Caiado e a OAB-GO
Redação
Publicado em 10 de dezembro de 2015 às 21:56 | Atualizado há 9 anosA vitória de Lúcio Flávio na disputa pela presidência da OAB-GO foi interpretada por Caiado como reflexo de um suposto sentimento de mudança. A nos guiarmos pela insana lógica do doutor Ronaldo Caiado, devemos conceder que a ascenção do Vila Nova FC à série B, bem como o rebaixamento do Goiás EC para a mesma série B, refletem este sentimento de mudança em Goiás.
Sentimentos de mudança, ou de qualquer outra coisa, são fenômenos extremamente complexos. Em geral difusos, são captados antes pelos poetas, cuja extrema sensibilidade granjeou para eles o título de “antenas da raça”. O que o senador Caiado tem em comum com os poetas é apenas a incoerencia, que neles, os poetas, é charme, mas que no Senador goiano é falha de uma formação política que apenas pro-forma valoriza a democracia.
Houve um excesso de partidarização na disputa pela OAB, é claro. Mas interpretar o evento como prévias das eleições vindouras é arrematado disparate. É preciso boa dose de má-fé para querer vincular uma coisa com a outra. Mas é o que Caiado faz em artigo publicado recentemente aqui no DM, sob o tendencioso título “OAB reflete sentimento de mudança em Goiás”.
Caiado identifica a chapa de Lúcio Flávio como um movimento de oposição ao governo estadual. As demais, como delegadas do marconismo. Nada mais falso. Tinha na chapa de Lúcio Flávio gente compometida com o atual governo. E gente nas outras chapas que fazem oposição ao governo estadual. Questões de ordem corporativa determinaram a formação das chapas. Nem o grupo de Lúcio Flávio é correia de transmissão da oposição local, nem as demais chapas foram, em tempo algum, correia de transmissão do marconismo. Marconi nunca pretendeu governar a OAB por meio de interpostas pessoas.
Sou advogado. Fui honrado pelo doutor Paulo Telles com um convite para candidatar-me a conselheiro em chapa que ele iria formar, o que, infelizmente, não aconteceu. Minhas simpatias, então, foram redirecionadas para Lúcio Flávio. Achei que era tempo de a OAB-Forte, que acabou virando um arremedo de partido, ceder a vez para outras opiniões sobre como a OAB-GO deve ser conduzida. Isto faz de mim um opositor ao governo Marconi? Não. Continuo simpático ao governo presidido pelo senhor Marconi Perillo, ainda que tenha observações críticas a fazer.
Membros do governo estadual, isoladamente, se manifestaram por esta ou aquela chapa. Não deveriam, mas a alta voltagem emocional da campanha arrastou para o centro da disputa até mesmo os espíritos mais sóbrios. Pecados veniais, que não condenam ninguém ao fogo eterno. Agora, o governo, como totalidade ética e política, não se envolveu na disputa, ao contrário do que Caiado afirma. Mas Caiado não se peja de escrever que “a campanha sórdia, angariada pelo governo, não surtiu efeito”.
Caiado escreve muito mal. Além de cometer odiosos atentados contra a lógica, judia do idioma. Governo angariando campanha? Será que o senador não pretendia dizer “patrocinada”, ao invés de “angariada”. Sugiro ao Senador uma urgente visita aos dicionários, Aurélio, Houaiss, ou qualquer outro, e verifique o verdadeiro significado de “angariar”.
Caiado escreve o seguinte: “O caso mais explícito desse jogo condenável foi a atuação do hoje secretário tucano Henrique Tibúrcio, que foi contestada até mesmo pelos advogados”. Segundo Caiado, esses advogados, cujos nomes omite, teriam “ameaçado pedir ao Conselho Federal que apurasse como infração ética a intenção do então presidente de tomar posse como secretário do governo, ainda no exercício do cargo anterior”.
Advogados não ameaçam. Postular em juízo ou em colegiado classista uma pretensão qualquer é simplesmente exercer livremente um direito, o de postular. O direito de postular não é o mesmo que direito subjetivo líquido e certo a uma decisão favorável. Caiado chega a ser insultuoso ao afirmar que advogados “ameaçaram” isto ou aquilo.
Em todo caso, a tal “ameaça” não se concretizou. Tibúrcio renunciou à presidência do Conselho Regional da OAB-GO para se empossar secretário de estado. Esgotou-se aí a questão. Mas Caiado quer espremer o bagaço para extrair daí um pouco mais de suco.
O doutor Tibúrcio, homem honrado, capaz, tem sofrido ataques injustos desde quando decidiu a filiar-se ao PSDB. Nada impede que um conselheiro da OAB esteja filiado a um partido político. Advogados, em geral, se filiam aos partidos com cujos princípios se identificam. Só ao doutor Tibúrcio esse direito é negado.
Como homem de governo, Tibúrcio comportou-se dentro dos estritos limites da ética e da decência durante todo o processo eleitoral. Chegou a ser critcado por antigos correligionários da OAB-forte por ter recebido em audiência o presidente eleito Lúcio Flávio, e com ele tratado de assuntos de interesse da advocacia. Chegou a ser acusado, pelos exaltados e pelos maus perdedores, de responsável pela derrota da OAB-forte.
O senador Caiado não compreende a relação entre partidos, governo, e entidades de classe. É-lhe absolutamente estranha a vinculação entre estado e sociedade-civil. Não porque jamais tenha lido os clássicos da litertatura política ou do pensamento jurídico. Seria exorbitante pretender que possa discutir Aristóteles, Platão ou Hegel, ou o nosso Reale. É que Caiado pertence a uma tradição político partidária elitista que sempre desconfiou das entidades representativas, que sempre se colocou como voz e consciência de tais classes. Essa tradição, que começa lá atrás com o civilismo liberalóide de Ruy Barbosa, prossegue no reacionarismo da UDN e vem desaguar no DEM, ora em vias de extinção. Esta tradição político-partidária nunca soube lidar com as entidades classistas, repito. Ora as encara com hostilidade, ora tenta colocá-las a reboque de seus projetos eleitorais.
Apesar de tudo, Caiado “floresceu” na vida pública como presidente da famigerada UDR. Ele se fez presidente de suposta entidade de classe para saltar daí para a política, já como candidato à presidente da República. Uma vez aboltado na política, esqueceu a UDR. Caiado pode migrar da política classista para a política partidária, direito que ninguém jámais lhe negou. Por que Tibúrcio não pode?
A UDR, a rigor, nem chegou a ser uma entidade de classe. Não passou de um agressivo lobbie para impedir que a Assembléia Nacional Constituinte abrisse caminhos insitucionais para uma reforma agrária profunda. Atingida a meta, abandou-se o veículo. Mas não vou perder tempo com a UDR. Que os mortos enterrem seus mortos.
O que Caiado não aceita é que a nova direção da OAB procure o governo do Estado para trabalharem juntos. OAB não trtabalha nem contra o governo, mas com ele. Quando ele diz, em seu artigo, que os advogados não vão aceitar que o governo venha lhes dizer como agir, Caiado está sendo apenas, mais uma vez, fanfarrão, exercendo aquele tipo de militância insultuosa, raivosa e leviana que a que ele dá o nome de “oposição”, com isto rebaixando ao nível mais vulgar o significado de uma palavra nobre. Advogados nunca aceitaram ingerências estranhas em sua entidade. A má gestão dos últimos anos, que levou à derrocada a OAB-Forte, não é obra do governo Marconi. A recuperação da OAB não será, do mesmo modo, obra do caiadismo falastrão. Os erros e os acertos da advocacia goiana foram e são coisas dos advogados. Coisa nossa, só nossa!
Helvécio Cardoso, jornalista