Breve reflexão sobre as penas privativas de liberdade
Diário da Manhã
Publicado em 15 de janeiro de 2018 às 23:55 | Atualizado há 7 anos
Atualmente tem sido cada vez mais comum a prática de delitos de toda natureza, sejam mais complexos, de menor potencial ofensivo, outros denominados de contravenções penais, enfim, fato é que as pessoas sentem-se cada vez mais amedrontadas e com a sensação de que a criminalidade não tem solução. Está difícil ir a um restaurante, parar durante o dia para conversar com um amigo na rua e não ser abordado por um meliante. Casas em sua maioria tem cerca elétrica, alarmes, muros altos e grades em janelas e portas como medidas protetivas contra roubos e outros crimes. Sair à rua portando celular,nem pensar.
É comum ouvir por aí “A polícia prende, mas a lei precisa de mudanças”. É indubitavelmente muito preocupante o atual cenário brasileiro:muitas famílias chorando por seus entes e clamando por justiça em meio a tantas outras vozes que desesperadamente suplicam por uma resposta diante de tais fatos.
O Código Penal Brasileiro tem em seu artigo 32 a descrição das penas permitidas pela legislação penal brasileira, que são três: penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.
Atentando-se mais ao tema desse artigo, vale fazer uma breve reflexão sobre as penas de reclusão e detenção que compõem as penas privativas de liberdade.
Quando falamos em reclusão podemos certamente dizer que toda pessoa que foi condenada a uma pena superior a 8 anos fica sujeita a esse regime, em estabelecimento de segurança máxima ou média, tendo que trabalhar durante o dia e recolher-se a noite, O regime inicial é designado de “fechado”. Podemos exemplificar como crime hediondo o homicídio qualificado, dentre outros previstos na lei 807290, que é punido com regime inicialmente fechado.
No que concerne à detenção temos os sistemas semiaberto e aberto, sendo que no primeiro, o condenado deverá cumprir sua pena em colônia agrícola industrial ou estabelecimento similar, tendo sua pena maior que 4 anos e menor que 8 anos, sendo não reincidente. No sistema aberto, o condenado deve demonstrar que é apto à confiança, vai cumprir pena em Casa do Albergado ou em Estabelecimento adequado, a pena foi igual ou menor que 4 anos.
Os menores, ou seja as pessoas que tem menos de 18 anos não praticam juridicamente “crimes”, mas sim atos infracionais. Na realidade é a conduta criminosa, porém recebendo outra nomenclatura. Quando praticam atos com violência podem ficar internados por um prazo máximo de até 3 anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. (ECA)
O Direito Penal tem suas tipificações em relação às punibilidades, faz uma análise da conduta do agente, da personalidade, dos motivos que o levaram a praticar o delito, a conduta da vítima, o conhecimento ou não da lei e também circunstâncias que agravam ou diminuem a pena, as majorantes e as minorantes observadas na aplicação da pena no conhecido sistema trifásico.
Informalmente a pergunta e a reflexão que faz-se presente nos pensamentos dos cidadãos recai sobre os efeitos morais,digamos assim, nas pessoas que foram condenadas. É sabido que a pena seja ela qual for, tem como finalidade ressocializar e tem caráter punitivo também, ou seja, cercear a liberdade daquele que foi o autor da prática delituosa, logo tira-se a liberdade e com a ausência da mesma,deveria o meliante refletir,trabalhar na penitenciária com o objetivo de depois de cumprida a pena ser colocado ao seio da sociedade,ser reintegrado .
Infelizmente não é perceptível essa situação, muitos fogem, não retornam ao receberem o indulto de natal, muito tem sua pena diminuída e alguns até cumprem a pena, mas ao terem sua liberdade praticam outras condutas criminosas.
Parece um problema sem solução, alguns cometem erros e dizem-se arrependidos e outros já se conformaram que a vida criminosa é sua rotina, sua escolha, podendo permanecer anos e anos atrás das grades que nada mudará, não haverá regeneração. Sem dúvidas um sofrimento para os familiares desses sentenciados.
Escolha de cada um, mas a análise deve ser feita partindo-se do pressuposto que se praticou crime tem que responder pelo mesmo, essa é a justiça almejada pelas vítimas e seus familiares. Se vai haver ou não a regeneração não é um fator que preocupa os sujeitos passivos desse conflito.
Importante ainda esclarecer que o condenado tem direito quando estiver cumprindo sua pena, à preservação de sua integridade física e mental, ainda que não ocorra a sua ressocialização e mesmo que tenha praticado um ou mais crimes, sejam hediondos ou não. Punir não significa para o Direito Penal deixar o condenado sem água ou comida, sem visita, mas sim, aplicar o Princípio do Contraditório e ampla defesa, ouvir testemunhas, respeitar o devido processo legal, o prazo para interposição de recurso, julgar, condenar e aplicar o que prevê a lei.
Inegavelmente os familiares e a vítima têm um pensamento dotado de lógica se refletirmos que muitos sentenciados não querem ressocialização e não vão se regenerar. É mais aceitável a aplicação da pena, e se vai haver mudança na atitude do criminoso ou não é algo secundário.
Interessante refletir sobre a questão jurídica, que é a formal e a popular, que é informal quando o assunto é a aplicação da pena privativa de liberdade e a ressocialização.
Juridicamente a função da pena é punir e ressocializar; para a sociedade o objetivo primordial é fazer justiça aplicando a pena de prisão, é retirar do convívio público quem errou e provocou na maioria das vezes um mal irreversível.
Considerando esses posicionamentos diversos é comprensivo que cada qual tem suas razões, suas fundamentações. Devemos olhar para todos os lados nessa história: a vítima, a família do condenado, a sociedade.
Algumas pessoas ao lerem esse artigo poderiam desmerecer a situação da família do condenado, mas não esqueçamos que mães e pais sofrem com a descoberta que seus filhos mataram ou estão por aí cometendo delitos, questionando-se onde erraram na criação dispensada aos seus pupilos.
No que pertine ao condenado, uma vez comprovada sua culpabilidade, deve sim cumprir sua pena, seu castigo, não podemos discordar da chamada “lei da semeadura”, conhecida como “justiça” por muitos populares.
Seria muito bom que as leis conseguissem cumprir com exatidão seu objetivo de ressocialização de boa parte dos reeducandos, mas infelizmente não depende tão e somente das mesmas, há muitos fatores envolvidos, questões psicológicas, de personalidade e caráter de quem agiu de forma tão errônea.
Daí a necessidade premente de educar, de saber falar um “não”, de não amparar ou acobertar um erro do filho em qualquer das fases de sua vida, mas de incentivar a pedir desculpas, trabalhar, a não pegar aquilo que não lhe pertence, a ter responsabilidades, enfim, moldar um ser e seu caráter. Não são culpados porém os pais que fizeram com esplendor o seu papel mas não conseguiram!
Assunto polêmico, aparentemente sem resposta ou deduzida por outros:se o cumprimento da pena ressocializa ou não, se mudarem as leis haveria ou não ressocialização ou diminuição dos crimes, enfim, tema carecedor de mais análises!
(Kelly Lisita, advogada, professora universitária, especialista em Docência Universitária, Direito Penal e Direito Processual Penal)