Opinião

Bazar Paulistinha setentão

Diário da Manhã

Publicado em 29 de julho de 2016 às 02:03 | Atualizado há 9 anos

No dia 24 de julho de 1945 comemoramos os meus 22 anos de nascimento e no dia seguinte abrimos, na Avenida 24 de Outubro, 139, em Campinas, as quatro portas do novo estabelecimento comercial Bazar Paulistinha, que acaba de completar 71 anos.  Talvez seja o estabelecimento mais antigo de Goiânia nas mãos da mesma família. Hoje o Bazar, com várias filiais, está em nome dos meus três filhos, Luiz Antônio, José Carlos e Cláudio.

Quando a matriz ficava no bairro de Campinas, mantivemos filiais em Goiânia, Anápolis, Brasília, Uberlândia, sub-filial em Araguari e escritório de compras em São Paulo.

Na filial de Uberlândia eu dava assistência, às vezes indo de motocicleta, uma enorme Royal Enfield, levando o meu funcionário consertador de vitrolas e pau para toda obra, Douglacy. Uma hora eu pilotando, outra hora na garupa. Naquele tempo não havia asfalto e perto de Avatinguara, em Minas, era um areião difícil de trafegar com veículo de duas rodas.

Nas décadas de 1950 e início de 1960, ia a São Paulo fazer compras viajando de trem de ferro, vagão de passageiros de segunda classe, banco duro de madeira.

Em 1944 aconteceram duas coisas importantes na minha vida: fui campeão pelo Atlético Clube Goianiense e campeão pelo Liceu de Goiânia, em 24 de Outubro, na corrida de revezamento, disputando com o Ateneu Dom Bosco, a Escola Técnica Federal e a Polícia Militar. Como meio-alfaiate e costureiro, confeccionei as faixas de Campeão do Atlético, por $ 200 e recebi do Liceu outros $ 200. Com este dinheiro fui a São Paulo e fiquei na casa dos parentes da minha mãe, os Bolognesi. Quando eu já estava para vir embora a minha mãe me mandou $ 500. Resolvi fazer compras com esse dinheiro para o atelier de costura dela. Comprei materiais, aviamentos para costureiras, nascendo, aí, a idéia de fundar uma loja e, assim nasceu o Bazar Paulistinha.

O meu primo Dino Bolognesi me levou à Rua 25 de Março, que era lá o principal atacado no gênero. Quando eu vi numa loja um saco de recheamento de ombreiras e com uma tabuleta com o preço de 7,50, disse ao primo que não tinha condições, pois adquiria ombreiras na alfaiataria do seu Antônio Nobre, de Goiânia, a 5,00. Ele disse que era impossível, pois as fábricas são de São Paulo! Já vínhamos embora, quando ele parou e perguntou:

– Mas, espera aí, 5,00 o preço de uma?

– É.

– Mas aqui 7,50 é o preço de uma dúzia!…

Aí voltamos e comecei as compras. Iniciei com as ombreiras e os colchetes marca Leão, 555, que aqui, aliás, em Uberlândia, custavam 3,00 a dúzia e lá era 4,50 a grosa, 12 dúzias. E por aí fui comprando enquanto o dinheiro deu.

Quando chegamos em sua casa, na Parada Inglesa, e mostrei ao outro primo, que tinha loja, o Pino, os preços, ele me propôs a começar uma lojinha em Goiânia. Eu disse que não tinha dinheiro, somente a prática, pois trabalhei nas Casas Pernambucanas. Aí ele vendeu um lote na Paulicéia por $ 20.000 e entregou 10.000 ao irmão Dino, para que ele fizesse as compras. Vim para Goiânia, aluguei uma sala ao lado do atelier da minha mãe, à Avenida 24 de Outubro, 133, no bairro de Campinas, e eu mesmo construí os balcões e uma vitrine, com madeira e ferramentas da Serraria Bariani, do meu avô. Eu fazia as vendas e o Dino, meu sócio, fazia as compras de acordo com que eu pedia. Depois ele passou a rematar mercadorias na alfândega de Santos, inclusive materiais de pesca e tudo o mais, que a nossa loja se transformou, de fato, em bazar, o Bazar Paulistinha.

Paulistinha, nome inspirado pelo técnico dos aspirantes do Atlético, o Parateca (João de Paula Neto, fotógrafo e futuro prefeito de Goiânia). Num domingo, janeiro ou fevereiro de 1939, segui um barulho, gritaria e cheguei ao campo de futebol, o povo reclamando do atraso da preliminar do jogo contra o Anápolis. Faltava o goleiro, quando me apresentei ao Parateca:

– Oh moço, eu sou goleiro!

– De onde é que você, menino?

– Vim lá do Estado de São Paulo.

– Olha aqui, gente, o Paulistinha vai jogar no gol.

E no clube da Campininha das Flores da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição o Paulistinha ficou por 10 anos.

Para não gastar o dinheiro com retiradas, eu saía de bicicleta dando aulas de matemática, a 5 mil réis a aula, para alunos que ficavam de segunda época, enquanto a minha irmã Lucília tomava conta do “estabelecimento comercial”, que comercializava  armarinhos, aviamentos para costureiras,  bijouterias, esporte, caça e pesca…

A Lucília sempre trabalhou comigo e, posteriormente, a minha irmã mais velha, a Chica. Aqui, à época, os principais aviamentos de costura eram adquiridos na loja A Goiana, em Uberlândia, do seu Ciro. O Bazar Paulistinha foi o introdutor aqui, do ponto-russo, sinhaninhas, rendas, linhas, grifes, miçangas, lantejoulas, zipers, máquina de cobrir botões…

Um dos grandes clientes do Bazar foi o atelier da minha mãe, Josephina e da irmã Chica, as pioneiras em Goiânia da alta costura, que atendia à elite feminina goianiense e também a sua Escola de Corte e Costura.

De como o Bazar se tornou o maior comprador de discos fonográficos do interior do Brasil. Havia na prateleira uma caixa dos discos Continental contendo coadores de chá. Chegava um freguês e perguntava:

– Que discos que tem naquela caixa?

E eu respondia: – Não tem disco, tem é coador de chá…

Depois de muitas perguntas resolvi entrar no ramo, mas as gravadoras não abriam novos revendedores. Tive que começar comprando na Casa Manon, na Rua Direita, em São Paulo, apenas com o desconto de 20%, que não dava para trabalhar. Finalmente a Odeon-Columbia começou a me fornecer, depois a Continental e a RCA Victor…

Os primeiros discos foram os de 78 rpm (rotações por minuto, baseado no disco do cientista Newton), medindo 10”, com duas faixas; depois  saiu o compacto simples, de 7”, também com duas gravações; o terceiro foi o compacto duplo, com 4 faixas; o quarto foi o LP (long playing) de 10” e com 10 faixas. E, finalmente, o LP (que agora chamam de vinil), de 12” e com 12 músicas. Os três primeiros LPs gravados por cantores pelo Bazar Paulistinha foram com Lindomar Castilho (Lidomar-Canções  que não se esquecem), Josaphat Nascimento-Encantamento e (Ely Camargo interpreta compositores goianos).

O Bazar Paulistinha gravou nas gravadoras de São Paulo, os principais cantores e cantadores goianos, como Josaphat Nascimento, Lindomar Castilho, Ely Camargo, Edvaldo Leite, Aparecida Amorim, Darcy Silva, Telma Fernandes, Antônio Alves, Melrinho & Belguinha, Trio da Vitória e outros.

O primeiro LP gravado fora do eixo-Rio-São Paulo foi pelo Bazar Paulistinha, em 1963, na Rádio São Francisco de Anápolis sobre a orientação do nosso funcionário Marrequinho (Francisco Ricardo de Souza). Tinhamos que levar sete duplas a São Paulo e a gravadora Chantecler enviou um técnico, que a Rádio São Francisco era a única em condições de gravar discos comerciais. As duplas: Adolfinho & Urso Negro; Sinval & Dalmi; Duo Brasília; Ferreira & Tianinha; Reizão & Zé Rezende; Melrinho & Belguinha e Nuvem Negra & Correínha.

Em 1960 comprei a parte do sócio Dino, depois de 15 anos de sociedade.

Em 2005 comemoramos o Jubileu de Diamante do Bazar Paulistinha, no Teatro Goiânia, com um grande e memorável show com as presenças de quase todos os cantores lançados pelo Bazar.

Curiosidade – Gilberto Mendonça Teles, jovem treinador no Atlético, atualmente um dos maiores expoentes da literatura, chegou ao Bazar Paulistinha e foi logo falando:

– Eu quero um par de “melha” (meião de futebol).

Aí eu dei-lhe uma corrigida:

– Não é melha, não, rapaz. O nome é meia!

– Eu não pedi dado, “tou” comprando e pagando e você não tem nada com isso, se é melha ou se não é! Vai querer vender ou não vai?!

Macktub (Fatalidade árabe – Está escrito no Alcorão)

 

(Bariani Ortencio, [email protected])

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