Confraria dos infelizes
Redação DM
Publicado em 14 de agosto de 2018 às 22:03 | Atualizado há 7 anos
Querer ser explorador nas ilhas Fiji seria dar uma de retardatário Indiana Jones – assim aventurando-se em suspender a insanidade do frenético movimento do animal humano rumo à destruição de si próprio e das fontes provedoras de vida. Ou quem sabe seria uma tentativa de reencontrar a extinta pureza que nos lugares intocados da natureza ainda possa existir.
Talvez não seja mais possível, nem sendo muito sonhadores, deixar de ser trágicos atores de um reality-show do qual não possamos nos demitir. Como no filme O show de Truman, o caso verdade da vida vertiginosa e vazia em que vivemos. Para Ezra Pound, um homem querendo escrever o melhor poema poderia faze-lo ao retirar-se em uma fazenda solitária. Coisa impossível de se ter, uma vez sabendo-se que não há solidão possível onde haja uma antena de tevê, e um aparelho ligado.
Hoje um poeta deve se contentar em apenas sobreviver, nas megalópoles trepidantes – só nelas, vivendo no risco de um trapezista que mandou tirar a rede de proteção, podemos fazer o poema da nossa vida – ou da nossa morte, a nos espreitar, em cada esquina, podendo chegar do modo mais imprevisto. Na melhor das hipóteses, poderá o poeta vivenciar a urbanização de sua morte vertiginosa.
Cidades são como as mulheres: as que mais nos fascinam, por serem desconhecidas, são as mais perigosas. Pois há desastres tão terríveis que se vê no lucro quem sofreu owerbuck. Outras viagens são tão trágicas que sequer deixa cadáveres em seu rastro de destruição. Despedaçadas, a vagar entre as ondas do vasto oceano, os corpos são engolidos pelas vagas, roubando todas as esperanças dos que ficaram chorando. Não têm ao menos o oblívio do corpo no calor da terra, revelando aos que ficaram o quanto somos frágeis.
Tudo não conhecido tem gosto de estrume a quem tem na boca o sal do costume. Quanto ao medo, ministra-lo e sofrê-lo é uma forma segura de morrer mais cedo. Com freqüência recebo convites de infelizes crônicos para ingressar no clube seleto de sua militância compulsiva. Nem me dou ao trabalho de abrir as correspondências. Eles que fiquem com a pompa e a circunstância de seus paletós engomados. Deus não joga dados a esmo, prefiro ser feliz com meus comigos, nos jardins secretos de mim mesmo.
E digo não, não quero participar do fogo-fátuo de seus jogos egóicos. Relembro então os versos de Raul Seixas, maluquete beleza: “Eu digo não/muito obrigado/cansei de desmaiar no salão/muito obrigado/eu já estou calejado/não quero viajar na contra-mão”. Com mira ou com má pontaria, acertando ou errando na rima, mesmo rimando amor e dor – estar vivo no desejo, na fogueira da paixão, é a única solução.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista.Ocupa a cadeira 25 da Academia Goiana de Letras)