Crença e prática religiosa condicionam privilégios – II
Diário da Manhã
Publicado em 10 de janeiro de 2018 às 01:03 | Atualizado há 7 anos“Qual o componente ‘social’ específico que é importante vencer com a intenção de abolir o judaísmo e seu deus mundano, o dinheiro, numa Terra que não passa de uma bolsa de valores, convencido de que o seu único destino neste mundo é tornar-se mais rico que o vizinho?”
(MARX)
Não é o “homem” que prevalece no chamado Estado cristão, mas sim a “alienação”, onde o “Rei” é o único homem que importa. E diferenciado dos outros homens, religioso, inteiramente ligado ao céu e a Deus, o que retrata relações de fé nas quais o espírito religioso não se encontra realmente secularizado, atesta Marx, em “A Questão Judaica”. A consciência religiosa dissemina-se na riqueza da contradição e diversidade religiosas. Sua consumação é o Estado que se reconhece simplesmente como Estado e separa-se da religião dos seus membros. O desajustamento e a incoerência não residem inteiramente em vocês, mas na “característica” e categoria da emancipação política. Os conceitos dos direitos do homem só foram adotados no mundo cristão no último século: “A liberdade como direito do homem não se baseia nas relações entre homem e homem mas sim na separação do homem a respeito do homem” (p. 32).
De acordo com a “Declaração dos Direitos do Homem”: “Toda a associação política tem por objetivo a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem” (1791). Segundo Robespièrre “a liberdade de imprensa não deve ser permitida quando compromete a liberdade pública”. A revolução política aboliu, portanto, o caráter político da sociedade civil, dissolvendo-a nos seus elementos simples, de um lado, os indivíduos, do outro, os elementos materiais e culturais que formam o conteúdo vital, a situação civil destes indivíduos. O homem não emancipou da religião, mas sim, recebeu a liberdade religiosa, não ficou livre da propriedade; recebeu a liberdade da propriedade, o que delega a emancipação humana a um tempo onde o homem real e individual tenha em si o cidadão abstrato, reconhecido e organizado em suas forças sociais e políticas. De acordo com Bauer “o cristão precisa apenas subir um grau, alçar-se acima da sua religião” (p. 37).
O judeu, em contrapartida, precisa deixar não só com a sua característica judaica, mas livrar-se do processo para cumprimento da sua religião, que lhe ficou estranho. Qual o componente “social” específico que é importante vencer com a intenção de abolir o judaísmo e seu deus mundano, o dinheiro numa Terra que não passa de uma bolsa de valores, convencido de que o seu único destino neste mundo é tornar-se mais rico que o vizinho? Qual a verdadeira base da religião judaica? A necessidade prática, o egoísmo, quando “o dinheiro é o valor universal e autossuficiente de todas as coisas”, a essência alienada do trabalho e da existência do homem; esta essência domina-o e ele presta-lhe culto e adoração. Secularizado, o deus dos judeus tornou-se o deus deste mundo. A emancipação do judeu é a emancipação da sociedade a respeito do judaísmo (p. 44).
Em “A Sagrada Família”, Marx afirma que “diante da lei e do juiz tudo é igual, grande e pequeno, rico e pobre. Esse artigo se encontra logo no início do credo do Estado”. A abelha não se sente verdadeiramente em sua casa, a não ser quando está no ar e sobre as flores? Quando mexendo com realidades, maçãs, morangos, amêndoas, eu formo a ideia abstrata, a fruta, quando, indo mais longe, eu imagino que minha ideia abstrata, a fruta, deduzida das frutas reais, é um ser que existe fora de mim e, ainda mais, constitui a verdadeira essência da pera, da maçã. Aquilo que existe de essencial na pera ou na maçã não é ser pera ou maçã. O que é essencial nessas coisas não é o seu ser real, perceptível aos sentidos, mas a essência que eu tenho dela abstrata e que lhe atribuí, as frutas reais são apenas frutas aparentes, cuja verdadeira essência é a “substância”, “a fruta” (p. 59-60).
A razão é que responde o filósofo especulativo, “a fruta” não é um ser morto, indiferenciado, imóvel, mas um ser dotado de movimento e que se diferencia em si. Szeliga dissolveu relações reais, como o direito e a civilização, ao nível especulativo de Hegel quando ele transforma “o mistério” em um sujeito autônomo que se encarna nas situações e nas pessoas reais, cujas manifestações vivas, e, depois de ter recebido, a partir do mundo real, a categoria do “mistério”, ele cria o mundo real a partir desta categoria. Com relação a criaturas ideais, elas se entregam, assim, ao amor misterioso, vítimas do “casamento sem amor”, involuntariamente obrigadas a rebaixar o próprio amor a alguma coisa do exterior, a isto que chamamos ligação, e a considerar o elemento romântico, o mistério como o próprio coração, a vida e a essência do amor (Marx, 2001, p. 65).
Não é a sensualidade que é dada para o mistério do amor, são os mistérios, as aventuras, os obstáculos, as angústias, os perigos, sobretudo a atração do fruto proibido (p. 67). Para as pessoas que ficaram no átrio, é a própria capela que constitui o mistério. Em sua posição exclusiva, a cultura é, portanto, para o povo aquilo que a grosseria é para o homem culto. Szeliga visa dois objetivos: fazer do mistério encarnado no círculo exclusivo do alto voo, o “bem comum do mundo”. A cultura não pode nem quer fazer entrar ainda na esfera todas as ordens da sociedade e todas as desigualdades. Somente o cristianismo e a moral são capazes de fundar nesta terra reinos universais. A indústria e o comércio fundam outros reinos universais além do cristianismo e da moral, a felicidade familiar e a prosperidade burguesa. (p. 71-72).
Qual é, portanto, este mistério que agora se tornou bem comum do mundo? Depois que o mistério, por meio do aborto e da embriaguez, se tornou o bem comum do mundo, ele não é, portanto “absolutamente, o estado da coisa escondida e da coisa inacessível em si, mas o fato de que a coisa dissimula, ou, melhor ainda (de melhor a melhor!), que eu a dissimulo, que eu torno inacessível”.
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor, filósofo, professor universitário, mestre em Serviço Social e doutorando em Ciências da Religião/PUC-Goiás, mestrando em Direitos Humanos/UFG)