Bom senso e fantasia na infância
Redação DM
Publicado em 18 de abril de 2017 às 03:06 | Atualizado há 8 anosEsta terça, 18, é o Dia Nacional do Livro Infantil. A data é um motivo a mais para os adultos refletirmos sobre nosso dever de despertar nos seres dessa fértil fase da vida o interesse pelos livros; e, também, sobre nossa responsabilidade de selecionar obras que contemplem a imaginação das crianças com o devido bom senso.
Certa vez, aproximei-me, de um grupo de meninas que brincavam de casinha. Quando perceberam minha presença, retraíram-se. Silêncio total, numa cumplicidade total. Chego-me a uma delas e ouso perguntar:
– Que comidinha é essa que você está fazendo?
– Será que você não está vendo que isto é terra, não?!, respondeu.
E a resposta só fez reativar uma conclusão que já me era conhecida: quando a imaginação infantil surge espontânea, sem a inculcação da fantasia adulta, a criança tem plena noção do faz-de-conta. Com a mesma facilidade com que projeta, ela recolhe as imagens. E são imagens ternas, próprias da natureza infantil, imagens que não metem medo. Com o tempo, a criança vira jovem, o jovem vira adulto e essa imaginação natural vai dando lugar à realidade do mundo e da vida; cede ao influxo do amadurecimento, até que por fim desaparece.
Mas nem sempre as coisas fluem assim, com essa naturalidade. Com a melhor das intenções, muitos pais enchem a infância de seus filhos com excessos de fantasia adulta. E justificam:
– Eu adorava ouvir, e mais tarde ler, as histórias fantasiosas que povoaram a minha imaginação infantil! Como era bom!
Pode parecer coisa boa, mas tem seu preço. O mundo imaginativo da criança se transforma em mundo quimérico. Dentro dele, o menino e a menina já não sabem o que é real e o que é fictício. Perdem o controle de seu mundo. São livros, revistas, filmes e mesmo brinquedos completamente fora da realidade.
“Que é que tem?”, os pais insistem. “Quando criança, eu adorava! Nunca me fez mal algum…”
Será que não fez mesmo? Como seria, hoje, a vida mental desses pais, sua vida sensível e instintiva, e também sua vida moral e espiritual, se sua meninice não tivesse sido tão saturada de quimeras? Em que medida o excesso imaginativo prejudicou ou não a reflexão, a observação, a vontade, a concentração, a disciplina mental, o senso de realidade, o amor à vida tal como ela é? Não sabem dizer.
Quanto mais imaginativa é uma pessoa, ensina o educador González Pecotche, menos vigor tem sua vontade. A partir da adolescência, essa fraqueza de vontade expõe o ser a todo tipo de tentação, incluindo nisso a das drogas e dos vícios em geral, a da vida fácil, a da entrega do futuro, da honra e até da vida inteira ao fascínio dos prazeres instintivos.
Para o menino que mergulhou nas quimeras, é mais difícil a transição para a vida adulta. Sente-se inadaptado, não vê beleza e interesse na realidade que se lhe avizinha. Alguns se entregam à melancolia, fogem para os sonhos, vão fazer poesia com suas desilusões. Outros há que se veem indefesos diante dos temores absurdos, da propensão ao engano, dos males da depressão, do abandono, do já referido ataque dos vícios e das tantas outras doenças mundanas que lhes querem sugar a vitalidade e as reservas morais.
“É comum confiar na imaginação em demasia e, depois, atribuir suas consequências a outros fatores, nunca à própria imaginação”, adverte a Logosofia, ciência que estuda em profundidade este assunto.
Respeitar a natural imaginação infantil, que funciona como uma almofada entre a mente terna do menino e a realidade às vezes dura da vida, mas evitar a inculcação da fantasia dos adultos, que a nada de bom conduz, é manejar um dos segredos de uma educação superior.
Quem não quer isso para seus filhos?