Opinião

Casamento das arábias

Redação DM

Publicado em 16 de julho de 2016 às 02:59 | Atualizado há 9 anos

As sociedades emergentes sempre gostaram de ostentar seus indivíduos abastados, mormente os mais extrovertidos com disposição, burra cheia e tempo para curtirem seus desejos e fantasias.

No final do século 19, a capital dos paulistas foi alvo das críticas ao provincianismo e ao exibicionismo durante a transição do período rural, dominado pelos barões do café, até o seu fastígio industrial e financeiro. Lá, diferentemente das labutas na lavoura e nas atividades pastoris do Centro-Oeste, as famílias recatadas e tradicionais dos famosos quatrocentos anos, então em declínio, perderam status e foram cedendo espaço aos novos ricos, uma estirpe de arrojados empreendedores, sem sangue azul, porém cada vez mais preponderante e ativa nos novos segmentos do cosmopolitismo em ascensão.

Não se amofinem, pois, os goianos alfinetados, por tabela, na farta matéria de cinco páginas da última edição da revista VEJA, que expôs, em números e valores extravagantes e afrontosos , o banquete pantagruélico e outros mimos com que um ilustre advogado coestaduano, sexagenário, celebrou suas bodas esfuziantes com uma bela modelo , 38 anos mais jovem.

Outros veículos locais também deram abrigo ao rumoroso enlace em entrevistas especiais com os recém-casados, focando a trajetória do noivo desde a infância humilde na roça, até a saga de sucesso profissional conquistado na área do Direito Agrário, e dos lances e desafios que palmilhou para fazer fortuna, que hoje lhe permite tão boa vida, ao lado de ações filantrópicas, como orgulhosamente garantiu.

Talvez à míngua de outros temas e assuntos sérios e palpitantes – Goiás os tem de sobra para encher a pauta da mídia nacional ávida da boa notícia–, no entanto, sobreveio a chacota dissimulada da reportagem com a cobertura do retumbante agito social, não sem expor ao ridículo nacional um padrão de vida excêntrico e perdulário, o qual, felizmente, para a maioria dos goianos, destoa dos hábitos e da discrição marcantes da nossa gente simples e pacata.

Contudo, denota-se a tristeza com que a jovem noiva reclamou ao entrevistador daquela revista sobre a sua história de amor verdadeiro que restou relegada em favor das críticas recebidas que deixaram de exaltar a “troca de olhares e o carinho” entre os noivos, para realçar os comentários maldosos sobre o Rolex, a caneta de ouro, a Ferrari e o jatinho do noivo !

Entretanto, sem o gênio e o talento de um Eça, que esculpiu e dissecou em suas obras imortais , no século 19, a galeria de retratos caricaturais e a coleção de personagens diletantes e vaidosas da velha sociedade lisboeta, a eletrizante reportagem prima em satirizar detalhes do que batizou de “casamento ostentação” !

De fato, desprezando o pequi e o licor de jenipapo, de tão notório e arraigado prestígio na culinária destes altiplanos, e relegando suas modestas origens, o abastado noivo tirou a cascavel do bolso e cuidou de servir aos seus privilegiados convivas, entre outros, o mais refinado manjar da gastronomia e o mais coroado dos vinhos franceses. A quem advinhou, parabéns pelo bom gosto: caviar e Château Petrus, à farta ! Só não foi revelado o ano da safra, talvez para despistar o Fisco que anda de lupa na mão a caçar, aqui e alhures, “sinais exteriores de riqueza” !

Não é mesmo da conta de ninguém o estilo aberto e sem peias e as gastanças sem limites do bem sucedido profissional do direito. Que se cuide, no entanto, o felizardo casal das garras do faminto leão da Receita Federal !

A devassa pública dos noticiários dos jornais, revistas, redes, vídeos e TVs, convocados a dar franca publicidade aos vultosos dispêndios com a nababesca festa dos esponsais, digna mesmo de um potentado árabe ou príncipe inglês, poderá atiçar uma investigação fiscal ! Pior, precavenham-se os nubentes também contra os malfeitores e sequestradores de tocaia que pululam vasculhando vítimas bem abonadas.

Como quer que seja, nosso ilustre causídico, depois da lua de mel em alguma ilha paradisíaca caribenha, ainda terá que se prevenir do risco de sofrer um processo disciplinar, previsto no art. 32 do Código de Ética da OAB, ao assumir tamanha publicidade -de boa fé, sem dúvida–, mas com nítido propósito de promoção pessoal e profissional, o que poderá ensejar quebra da discrição e moderação, apanágios exigíveis ao exercício da nobre advocacia que já lhe premiou com tantas benesses.

 

(Wagner de Barros, advogado – OAB/GO 3781)

 


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