Camilo Godinho, o pioneiro esquecido
Diário da Manhã
Publicado em 28 de outubro de 2015 às 23:07 | Atualizado há 10 anos
No último dia 24 de outubro comemorou-se o aniversário de Goiânia. Recorde-se que em 24 de outubro de 1933, 82 anos atrás, foi lançada a pedra fundamental de Goiânia na Praça Cívica, onde se encontra o Palácio das Esmeraldas. Em março de 1937 Goiânia recebeu oficialmente a Capital estadual de Goiás.
Em datas comemorativas, principalmente esta, os jornais estampam matérias saudosistas, destacando as figuras que tiveram relevância na construção da História. E no compulsar dos jornais, uma plêiade de notáveis aparece como responsáveis pela consecução do sonho.
Com tantos personagens desfilando como pioneiros, a exemplo de Bernardo Sayão e Israel Pinheiro em Brasília, muitos nomes pontificaram em Goiânia, e seria enfadonho reenumerá-los. Mas seria também muita injustiça omitir pessoas que, não obstante viverem naquele inóspito norte goiano de então, tiveram sua parcela de pioneirismo na construção da capital de Goiás.
Destaco, neste ponto, a figura pioneira de Camilo Godinho, que, mesmo residindo a mais de 800 quilômetros da então capital, Vila Boa (depois, cidade de Goiás), deu sua grande colaboração na implantação da nova capital.
Pouca gente fez justiça ao seu espírito empreendedor, mas merece destaque o artigo do saudoso Mário Rizério Leite, que, na edição de 2 a 8 de abril de 1973 do combativo hebdomadário goiano Cinco de Março, exaltou com precisão a figura do importante taguatinguense, quando disse que Camilo Godinho, chefe político de Santa Maria de Taguatinga, “morreu cedo, mas podia ter vivido muito mais. Era um dos homens mais ricos do norte de Goiás. Inteligente e vivo, sabia tudo sobre leis (…) Foi um dos maiores autodidatas que conheci, exceção única de Abílio Wolney, de Dianópolis. Sua palestra era fluente e agradável, conhecia muita coisa da vida”. E seu panegírico a respeito de Camilo Godinho, apesar de preciso e justo, não esgota o rol das qualidades do homenageado.
A família Godinho dispensa comentários, posto que era e sempre foi exemplo de honradez, deixando muitos representantes que inscreveram com fortes tintas na história do Estado a probidade do taguatinguense. Casou-se com uma Carmo-Almeida, consolidando as três maiores famílias da região em um tronco só.
Camilo Godinho teve dez filhos. Nasceram-lhe, da união com Celina de Almeida Godinho, os filhos Antônio, os gêmeos Gerson e Gesner, Gentil (que foi uma referência na medicina em Goiânia), Gersonita, Gersonil, Gaby (que faleceu prematuramente), um outro Gaby que veio substituí-lo, Gercílio e Elaine, dos quais apenas dois restam vivos: Gersonita e Gercílio, este último, que foi meu colega no Ginásio João d´Abreu em Dianópolis, herdou a veia da política limpa e honesta do pai e foi um dos mais progressistas prefeitos da cidade, cargo que deixou sem qualquer ressalva quanto à sua carreira pública.
Camilo Godinho foi prefeito da então Santa Maria de Taguatinga, hoje Taguatinga, no Tocantins, durante todo o período em que Pedro Ludovico Teixeira foi governador. Sua amizade e ligações políticas com Pedro Ludovico eram tão grandes, que deu seu filho caçula, Gercílio, para o governador batizar, tendo como madrinha, Felipa Cavalcante de Almeida, a saudosa Felipinha, mulher de Neco Almeida. Mas não fez essa deferência visando qualquer retorno político ou econômico, muito comuns neste nosso mundo hodierno, pois o caráter de Camilo era de completo desapego ao “é dando que se recebe” que hoje campeia.
Segundo o conceituado acadêmico Mário Rizério Leite, Camilo era de uma inteligência ímpar: “Dava quinau até em juiz formado”, e completava: “Na Taguatinga de outrora, toda gente era autodidata. E a cultura de seu povo ficou célebre na região, sem falar na costumeira franqueza e sinceridade de seus habitantes. Quem ficar conhecendo Neco de Almeida e Tarcílio do Carmo poderá ajuizar do zelo com que aquele povo cuida da dignidade pessoal”.
Ele se deslocava de Taguatinga a Formosa, cortando veredas e vadeando rios por 26 dias a cavalo; em Formosa pegava uma jardineira até Corumbá; daí pegava outra até Anápolis, para se dirigir a Goiânia ou Goiás Velho para seus encontros com o governador compadre, quando o incentivava no plano de mudar a capital.
Naquela época, nos anos quarenta, no intuito apenas de ajudar, estimular e abrir a estrada do exemplo para outros goianos, deu sua parcela de contribuição: adquiriu, através do Departamento de Terras do Estado, vários lotes na nova capital goiana, mas não no intuito de especular, mas de dar sua contribuição pioneira para o progresso, construindo onze casas de uma só vez, na Rua 4-A, no Centro de Goiânia, que ficou conhecida por “Vila Taguatinga”, ficando dois lotes na Alameda dos Buritis, e só não chegou a construir, porque no seu retorno a Taguatinga para buscar recursos financeiros, sofreu um acidente, caindo de um cavalo e fraturando o fêmur, tendo que se deslocar a Barreiras dependurado numa rede nos ombros de dois homens, uma viagem de quase duas semanas, para tomar um avião da FAB até o Rio de Janeiro, onde veio a falecer na mesa de cirurgia, com pouco mais de sessenta anos anos de idade.
Adquiriu também, apenas a título de cooperação com a concretização da capital (pois, sendo abastado, não precisava) títulos da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura, como sócio proprietário nº 41, em 14 de junho de 1943, e ações do então Banco Agropecuário de Goiás.
Camilo Godinho foi daqueles pioneiros que nunca reivindicaram um lugar na galeria dos chamados heróis por mera vaidade, pois sua humildade e visão de estadista suplantavam qualquer vontade de aparecer como benfeitor.
Mas hoje, seu nome ficou como símbolo do homem probo e íntegro, que soube conduzir com honradez sua família, mesmo sem ser reconhecido, como um esquecido pioneiro de Goiânia.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado – [email protected])