Opinião

Como confiar numa Justiça que só quer mordomias?

Redação DM

Publicado em 9 de setembro de 2016 às 01:44 | Atualizado há 9 anos

Recentemente, a reboque de escândalos que pipocaram na mídia nacional, o Judiciário como um todo vem sendo bombardeado por fatos no mínimo vergonhosos.

Semanas atrás, a revista “Veja” estampou, como reportagem de capa, o envolvimento do ministro Dias Toffoli, do STF, na teia da Lava Jato, suspeito de beneficiar-se de benesses da empreiteira OAS, em reforma de um apartamento em zona nobre de Brasília, a mesma com que se envolvera Lula no tríplex do Guarujá e no sítio de Atibaia.

Mas o que se verifica é que dentre os membros de tribunais estaduais e das Cortes Superiores, quase que invariavelmente, as ações ilícitas, como o tráfico de influência, as negociações de decisões e até mesmo os crimes comuns ocorrem quase que exclusivamente com aqueles que vieram do chamado “quinto constitucional”, que ali chegam alavancados pelo apadrinhamento político ou por indicação de grupos econômicos, que pretendem – lógico! – cobrar nos julgamentos as indicações.

Na verdade, hoje só podemos mesmo confiar é no juiz de primeiro grau, com pouquíssimas ressalvas, pois no momento em que se chega a um órgão colegiado, a lei passa a ser aplicada ao sabor das conveniências. E a prova disso é que há meses editei o livro “Eu também acredito em lobisomem (ou como se distorce a lei no STJ)”, onde comentei esse fato, dei nomes dos ministros, transcrevi vergonhosas decisões e até hoje ninguém me interpelou.

Só no STJ, estão lá pelo quinto da OAB Francisco Falcão (entrou pela OAB no TRF-5, de onde veio para o STJ), Jorge Mussi (concorreu como desembargador do TJ-SC, mas ali chegou pelo quinto da OAB), Raul Araújo Filho (concorreu como desembargador do TJ-CE, aonde chegou pelo quinto da OAB), Ribeiro Dantas e outros. Entraram efetivamente pela classe da OAB, com apadrinhamento ou não, Antonio Carlos Ferreira OAB/SP), João Otávio de Noronha (OAB/MG), Maria Thereza Rocha de Assis Moura (OAB/SP), Sebastião Alves dos Reis Júnior (OAB/MG), e Ricardo Villas Bôas Cueva (OAB/SP). E o que nos assusta é que mais de 95% dos ministros envolvidos em escândalos são oriundos do quinto: Falcão, João Otávio de Noronha, Raul Araújo Filho, Benedito Gonçalves, todos do STJ, e por aí vai.

A esperteza começa no momento em que chegam a um Tribunal Superior, pois em vez de concorrerem pelo quinto, vão para a lista como “juiz de carreira”, usurpando a vaga dos que “ralaram” num penoso concurso público: entram num TJ empurrados pelo apadrinhamento (pois nerm sempre têm currículo, como o presidente do STJ até o dia 12 de setembro, Francisco Falcão,  e o Corregedor Nacional de Justiça, João Otávio de Noronha), que, não obstante desprovidos de qualquer mérito, estão ali empoleirados.

Vale o sacrifício de se submeterem a um político em busca das mordomias: salários astronômicos (sem se falar nos eventuais “por fora”), viagens nacionais e internacionais com acompanhantes, palestras remuneradas, visitas a países exóticos etc.

O jornal “Folha de São Paulo” de 22 de agosto último, em matéria de Frederico Vasconcelos, publicou que o atual presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, nos dois anos de mandato, passou quatro meses e meio viajando. Ele entrou no Tribunal Regional Federal de Pernambuco unicamente por ser filho do ex-ministro do STF Djaci Falcão, pois, a revista “Veja” de 16 de junho de 1999 chama-o de “advogado obscuro”, que nunca teve uma causa relevante, não publicou sequer um artigo, e, para completar, basta dizer que na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça do Senado em 1999 (que nunca reprovou ninguém) ele teve 19 (dezenove) votos contrários a sua nomeação, um recorde..

E durante seus dois anos na presidência das Corte, como disse acima, esteve ausente de seu gabinete, em viagens oficiais quatro meses e meio, quando visitou dez países, alguns deles mais de uma vez, e, em menor escala, a viagens pelo Brasil. Nos 135 dias em que se afastou da presidências, Falcão foi formalmente substituído pela vice-presidente, ministra Laurita Vaz, que assumiria o comando do STJ em 12 de setembro. E embolsou cerca de R$ 175 mil em diárias de viagem, dos quais R$ 158 mil referentes a viagens internacionais, quando esteve 20 dias na China, 16 dias no Japão e 15 dias nos Estados Unidos, e “representou o STJ em visita oficial” ao Judiciário da França e do Reino Unido, entre 15 e 19 de junho do ano passado. De lá, emendou com deslocamento para Tóquio, em visita ao Judiciário japonês, nos dias 25 e 26. Aproveitou a curta missão oficial para esticar sua estada japonesa, até 5 de julho, “em caráter particular”, sem se falar que também esteve em Cuba, Itália, no Vaticano, Paraguai e México. Foi duas vezes à França e três vezes ao Reino Unido.

Formalmente, Falcão viajou a título de representar a Corte em missões oficiais, participar de congressos e seminários, além de realizar visitas, a convite, ao Judiciário desses países. Na verdade, é um tremendo folgado. E nós, pagando a conta.

Ministros e servidores ouvidos pela “Folha”, dizem que Falcão frequentemente administrava o STJ à distância, em Pernambuco. Falcão tentou controlar o afastamento de magistrados para ir a eventos no exterior, sob alegação de economia e risco de prejuízo para o andamento dos trabalhos.

O “Consultor Jurídico” de 22 de outubro de 2015, como que para mostrar que Falcão adota o “faça o que mando, mas não faça o que faço”, sob o título de “Viagens de Francisco Falcão ao exterior são criticadas no STJ”, publicou: “Ao tomar posse na presidência do STJ, o ministro Francisco Falcão acusou seus colegas de cometerem abusos nas viagens para o exterior. E declarou guerra ao que ele chamou de turismo pago pelo tribunal. Depois de assumir o cargo, porém, Falcão parece ter mudado de ideia, como publicou o site ´Glamurama´. Só este ano ele já viajou para Paris, Londres, Roma e Japão. Ele agora está na China para um temporada de 15 dias, junto com o colega Herman Benjamin. Sua assessoria respondeu que todas as viagens foram oficiais, feitas a convite dos respectivos governos e sem comitiva, para reduzir custos. Segundo ministros da corte, Falcão convida embaixadores para audiências no tribunal e aproveita para falar de seu interesse em visitar o respectivo país e pergunta se o governo deles não costuma convidar presidentes de cortes brasileiras para estreitar o relacionamento dos Judiciários”.

Durante seu período presidencial, o STJ deveria ter arranjado uma corrente para prendê-lo à sua mesa e uma torquês para arrancar os pregos que seguramente havia na sua cadeira.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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