Opinião

Delírios deturpados

Redação DM

Publicado em 27 de dezembro de 2017 às 22:48 | Atualizado há 7 anos

Muita gente vive como se fizesse parte de um espetáculo teatral. Prosseguem maquiavélicos por trás das cortinas e se escondem no secreto de seus armários, levando secretos an­seios, desejos, torpezas e muitas maldades.

Isto porque não haveria razão para esconder bondade, fa­zendo um papel de vilão (escondendo a face de bom samari­tano) diante daquelas pessoas afugentadas por suas vicissitu­des. Muitos querem conquistar pessoas, bens materiais (todo o ouro que não levará desta vida) etc. Portanto, quem esconde, camufla sua ruindade.

Muitos vivem a ambiguidade natural do seu yin young, uma fúria sinistra e sombria em meio à beleza suave das suas luzes. Como se sua máscara social fosse um verdadeiro escu­do necessário para viver essa vida.

Antes mesmo que o primeiro ator Téspis, do teatro ociden­tal, ter usado uma máscara para fins dramáticos, a sociedade já tinha passado a empregar máscaras invisíveis para garantir o disfarce, todo tipo de encobrimento e dissimulação, diante de uma sociedade já subjugada por suas normas, leis, escra­vidões e dominada por tantos modismos, regras e padrões vi­gentes. Eis aí o conflito da vontade e o da norma de convivên­cia social.

No conto O Espelho, do Machado de Assis, ele aborda essa questão dos conflitos sociais, sendo praticamente impossível viver fora das determinações já impostas, do que se tem por convencional. No conto, o papel social absorve a essência hu­mana, e a personagem sustenta sua aparência com a máscara.

É o velho conflito da essência e da aparência. Dos muitos lobos em pele de cordeiro que a sociedade nos apresenta. São sedentos pecadores transfigurados em tenros religiosos, po­líticos corruptos fingindo uma transparência cordial, e mui­tos inclusive camuflam suas opiniões, gostos, apreços, estilos e até mesmo a sexualidade.

Não há justificativa para tanto. Ainda que alguma másca­ra seja necessária para a inclusão social ou garantia da sobre­vivência, esse argumento, por si só, é um engano egoísta que vislumbra os interesses pessoais. Quem não se adapta aos padrões convencionais não deveria ser um inanimado, nem mesmo excluído dos prestígios sociais.

Não creio haver justificativas o suficientes para garantir o uso de máscaras; não deixa de ser um esboço do medo, da falsidade, da pose e do ego. É como se ao espelho represen­tássemos um personagem, crer em sua eficiência momen­tânea e interpretássemos uma face de nossas multidões. Muita gente se atira ao público munido de suas máscaras. Por isso creio que o poema de Mário Quintana é certeiro: “Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas.”

Com a família é formada a base da personalidade. Os modelos paternos, as ausências e vícios. Os costumes e conceitos de certo e errado. Sempre há um certo padrão de comportamento diante de uma expectativa cultural e social. Cabe a nós vencermos e remodelarmos caso não estejamos de acordo com nossa profunda vontade ou tino de moralidade.

Por mais que as máscaras representem uma tradição cul­tural, nessa época de folia, carnavalesca, aos gloriosos ritu­ais indígenas, e outros ritos sagrados, a máscara oculta o in­divíduo, e a mera representação esconde qualquer essência. Bom mesmo é olhar nos olhos, dentro da verdade intrínse­ca do indivíduo e descortinar todos os esconderijos secretos com a veia da honestidade, algo raro hoje em dia. Pois toda representação se finda, toda máscara se cai, todo espetácu­lo fecha as cortinas. O comércio gratuito das ostentações triunfais também fecha o expediente, e lá, onde sobra a es­sência, muita gente se perde, fica louca ou se encontra. Não há nada oculto que não venha ser revelado. Não use másca­ras, e abuse de sua verdade! Até a próxima página!

(Leonardo Teixeira, escritorleo@gmail.com)

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