Opinião

Conflitos entre a justiça e a ética

Redação DM

Publicado em 6 de dezembro de 2016 às 01:30 | Atualizado há 8 anos

Esses dias recebi uma reclamação de um psiquiatra : “quando o Marcelo faz uma perícia ele critica o meu diagnóstico e tratamento”.

Gostaria de explanar isso em detalhes, me submetendo inclusive a críticas de quem quiser.

Eu faço perícias médicas psiquiátricas judiciais, daqueles casos que os médicos peritos do INSS já julgaram como não-merecedores de benefícios previdenciários. Os pacientes chegam com atestados médicos dizendo que são incapazes, os médicos do INSS julgam que não, e o juiz me pede para fazer o papel de “Advogado do Diabo”, ou seja, criticar o que tem de ser criticado. Meu papel é esse, não tenho como fugir, sou contratado para isso.

Aí começam os problemas . Os pacientes chegam dizendo que “não melhoraram nada”, “não estão bem com o tratamento”, “estão pedindo aposentadoria porque estão com o mesmo médico, o mesmo diagnóstico, o mesmo tratamento, há anos e anos, e não obtêm melhora”. É evidente que – excetuando-se os de má-fé – se o paciente está pedindo benefício é porque não está bem, não se recuperou, a doença não deixa trabalhar, etc. Só que o paciente, quando volta para seu médico assistente, não fala isso para ele. Só diz que foi o perito que disse que ele não estava bem, que tinha de buscar outro médico, diagnostico, tratamento, exames, etc…

Outro problema são pacientes com diagnósticos equivocados, ora ditos esquizofrênicos que são bipolares, ora tratados com neurolépticos que sedam, discognitivizam , enfraquecem, tiram vontade, levam a diabetes, hipertensão, obesidade, discinesias, acatisias, etc. O que eu teria de fazer ? Omitir isso ? Outros são aqueles bipolares que “não melhoram com uma carrada de antidepressivos” , o que é obvio, pois em muitos casos os antidepressivos pioram a bipolaridade. Outros são aqueles usando neurolepticos fortes apenas para dormir ( hipnóticos), outros são aqueles com cafeinismo, tabagismo, severos, e que nunca tiveram estas condições contempladas pelo médico assistente.

Então eu , como perito, tenho de dizer que aquela doença tem tratamento, não precisaria ser incapacitante como é, que poderia ter uma modificação de diagnostico, que poderia ter uma modificação de tratamento, poderia ter um tratamento para tabagismo, etc, e que tudo isso poderia fazer com que o paciente tivesse restaurada sua capacidade laboral.

E, tudo isso, ou seja , informações sobre exames, doenças, tratamentos, remédios, com muito poucas linhas por parte do médico assistente. Por exemplo, num laudo pericial podemos até dizer para o juiz que um “lítio poderia melhorar o paciente”, e pode ter acontecido este paciente já tenha usado lítio com seu médico assistente. E pode não ter resolvido… Mas, e se o médico assistente não coloca isso em seu relatório ? Se o médico é muito lacônico, não explicita tudo ? A culpa será do perito ?

Uma colega, discutindo comigo sobre o tema,  me critica : voce deveria ater-se à perícia e não ao diagnóstico e tratamento do periciado. Eu respondo: por meio de quesitos, juizes, promotores, advogados, me perguntam pela doença, CID, tratamentos feitos, prognósticos, tratamentos possíveis, possibilidade de recuperação, etc. Como responder tudo isso poupando o médico assistente ? Para poupa-lo em seu trabalho imperfeito , em nome de uma pretensa “ética” , eu teria de tornar o meu incorreto ?

E aqueles pacientes que dizem que no Governo não são atendidos por psiquiatras ? Que são atendidos muito rapidamente ? Que o médico não faz psicoterapia ? Que o médico não explica nada ? Aí, quando , no laudo pericial, a gente diz que o caso é complexo, precisa de psicoterapia, de especialista, de consultas amiúdes, de aprofundamento com exames, de explicação de diagnósticos e tratamentos, aí o paciente diz : “está falando para mudar de médico, está falando que meu médico não presta, meu médico é incompetente”.

Aí muitos pacientes vêm e perguntam : “então o Sr. Está dizendo que o diagnóstico está errado ?”. “O Sr. Está dizendo que eu tenho de fazer outro tratamento ?”. “O Sr. Está dizendo que eu tenho de mudar de médico ?”.

Eu sempre digo : “não falei nada disso, é o Sr. Que está colocando palavras na minha boca”. Mas, evidentemente, que o paciente irá fazer o melhor uso disso, a seu favor e a desfavor do perito.

De qualquer forma, minhas sinceras desculpas se ofendi alguém.

Em síntese, é muito difícil ser um Advogado do Diabo e não morar no inferno…..

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)

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