Comida tradicional, o ”escondidinho” tem origem humilde e nome vulgar
Diário da Manhã
Publicado em 17 de setembro de 2018 às 23:07 | Atualizado há 7 anos
Tempos atrás, num restaurante do circuito turístico litorâneo nordestino deparei-me, pela primeira vez, com a inscrição em cardápio de um dos saborosos pratos típicos de nossa culinária, o “escondidinho”. Até então não encontrara, por estas regiões centrais do Brasil, referência escrita sobre o consumo de tão apreciada iguaria, o que não significa a ausência de sua prática na cozinha goiana daqueles tempos, hoje bastante popular. Naquela ocasião, minha mania de investigar a origem e a razão de ser dos fatos levou-me a provocar o atencioso Chef de Cozinha do hotel Costa do Sauipe Resort, a ver se ele sabia como surgira e o porquê do nome da deliciosa comida. Humilde e sinceramente confessou-me ele a impossibilidade de resposta, por carência total de informações a respeito do assunto. Apenas sabia que surgira no Nordeste, informação contida na Internet.
Mas de repente o estalo da curiosidade foi acionado em busca do conhecimento carente e o pensamento voou aos tempos de infância, ao rever a figura de minha mãe na cozinha preparando a refeição do dia. Outro prato não era senão o purê de macaxeira – nossa tradicional mandioca mansa – com a mistura de carne seca desfiada de forma a render o bastante para alimentar os numerosos membros da família, só de filhos uma dúzia. Poderia estar neste fato singelo a origem humilde do nosso “escondidinho”?
Voltei ao “Maître de Cuisine” para relatar-lhe o que imaginara e lembrei-me mais: na hora da refeição, quando as pequenas fatias de carne iam raleando na panela, a gente “garimpava” diretamente as poucas restantes até quase desaparecidas. Aí sempre surgia dentre nós alguém a disputar os últimos pedacinhos em meio à massa farta e bem temperada. E a esperança vinha expressa em voz alta: – Talvez eu ainda ache algum escondidinho lá no fundo da panela! Não teria sido esta exclamação a origem simples e vulgar do nome?
O Chef do restaurante fitou-me nos olhos e, demonstrando surpresa e reconhecimento, fez-me a seguinte confissão: – Que lógica e surpreendente conclusão! Jamais havia pensado nessa versão que vou inserir no temário das minhas palestras no próximo curso de culinária.
Aproveitei o ensejo para acrescentar-lhe que, naquela época, além do açaí com farinha e pirarucu, a base de nossa alimentação, do café da manhã ao jantar, era a nutritiva macaxeira. Dela provinham a tapioca, o bolo de macaxeira (nosso mané-pelado), a goma do tacacá, o polvilho com a variedade de biscoitos, a macaxeira frita, amassada ou cosida, separadamente ou no cosidão paraense, o tucupi como ingrediente e tempero de pratos diversos e, para tudo e em tudo, nossa insuperável e inseparável farinha.
Nesse quadro de preocupação alimentar diária, a mãe de família se virava em criatividade e economia para fazer render a matéria prima disponível. Então, nasceu o Escondidinho.
(Prof. Raymundo Moreira do Nascimento, advogado, jornalista e escritor)