Carne para os vermes
Redação DM
Publicado em 14 de março de 2018 às 23:59 | Atualizado há 7 anos
Nas sagradas páginas consta que somos pó e a ele voltaremos. Ora, se o somos, somente a ele retornaremos depois de deixar de sê-lo. A expressão “voltar ao pó” me parece metonímica, pois – repito – dele não nos retiramos, dele não nos livramos. Só regressa a um lugar quem dele se evadira. Volver-se ao pó significa pulverização. Terra em forma de corpo físico se faz cadáver, substantivo parido pelo latim que se traduz por “carne para os vermes”.
O acompanhamento fúnebre possui um simbolismo que me assusta e me entristece. Guardado, no túmulo ou na cova, esse manjar, viram-se lhe as costas os familiares e outros acompanhantes. Fecha-se a sepultura, sela-se a separação. Cada um vai para sua casa, seu emprego, sua faina, seus sonhos, suas vitórias, seus revezes, suas frustrações. Vão ao ponto de espera do ônibus que os levará, hoje ou amanhã, para a mesa de refeições dos vermes.
É o desfecho do espetáculo da vida? A resposta é negativa porque a vida não se inicia e nem se conclui. Ela sempre existiu. O livro de Gênesis nos revela que a terra era sem forma e vazia. A Criação do Mundo foi o ordenamento dos seres vivos e das coisas. Tempo e morte são abstrações inventadas pelo homem para se localizar. Concreta é a vida.
Todos seres humanos devolvem à terra a terra que os reveste. Nos cemitérios não há diferenças sociais, políticas, religiosas. Sem exceção, ex-magnatas e ex-moradores de rua, os que foram príncipes e os que foram plebeus, grã-finos e esfarrapados são pastos para os vermes. Estes se fartam dos corpos dos senhores de escravos e dos corpos dos que gemeram nos troncos da opressão. Fartam-se dos restos dos juízes justiceiros que se venderam aos grandes e perversos ladrões. Muitos dos que ficam para outra remessa tentam manter, nos cemitérios, as desigualdades sociais erguendo caríssimos túmulos, reservando-se aos zés e aos manés rudes montes de terra com pequenas placas numeradas. Não conseguem interromper a putrefação. Não sei se essa realidade é dura, sei que é uma realidade. Não é o fim do espetáculo da vida pois a vida é o espírito que existe e existirá de eternidade, de geração a geração.
(Filadelfo Borges de Lima – filadelfoborgesdeli[email protected])