Casa de fazenda
Redação DM
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 22:08 | Atualizado há 7 anos
A tradicional casa de fazenda permite conhecer muito sobre as necessidades de seus moradores. As habitações construídas no campo são, a rigor, espartanas. A simplicidade, no entanto, não deve ser vista como limitação. A edificação é pensada de maneira a equilibrar custo, conforto e eficiência. Assim, a natureza rústica não pode ser confundida com a praticidade exigida no cotidiano caipira.
As construções de alvenaria tornaram-se mais frequentes nos últimos 30 anos. São mais resistentes e oferecem maior conforto. Por outro lado, uma longa tradição de casas improvisadas tem se perdido. Ainda é possível encontrar taperas perdendo o viço ante novas construções, mas são poucas as novas estruturas erguidas à moda antiga.
A casa de fazenda é uma arte em extinção. Não deve ser erguida próximo aos cursos d´água, nem distante demais. Deve ocupar um terreno plano para evitar a necessidade de nivelamento. Geralmente deve ocupar um ponto que permita ampla visão do terreno e onde seja possível plantar um pomar com frutas variadas – é preciso que se tenha produção o ano todo.
Tradicionalmente, as casas são construídas em regime de mutirão, com a participação de vizinhos. O alicerce tende a ser precário em comparação às edificações em alvenaria. Basicamente, a estrutura central costuma a ser as colunas que dão sustentação à cobertura. Geralmente, uma madeira espessa e resistente, como aroeira, serve como forquilha para sustentar o eixo do telhado – que pode ser tanto telhas como folhas de buriti entrelaçadas por meio de uma técnica indígena muito antiga.
Com a estrutura do telhado pronta, semelhante a um rancho, as paredes são erguidas. Utiliza-se geralmente taipa ou adobe. Nem sempre há disponibilidade de argila para as paredes. Nesse caso, utiliza-se tábuas de madeira ajustadas. O piso deve ser socado insistentemente com pedras ou tocos para deixa-lo compacto. Isso atenua a poeira e reduz problemas de enxurrada nos períodos de chuva.
Um detalhe importante: as limitações sanitárias exigiam que os banheiros fossem construídos no lado externo. Não passava de uma casinha, distante em média uns 15 ou 20 metros da moradia. O piso, de madeira, tinha um buraco, geralmente em formato triangular, sob o qual se cavava um buraco. Dava-se preferência para fossas em locais mais altos e distantes do poço d’água.
O fogão, a lenha, era obrigatoriamente construído dentro das casas. Há dupla razão para isso, além da praticidade de não se cozinhar ao vento. O forno, durante a noite, afastava muriçocas e pernilongos por causa da fumaça. O calor exalado era um bônus importante para os períodos de frio ou chuva. Permitia que toda a construção ficasse aquecida e reduzisse o desconforto térmico do inverno.
Boa parte das camas era basicamente um jirau montado com forquilhas. Em sua ausência, dormia-se em redes de algodão cru, cuja confecção poderia consumir até uma semana. O tear para produção de tecido ocupava boa parte do tempo das mulheres. Quando não estavam na roça ou cozinhando, elas produziam praticamente todo o enxoval da casa.
Palhas de milho secas eram armazenadas ao longo do ano para servirem como enchimento de colchão. Para os travesseiros, o segredo era mandar a meninada procurar pluma de paineira. As cobertas de algodão grosso permitiam um mínimo de conforto nas frágeis camas de jirau.
Quando menino, ficava muito impressionado sobre a história de casas de fazenda mal assombradas. Era muito comum ouvir falar de almas penadas vagando pelos cômodos ou mesmo ouvir o lamento dos mortos que ali viveram. Nós, crianças, ficávamos aterrorizados com esses relatos. Um dia, assustado, perguntei para meu pai se era verdade. Ele, arquiteto por formação, foi didático:
– Não tem nada disso. Casas antigas tendem a estalar quando se faz muito frio ou a umidade está baixa. Por isso, o som lembra que há alguém vagando pela casa.
– E os lamentos dos mortos?
– Bobagem. O vento frio, ao passar pelas frestas de madeira, produz um sibilo semelhante a um assovio.
Nada como a sabedoria do pai da gente para nos confortar. O problema é descobrir isso depois de adulto…
(Victor Hugo Lopes, jornalista)