Opinião

Cor da pele ou controle racial?

Diário da Manhã

Publicado em 17 de agosto de 2016 às 03:18 | Atualizado há 9 anos

Nesse momento a divisão político-econômica do mundo não é mais entre esquerda e direita mas entre abertura e fechamento, obviamente do mundo social, dentre outros aspectos, com os que querem mantê-lo com a sociedade aberta, mesmo cheia de inimigos desde antigamente, e os que defendem barreiras, muros e isolacionismos, para mantê-la fechada e dominá-la, como deseja Donald Trump, nos EUA. Cá no Brasil, também com forte segmento social defensor dessa “ideia” absurda, controlista e racista, o governo do presidente interino Temer ainda não sabe definir o que significa segmento étnico negro. Todos os critérios adotados para defini-lo, são insuficientes, no mínimo, polêmicos ou apelidados complexos, a formula adotada pela elite política do país para preterir ou sempre adiar as soluções dos reais problemas nacionais. O caso ligado ao negro, é sintomático, exigindo-me fazer uma indagação:

Por que a abolição dos escravos negros do Brasil gerou a mais abjeta, estranha e injusta das liberdades do mundo: a de não ter o que vestir, o que comer, onde morar, para onde ir, de ser analfabeto, não ter educação, emprego e até a de ser a escória dessa sociedade, como escravo de outras escravidões ainda existentes? Nunca vi liberdade mais esquisita, certamente mostrando o porquê nem o presidente da República Temer, apesar da erudição jurídica e a sapiência acadêmica, consegue saber o que significa ser negro no Brasil. Por certo, não quer sabê-lo. A velha visão dominadora e racista de nosso racismo mascarado, de que está impregnado, não deseja que se estude e propague o assunto, que deve permanecer pouco conhecido, objeto somente da preocupação de alguns raros estudiosos, muitos deles estudando e tratando o negro sem entrar na essência do fenômeno analisado. Ai estão os que esquecem que a análise da forma dos fenômenos não é ciência, como diria oportunamente o consagrado historiador e sociólogo Clóvis Moura, “mas relatório empresarial, trabalho cansativo de dados para serem usados posteriormente pelos detentores do poder, como material subsidiário aos seus planos de controle social”.

Isto mesmo: o governo federal, através do Ministério do Planejamento, passará a verificar se os candidatos que se declaram negros para disputar concursos públicos para cargos federais por meio do sistema de cotas são realmente pretos ou pardos, conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É a Informação do jornal Folha de São Paulo (03/08/2016, Cotidiano B9), noticiando sobre a norma fixada pelo Ministério referido do governo Michel Temer (PMDB), estabelecendo a criação de comissões para verificar se é verdadeira ou falsa a autodeclaração dos negros e pardos. Trata-se de critério já adotado em 2014 pela UNB, causando enorme polêmica, sem representar, contudo, a última das verdades, que no dizer do filósofo Albert Camus, é a mais importante delas. Em suma, qual é o melhor critério? As entrevistas foram abortadas. De todo modo, alem do cediço “controle social”, essas comissões já não seriam um perigoso e anacrônico “controle racial?”, para não chamá-lo “Tribunal Racial”? Ora, se insistimos nas cotas “raciais”, como assevera o notável jornalista Hélio Schwartsman, do jornal acima citado (A2 Opinião, 05/08/2016), “o único caminho sensato é a autodeclaração”. Acredito não haver modelo melhor.

Sei que a criação de comissões é polêmica a partir do âmbito jurídico. Imaginem comprovar a autodeclaração, segundo a nova regra, considerando só os aspectos fenotípicos, a aparência do candidato! Sabendo-se que os negros são os mais prejudicados pelas fraudes comuns, no caso das comissões, a autodeclaração é importante até como instrumento para ajudá-los a acordar, sobretudo os da alma branca, não esquecendo que os brancos são espertíssimos. Lembrem-se: o direito não socorre os que dormem (Dormientibus non socorrit ius), notando-se que ainda há grande número de negros com vergonha de assumir a negritude, vítimas de secular dominação ou inditosa alienação, a serem extirpadas. Desde que escrevi Racismo à Brasileira: raízes histórica, em 1985, ora reimpresso em 4ª edição, sei o quanto a velha polêmica sobre existência ou não de raças, vem prejudicando os povos negros. Agora, sob disparatada decisão do governo, anunciando um perigoso apartheid, para não dizer um iminente controle racial. O que vejo, decerto, confirma as sandices que o pensador Jessé Souza chamou num livro de “A Tolice da Inteligência Brasileira” (2015).

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHG-GO, UBE-GO, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM ([email protected])


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