Opinião

Cota não é esmola

Redação DM

Publicado em 2 de junho de 2022 às 15:18 | Atualizado há 3 anos

A música intitulada Cota não é esmola foi lançada em 2011 e composta por Bia Ferreira, uma ativista negra. A apresentação mais emblemática da canção está registrada no canal Sofar Latin America no Youtube e conta com mais de 12 milhões de visualizações.

Ela foi escrita após um almoço entre a cantora, seus pais e amigos alemães da família. Durante a refeição, a filha do casal alemão mencionou que não havia conseguido obter uma vaga em uma universidade brasileira, porque algum cotista tomara sua vaga. Ante a fala, nenhuma refutação por parte dos ouvintes foi proferida, por conseguinte Bia retirou-se inconformada com o que ouvira e viu a necessidade de conscientizar as pessoas sobre a motivação histórica da criação das cotas.

Na apresentação no canal Sofar Latin America, Bia brinca com a sonoridade para imprimir dinâmica ao assunto abordado e facilitar o entendimento da mensagem. Em alguns momentos, ela aumenta ou reduz a velocidade rítmica e, também, o tom da voz para atrair a atenção dos ouvintes. Outro ponto relevante é a escolha do gênero rap — palavra do inglês que resulta da menção das iniciais da expressão rhythm and poetry, ritmo e poesia em português —, comumente, acionado como meio de manifestação de questões sociais, como, por exemplo, racismo e desigualdade social. Além disso, a plateia é composta, em sua maioria, por pessoas brancas, um contraste que aguça a curiosidade dos usuários da web, pois a cantora declama versos sobre cotas raciais, racismo e desigualdade social de forma carismática, sem temer os olhares que podem surgir.

Ao longo dos versos, Bia narra a história de uma mulher negra, pobre e da comunidade — às vezes, parece um relato pessoal, como se estivesse falando de si. A moça da canção enfrenta vários percalços, como más condições de alimentação, busca por aceitação e dificuldade de chegar à escola, pois lhe falta o dinheiro da condução, afinal, ou come ou estuda. Sem contar que, ao chegar à escola, não consegue entrar, porque está atrasada.

Esse contexto permite aos interlocutores imaginarem o cenário da história e perceberem que as cotas raciais não tratam do favorecimento de uns e do desamparo de outros: consistem em uma medida cujo princípio é a equidade a fim de alcançar-se a igualdade. Assim, o que a cantora expõe é que há diferença de oportunidades as quais geralmente são mais oferecidas a quem é branco e pertencente a uma classe social privilegiada.

Em 2012, foi aprovada a Lei de Cotas — Lei nº 12.711/2012 — cujo artigo 3º trata, entre outros, dos autodeclarados pretos e pardos. Os que são favoráveis a esse tipo de medida utilizam como argumentos o racismo presente no País, em que um grupo é privilegiado em detrimento de outro por causa da cor da pele e o passado escravista. O grupo contrário expõe que, se uma pessoa não alcançou a vaga em uma universidade ou em um bom emprego, é porque não se esforçou o bastante — a tal meritocracia — e que todos os brasileiros são iguais não importando sua cor.

Efetivamente, ao cantar que cota não é esmola, Bia Fernandes afirma que semelhante política é uma forma de reparar os prejuízos causados, ao longo dos anos, às pessoas negras e aos pardos e indígenas, pois esses dois últimos também fazem parte de grupos sociais marginalizados. O uso do termo esmola justifica-se por não se tratar de um favor do Estado, e sim de uma conquista com base na luta dos que sofreram e ainda sofrem com a exclusão de acesso ao ensino superior.

Por fim, um convite é feito: “Chega junto, venha cá, você também pode lutar e aprender a respeitar”. E assim Bia explicita que a luta tem que ser conjunta, que é importante o diálogo e a desconstrução de paradigmas racistas estabelecidos.

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