Brasil

Curandeiro, rezador e raizeiro são parecidos

Redação DM

Publicado em 15 de janeiro de 2016 às 23:58 | Atualizado há 10 anos

Embora o povo considere sinônimos os termos curandeiro, rezador e raizeiro, existem diferenças entre estes três tipos muito comuns no sertão, que Eduardo Campos (in Medicina Popular do Nordeste, 3ª edição, Edições “O Cruzeiro”, 1967, págs. 32/33) define com muita propriedade:

“O curandeiro, de um modo em geral, destaca-se pelo tratamento que ministra aos doentes, empregando, de preferência, garrafadas preparadas de acordo com receitas especiais que variam de um para outro. Quase sempre, o veículo nelas encontrado é o próprio álcool, por si bastante forte para dar alento enganatório ao enfermo, no momento de sua ingestão. Esse tipo de garrafada muitas vezes lança o doente numa prostração muito séria. Receita também meizinhas compostas de raízes, ervas outras mixilangas medicinais, empregadas com êxito em muitos casos.

Destacam-se esses tipos pela maneira importante com que ministram sua medicina, pelas palavras difíceis com as quais costumam explicar a origem e a natureza das doenças numa falsa sabedoria. Geralmente afirmam ter o “corpo fechado”, desde pequeno, ou simplesmente se anunciam “curados de cobra”, sabendo receitas e orações que favorecem a terceiros idênticas imunidades.

O rezador é outro tipo. Destaca-se do curandeiro pelo poder de suas orações. É servido por uma força de sugestão, favorecida pela situação de depauperamento do paciente e pelo respeito que lhe sabe infundir. Torna-se famoso pelas orações e mágicas com que trata as enfermidades que acometem os animais, sendo capaz de “curar pelo rastro” uma rês que tenha desaparecido do curral, perdida pelo mato. O sertanejo, crédulo, conta como os “bichos” largam a “bicheira” dos animais, caindo mortos ao chão, dias após a reza, e às vezes até na hora.

Raizeiro – apesar de estar mais próximo do curandeiro, difere deste. É bastante curioso dos assuntos da nossa farmacopeia, considerando os remédios chamados “do mato” melhores do que os receitados pelos médicos, por serem naturais e empregados com toda a força e “sustança” da Natureza. No interior, o raizeiro confunde-se com o curandeiro, e vice-versa. Na cidade, porém, possui identidade caracterizadora. Sentado por trás do seu balcão de ervas e essências, vive atendendo às consultas de seus clientes, que se contam, às vezes, “por dezenas”.

Ao lado da flora, a fauna também oferece elementos que a experiência sertaneja convencionou serem remédios. E com maior importância aparecem os fatores místicos: as rezas, as simpatias, calcadas nas superstições que rondam cada ranchinho de palha, cada porteira de curral, cada sertanejo.

Não se pode negar a enorme influência das superstições na vida do homem rústico do sertão. Não só as doenças justificam os costumes de apego às crendices: para qualquer circunstância existe uma superstição – se o tempo está chuvoso, existe o olho-de-boi feito com o dedão do pé (“hálux”), girando em torno do calcanhar, à maneira de compasso; se o sol ameaça a colheita, molha-se a cruz-das-almas ou rouba-se uma imagem de santo de uma igreja; se alguém põe mau olhado, reza-se contra o quebranto, que se diferencia do mau olhado porque a vítima daquele é uma pessoa, enquanto que a vítima do mau olhado é planta ou animal.

A par das superstições e rezas, existe a invocação aos santos tidos como padroeiros de determinados doentes e funcionam como protetores nas horas de aflição: Santa Luzia (dos olhos), Santa Apolônia (dos dentes), São Valentim (epilepsia), Santa Margarida (parto), São Lázaro (lepra), São Brás (engasgo), São Bento (veneno de cobra), e assim por diante.

O mau olhado, que bota o quebranto e periga as doenças, existe; a mão ruim, que seca a planta cujo fruto colheu e que encrespa o cabelo que cortou, também existe. Tudo isto é um mistério para a ciência, que, na era dos órgãos artificiais e dos transplantes rotineiros, sente-se incapaz de curar do quebranto, que o preto velho analfabeto cura com um galho de pimenteira ou um raminho de arruda, como num passe de mágica.

Milhares e milhares de casos ocorrem diariamente e são curados com o poder da reza. Os males do gado, que tantas reses arrasta para a morte, é contido, em grande parte, pelas benzeduras. A manqueira, a caruara, o mal-de-pontas e outras doenças não grassam livremente nos rebanhos sertanejos, que a imaginação e o misticismo do homem rústico lhes aplica o re¬médio adequado.

 

 (Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado)


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