Opinião

Casa dos Postigos Verdes

Redação DM

Publicado em 19 de janeiro de 2018 às 23:57 | Atualizado há 7 anos

A ca­sa ma­te­ri­al dos pos­ti­gos ver­des fi­ca no les­te de Pi­ra­can­ju­ba – Go­i­ás: ali, diz a len­da, é o lu­gar mais bo­ni­to do mun­do. A ca­sa dos pos­ti­gos ver­des ha­bi­ta o Va­le de Qui­me­ras, on­de o que não é ver­de, é fur­ta-cor.

No Va­le de Qui­me­ras há um pás­sa­ro mui­to pe­que­no, o Fim-Fim, que veio fa­zer seu ni­nho no tron­co de uma pal­mei­ra… Aque­la que fi­ca em fren­te à me­sa da va­ran­da. To­das as ma­nhãs, an­tes de co­mer, o Fim-Fim traz à sua ama­da um no­vo co­ber­tor de ca­pim. Não pos­so men­su­rar a im­por­tân­cia des­se ges­to pa­ra a do­na Fim-Fim. Não pa­ra ela, mas pa­ra o ga­to Kiko é de en­lou­que­cer.

O ga­to Kiko não ser­ve pa­ra na­da. Es­tá par­ru­do, frou­xo e in­ca­paz de es­ca­lar pal­mei­ras. O Fim-Fim, com sua plu­ma­gem azul-pe­tró­leo que emol­du­ra  seu pei­to ama­re­lo, num voo fur­ti­vo, can­ta­ro­lan­do, agra­de­ce a inér­cia do ga­to.

No Va­le de Qui­me­ras há la­gos, e eles es­tão re­ple­tos de pei­xi­nhos e pei­xões… Mas qual!, a pes­ca­ria es­tá pro­i­bi­da por tem­po in­de­ter­mi­na­do, por­que no Va­le de Qui­me­ras os pei­xes têm no­mes: Bon­nie e Clyde são ‘o ca­sal vin­te’ do la­go dos pi­ra­ru­cus. Eu não fi­ca­rei sur­pre­sa se, da­qui  um ano, ti­ver­mos que com­prar lam­ba­ris pa­ra ali­men­tar o ca­sal de gi­gan­tes.

A vi­da no Va­le é sem­pre igual. Igual de um jei­to bom: es­ta se­ma­na, mais uma vez,  o cão pas­tor, Mu­fa­sa, vi­ti­mou um fran­go  e a ca­de­la vi­ra-la­ta , que só es­ta­va olhan­do, le­vou a cul­pa. A cul­pa sem­pre é da Chi­qui­nha, coi­ta­da; os cu­pins des­tru­í­ram a par­rei­ra e o ipê ama­re­li­nho; a va­ca Bri­gi­te  deu à luz um be­zer­ro Ne­lo­re, mas fo­ra in­se­mi­na­da por Gi­ro­lan­do… Ei­ta, Bri­gi­te, vo­cê pu­lou a cer­ca? O ga­lo Chan­te­cla­ir – bo­ni­to – bo­ni­to – es­tá sob a ame­a­ça de vi­rar cal­do – ‘ga­lo que não ga­la não é ga­lo’. Quem dis­se?

O ca­sei­ro pe­diu de­mis­são pa­ra fa­zer po­li­ti­ca, vê se po­de, mas tão lo­go viu ou­tro ca­sei­ro se­gu­rar a te­tas da re­bel­de va­ca Mi­mo­sa, rei­te­rou. Achei gra­ça por­que a Mi­mo­sa não gos­tou na­da de ser ma­ne­ja­da por ou­tro… Nem ra­ção quis co­mer; lo­go, lei­te não deu. O po­mar es­tá trans­bor­dan­do me­xe­ri­cas en­gra­ça­das: pa­ra ca­da uma, há um pe­ri­qui­to a lhe su­gar o néc­tar. E o ga­to Kiko? Apa­re­ceu com uma ga­ta pa­ri­da que dei­xou os seus cin­co fi­lho­tes atrás da ge­la­dei­ra e de­pois par­tiu pa­ra sem­pre. Pa­ra sem­pre até o pró­xi­mo cio.

Na ca­sa dos pos­ti­gos ver­des, há um ca­os, so­no­ro, fe­no­me­nal. Acon­te­ce sem­pre na ho­ra quin­ze em tar­des de mui­to ca­lor: pás­sa­ros-pre­tos, ara­ras, pi­ca-paus, cu­ri­ca­cas, se­ri­e­mas e bem-te-vis for­mam uma or­ques­tra mul­tís­so­na de en­doi­de­cer até Be­e­tho­ven. Nes­sa ho­ra, me­lhor mes­mo é dei­tar na re­de e re­ler O Ca­chor­ro de Pa­lha ou A Ori­gem das Es­pé­ci­es… Um pou­co de Ma­no­el de Bar­ros, tal­vez, ou  o jor­nal de on­tem;  ou na­da dis­so, pois coi­sa boa, mes­mo, é an­dar na área de re­flo­res­ta­men­to e ben­zer com o sor­ri­so os bro­ti­nhos que res­sur­gem de­pois do ata­que das Ca­be­çu­das.

Es­se é o cam­po ma­te­ri­al do Va­le de Qui­me­ras e to­das es­sas coi­sas e se­res co­mun­gam nu­ma sin­to­nia di­á­fa­na e sin­gu­lar com a ima­te­ri­al Ca­sa dos Pos­ti­gos Ver­des, e to­do es­se tex­to e o seu con­tex­to e seu ex­tra­tex­to se har­mo­ni­zam de um mo­do in­de­lé­vel com a vi­da no cam­po e eu.

 

(Cla­ra Dawn, ro­man­cis­ta e pro­du­to­ra de con­te­ú­do do Por­tal Raí­zes – por­tal­rai­zes.com)


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