Confusão suprema
Diário da Manhã
Publicado em 22 de março de 2018 às 22:59 | Atualizado há 7 anos
Não há dúvidas: os brasileiros vivem sob um regime democrático. Também sobram evidências de que nossa Democracia é jovem, quase criança, daí os exageros decorrentes da falta de maturidade. A troca de insultos ocorrida dia 21/03, entre os ministros do STF Luiz Roberto Barroso e Gilmar Mendes, em plena sessão, por exemplo. “Pessoa horrível”, “mistura do mal com atraso”, “vergonha do tribunal”, foram algumas das expressões com que Barroso contemplou Mendes. Em defesa da decência, a presidente Carmen Lúcia suspendeu os trabalhos por meia hora. Mas ainda foi ouvida uma grave acusação de Gilmar Mendes ao colega, em forma de sugestão: a de que deveria “fechar” seu escritório de advocacia. O nível, é irrecusável reconhecer, foi o de desavenças entre moleques de rua, na ausência dos pais.
Forçoso é reconhecer o caráter delicado, até espinhoso, do exercício das funções de ministro do STF. O cargo sempre foi muito exigente. Mas nestes tempos modernos, os atuais, por maiores que sejam os conhecimentos jurídicos, o bom senso, a habilidade, tudo isso reunido ainda poderá ser insuficiente. O assunto mais polêmico da pauta, no momento, é o pedido de “Habeas Corpus” preventivo que visa livrar da prisão o ex-presidente Lula, já condenado em segunda instância. Milhões de brasileiros bradam nas redes sociais, em cartas aos veículos de comunicação e nas ruas exigindo o recolhimento de Lula. Outros tantos quantos milhões, da mesma forma, exigem o contrário e, de quebra, desejam o ex-presidente de volta ao Planalto. A batata quente, quentíssima, está no colo dos 11 ministros do Supremo. O Brasil acompanha, ao vivo e em cores.
O Supremo tem culpa pela sua própria inserção na cena política, por imiscuir-se em assuntos que fogem à sua alçada. Exemplo recente é haver proibido a nomeação da filha do deputado cassado Roberto Jefferson, a deputada Cristiane Brasil, para o Ministério do Trabalho e Emprego. A falta de qualificação da deputada para aquelas altas funções é evidente. Foi indiretamente reconhecida pelo próprio Jefferson ao dizer, entre lágrimas, que o convite de Temer à filha significaria o resgate “de nossa família”. Ora, os ministérios do Governo devem ser destinados a quem os engrandeça, não carentes, moralmente, de resgate.
Mas é forçoso reconhecer que o STF não poderia proibir a nomeação. Cristiane está no pleno gozo de seus direitos políticos, tanto que é deputada federal. Entrando nessa briga, o Supremo reivindicou para si o protagonismo, também, na cena política. Daí as cobranças e os protestos de setores da sociedade. Até tomate já foi atirada em carro de ministro.
Fragilizado pela impopularidade de seu governo, Temer ficou acuado. Afinal, por mais de uma vez teve contra seu governo pedidos de investigação. Mas por que algum de seus antecessores, a exemplo de FHC, não enfrentou processos semelhantes. Alguém se acha em condições de dizer que as propinas aos parlamentares, para que estes aprovassem a mudança da Constituição visando à reeleição não foi crime?
Crime e grave. Comprovado por dois deputados do Acre. Os dois, claro, não mandavam num parlamento de 513 integrantes. Mais gente entrou na grana. Bastou FHC dar o mote:”Estas coisas, – ele disse – a gente sabe como começa mas não como termina”.
O processo que derrubou Dilma todos sabemos como teve início. Mas os fatos que o sucederam estão em curso.
Como vivemos numa jovem Democracia, que o Supremo tenha a sabedoria, o equilíbrio e o discernimento indispensáveis a bem cumprir a parte que lhe cabe nesta confusão.
(Valterli Guedes, advogado, articulista e repórter especial do Diário da Manhã)