio Henrique Menezes de Noronha, agindo da mesma forma de “Didi Falcão”, fazendo o “meio de campo”, não se pode esperar que seja apurado esse absurdo.
Mas o Ministério Público e a Polícia Federal agora têm um prato cheio para degustar. É só agir, pois não investigam se não quiserem: o prefeito disse que vai dar “nomes aos bois”, logo que for chamado a depor.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])