Condenados à Santidade
Redação DM
Publicado em 24 de março de 2018 às 23:54 | Atualizado há 7 anos
No último artigo (“Condenados à Liberdade”), vimos como a biologia cria um segundo eu dentro do nosso primitivo eu biológico, o “eu passional”. Este segundo eu, um eu mais racional, tem prazer em dominar os instintos do eu biológico. O filósofo holandês B. de Espinosa descrevia isso como um certo “prazer em perseverar no próprio ser”, e isso acontece porque o eu secundário, que é racional, não quer ser autodestruído pelas paixões desenfreadas do eu primitivo (p.ex., comida desenfreada, bebida, sexo, aventura, alegria desenfreada, tudo isso é destrutivo).
O psiquiatra austríaco S. Freud , pai da psicanálise, descrevia essas tendências autodestrutivas do eu primitivo como “pulsões de morte”, partindo do Id.
Esse eu secundário é um eu racional, é um eu laboral, ou seja, é um eu que gosta de ter a liberdade de criar, de trabalhar, de aprofundar-se nas coisas e nas realidades. O eu secundário, como dizia Espinosa, é um eu profundo, porque persevera no próprio ser, fixa-se no próprio ser. Ao fixar e aprofundar-se no próprio ser, este eu secundário profundo passa a sentir as coisas com menos superficialidade; por isto já estava escrito na Bíblia – há muito tempo, portanto – que o conhecimento traz sofrimento.
O “ser evoluído”, ou seja, que tem uma memória de trabalho mais profunda e mais forte (vide nosso artigo “Condenados à Liberdade”) é necessariamente mais afetivo, pois aprofunda-se também no afeto – e não só nas coisas materiais/científicas do mundo.
Ao aprofundar-se no afeto, aprofunda-se no amor, não quer produzir sofrimento nos outros – um sofrimento que, dada sua empatia, ele irá também ressentir. Atinge assim a “santidade moral”.
É por isso que o “verdadeiro intelectual”, pensador, é também um ser moral e é por isso que causa tanto espanto nas pessoas o verem que existem seres muito inteligentes e tão pouco morais. É o clássico paradigma do “Médico e o Monstro”, Hitler, Dr. House, Heidegger, Marquês de Sade, Sacher-Masoch, etc.
O intelectual verdadeiramente profundo, verdadeiramente autêntico, não se conforma com a inautenticidade de uma vida moralmente obscura, escondida, secreta. Não consegue ser transparente apenas na ciência, relegando o seu mundo interior à obscuridade de uma vida inautêntica; ou, se assim o fizer, irá sofrer enormemente com isso, como foi o caso de Dostoievski, Kafka, Einstein, Piaget, e tantos outros “gênios culpados”.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra ( hospitalasmigo@gmail.com ))