Opinião

Cada vez menos leitura

Redação DM

Publicado em 11 de novembro de 2016 às 02:15 | Atualizado há 9 anos

Dois anos e meio se passaram desde que a Universidade Federal de Goiás (UFG) anunciou o fim de seu sistema tradicional de ingresso vestibular. Desde então, a instituição de ensino superior aderiu – a exemplo de outras universidades – ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) como critério de ingresso em seus cursos. Um dos problemas da mudança foi o fim da indicação de livros obrigatórios de autores brasileiros e goianos, o que levou muitas escolas a simplesmente ignorar escritores, poetas e romancistas locais.

Hoje, passada uma semana da prova do Enem, nota-se que os estudantes de ensino médio estão cada vez mais focados e competitivos. O debate sobre o currículo comum ao ensino médio é urgente. Há necessidade de se enxugar conteúdo e administrar melhor os conteúdos em sala, permitindo que os estudantes possam fazer suas próprias escolhas de acordo com suas áreas de interesse. Por outro lado, as escolas, ao oferecerem tais possibilidades, não podem ignorar o fato de que, sem elas, poucos alunos terão acesso ou conhecimento sobre os autores de Goiás.

Embora não tenha em mãos dados realistas sobre o volume de leitura dos estudantes do ensino médio, creio que seja cada vez menor ao longo dos últimos 50 anos. O estímulo à leitura encontra forte concorrência com outros meios de informação, como televisão, rádio e internet. Ainda que o ato de ler um livro seja valorizado – mesmo entre os jovens – sua prática ainda é tímida e vacilante.

Ao longo de três décadas, a UFG tem adotado uma lista de obras obrigatórias para o vestibular, sempre com pelo menos um autor goiano. A medida praticamente forçava os candidatos a experimentarem ao menos cinco livros representativos da literatura nacional e regional. As escolas tinham de se dedicar às detidas análises de conteúdo, com saudáveis resultados à formação de espíritos críticos e cultos.

Parte dos estudantes tem preguiça das aulas de literatura porque simplesmente não lê os livros ou não tem o hábito de discuti-los. A inevitável reformulação curricular das escolas de ensino médio tenderá a reduzir a profundidade da análise dessas obras literárias para se concentrar em outras disciplinas – o que não é necessariamente ruim, desde que se tenha a possibilidade de cursar uma matéria de literatura regional.

O fato de o Enem ser estruturado em questões objetivas também desestimula a resolução de problemas discursivos – basicamente, a falta de intimidade com desenvolvimento de cálculo ou argumentação escrita empobrece a formação acadêmica e pode criar uma massa de jovens tendentes ao chute ou à resolução de itens por eliminação. O aprendizado de literatura exige o contato com autores fundamentais. É preciso ler, debater e refletir sobre as obras. Vale para qualquer carreira. Um adulto alfabetizado tem obrigação intelectual, social e moral de ler pelo menos duas obras de Machado de Assis.

A decisão da UFG não se provou saudável para os autores locais. Sem o estímulo do vestibular da universidade, as chances de obras goianas serem lidas no ensino médio são mínimas. Autores significativos, como Cora Coralina, Bernardo Élis, Hugo de Carvalho Ramos, José J. Veiga, Gabriel Nascente, Miguel Jorge, Augusta Faro, Leda Selma, Antônio José de Moura, Luiz Augusto Sampaio, Luiz de Aquino, Heleno Godoy, Modesto Gomes, Yeda Schalmtz, Ana Braga, Nancy Ribeiro, Delermando Vieira, Edival Lourenço, Marcos Caiado, Geraldo Coelho Vaz, Bariani Ortêncio, Gilberto Mendonça Telles e José Mendonça Teles, entre outros, deixariam de serem lidos todos os anos.

O Enem não seleciona autores regionais. Ficará nas mãos das escolas a apresentação de escritores goianos aos alunos. Considerando o currículo extenso e abrangente exigido pelo Ministério da Educação e por leis estaduais, será um imenso desafio dedicar tempo aos autores goianos, que tendem a ser ilustres desconhecidos da juventude. É um importante espaço que a literatura de Goiás perde. Justiça seja feita: a Pontifícia Universidade Católica de Goiás continua como um grande mecenas e não deverá suprimir a lista de livros obrigatórios.

Conhecer, ler, apreciar e estudar os escritores goianos não é provincianismo ou bairrismo. Há qualidade na literatura produzida aqui. Há autores com estilo ímpar e obras de profundidade universal que tratam de símbolos e situações familiares aos que aqui vivem. Omitir da formação das gerações seguintes toda essa bagagem de experiências acumuladas é um crime ao conhecimento. Torço para que as escolas goianas, públicas e privadas, tomem para si a responsabilidade de preservar esse delicado tesouro cultural.

 

(Victor Hugo Lopes, jornalista)


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