Opinião

Conto de fadas da militarização escolar

Diário da Manhã

Publicado em 20 de agosto de 2018 às 23:27 | Atualizado há 7 anos

Sou con­tra a mi­li­ta­ri­za­ção das es­co­las co­mo pla­no de go­ver­no. Se vo­cê não é, pro­va­vel­men­te tem al­gu­ma his­tó­ria com o mi­li­ta­ris­mo ou es­tá sen­do ino­cen­te o bas­tan­te pa­ra acre­di­tar no con­to de fa­das da mi­li­ta­ri­za­ção es­co­lar co­mo a so­lu­ção pa­ra os fran­ga­lhos em que se en­con­tra a nos­sa edu­ca­ção pú­bli­ca.

Não vo­ta­rei no PT. Sou pro­fes­sor há mais de 10 anos, pós-gra­du­a­do em lin­guís­ti­ca apli­ca­da na edu­ca­ção, pes­qui­sa­dor. Tam­bém co­nhe­ço a re­a­li­da­de das es­co­las das pe­ri­fe­rias, das mu­ni­ci­pa­is, es­ta­du­ais, mi­li­ta­res e fe­de­ra­is. Sou pai, que­ro e lu­to por uma edu­ca­ção me­lhor. Tra­ba­lho na re­de pú­bli­ca e par­ti­cu­lar, res­pi­ro edu­ca­ção 24 ho­ras por dia. En­tão, não le­van­to ar­gu­men­tos ba­se­a­dos em achis­mo.

As es­co­las mi­li­ta­res são mo­de­los em edu­ca­ção? Sim. Do mes­mo mo­do que as fe­de­ra­is, as par­ti­cu­la­res e al­gu­mas mu­ni­ci­pa­is e es­ta­du­ais que pos­su­em um mai­or in­ves­ti­men­to por par­te do po­der pú­bli­co. Ago­ra, res­pon­da-me, o que faz com que es­sas es­co­las se­jam di­fe­ren­ci­ais em edu­ca­ção? Se res­pon­der que é a dis­ci­pli­na, en­tão vo­cê es­tá de acor­do com o meu pen­sa­men­to – pa­ra ter dis­ci­pli­na não é ne­ces­sá­rio ser mi­li­tar.

Se al­guém pro­me­ter al­gum mi­la­gre pa­ra sal­var a edu­ca­ção bra­si­lei­ra da in­dis­ci­pli­na, do anal­fa­be­tis­mo, da eva­são es­co­lar, da des­va­lo­ri­za­ção, da mar­gi­na­li­za­ção, não acre­di­te. Não há mi­la­gre, o que di­fe­ren­cia es­ses cen­tros edu­ca­cio­nais dos de­mais é, ob­via­men­te, re­ce­ber um mai­or in­ves­ti­men­to por par­te do po­der pú­bli­co. Qual­quer pro­mes­sa, além des­sa, é me­nos­pre­zar sua in­te­li­gên­cia. Não se­ja ino­cen­te, con­tos de fa­das são im­por­tan­tes, mas são ape­nas ale­go­ri­as, não os en­ten­da co­mo a re­a­li­da­de.

No mais, vo­cê já ou­viu fa­lar de al­gum pa­ís que im­plan­tou um pla­no de go­ver­no, co­mo es­te, e ho­je é re­fe­rên­cia em edu­ca­ção no mun­do? Fin­lân­dia, Co­reia do Sul, Hong Kong, Ja­pão, Cin­ga­pu­ra, to­dos es­tes apos­ta­ram no in­ves­ti­men­to em edu­ca­ção.

Se vo­cê es­tá pen­san­do: mas so­mos um pa­ís po­bre, sa­que­a­do pe­los po­lí­ti­cos e não te­mos ver­bas su­fi­ci­en­tes pa­ra in­ves­tir em edu­ca­ção pú­bli­ca de qua­li­da­de. Nes­se ca­so, vo­cê con­cor­dou co­mi­go, pois pa­ra cri­ar ou­tros co­lé­gios, com o mes­mo pa­drão dos mi­li­ta­res, é jus­ta­men­te is­so que o go­ver­no te­rá que fa­zer, in­ves­tir em edu­ca­ção. Ou se­ja, não irá fa­zer, é só uma es­tra­té­gia, marke­ting po­lí­ti­co.

Se vo­cê es­tá len­do es­te ar­ti­go co­mo uma crí­ti­ca aos co­lé­gios mi­li­ta­res, vo­cê não foi ca­paz de en­ten­der a te­se, re­leia a in­tro­du­ção. Não sou con­tra os co­lé­gios mi­li­ta­res, re­co­nhe­ço a efi­ci­ên­cia e a im­por­tân­cia des­tes pa­ra a so­ci­e­da­de. Po­rém, is­so não po­de ser co­lo­ca­do co­mo pla­no de um go­ver­no sé­rio, que te­nha a in­ten­ção de me­lho­rar a edu­ca­ção de um pa­ís.

As pes­so­as con­fun­dem. Co­lé­gios mi­li­ta­res são mo­de­los não por im­por dis­ci­pli­na, e sim por ter mai­or in­ves­ti­men­to que os de­mais. Não há mi­la­gre, só exis­te uma ma­nei­ra de me­lho­rar a edu­ca­ção: in­ves­tir em edu­ca­ção. Não que­ren­do dar spoi­ler, mas, o que lhe dis­ser além dis­so, é uma pia­da de mal gos­to, é tra­tar o in­ter­lo­cu­tor co­mo des­pro­vi­do de in­te­li­gên­cia, é o con­to de fa­das da edu­ca­ção, da­que­les que eu e vo­cê já sa­be­mos o fi­nal.

 

(Pau­lo Mar­tins, pro­fes­sor, es­cri­tor e au­tor do li­vro “Va­mos Con­ver­sar: crô­ni­cas” (2017). E-mail: pau­lo.lin­gua­gens@hot­mail.com)


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