Democracia Direta
Diário da Manhã
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 21:58 | Atualizado há 7 anos
“O voto clássico é apenas um meio. Por que não conceber outros, com base no uso de tecnologias contemporâneas que permitiriam uma participação dos cidadãos qualitativamente superior à que confere a contagem de cédulas depositadas nas urnas?”
(Pierre Levy, 1999)
Estamos em uma crise. Não apenas o Brasil, mas o mundo. E não falo da crise econômica, criminalidade ou corrupção. Falo de algo pior; da crise de representatividade. Somos 74% da população que não é representado por nenhum partido, que não acreditam no sistema, 3 em cada 4 pessoas que ninguém os representa. Essa crise exige a reinvenção da política e um dos caminhos é a implementação de mais processos de democracia direta nos quais a sociedade possa decidir e opinar sobre questões específicas por meio de consultas populares secretas e universais.
A população quer participar, quer ser parte, chegou a hora de uma democracia do povo, pelo povo e para o povo, ajudando, em um novo mundo digital, a decidir o futuro do Brasil. Como prova desse desejo, basta observar os movimentos sociais que eclodiram no mundo inteiro. No Brasil, as manifestações de 2013 deixaram como grande legado uma série de movimentos e coletivos que lutam por engajar as pessoas e permitir sua participação nas decisões que afetam o futuro do país. A essência da política começou a ser resgatada, o reencontro entre os jovens e a política criou um momento de efervescência onde as discussões políticas passaram a fazer parte do dia a dia. Os jovens começaram a gerar conteúdo, sem intermediários, sobre os processos políticos e se sentirem responsáveis por mudanças na sociedade, tendo consciência de que a atuação política deve ir além do voto.
Esforços conjuntos com origem em diversos segmentos da sociedade e utilização de ferramentas digitais são um bom ponto de partida para realização de melhorias na política, no entanto, elas não são suficientes e só serão efetivas e sustentáveis se vierem acompanhadas de mudanças dos modelos institucionais. No que se refere a democracia direta, os mecanismos institucionais mais comuns são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.
Esses mecanismos são considerados um bom complemento para as instituições representativas, especialmente em momentos nos quais estas não refletem a vontade popular. No entanto, além de não serem suficientes para a democratização da política, a sua regulamentação no Brasil dificulta a participação popular. Prova disso é que desde a proclamação da nova Constituição, houve em nível federal seis iniciativas populares que foram apresentadas ao Congresso Nacional, um plebiscito (1993) e um referendo (2005).
Das seis iniciativas populares, apenas a última, sobre as 10 medidas contra a corrupção, teve o processo de conferência de assinaturas e tramitou como um “genuíno” projeto de iniciativa popular. As outras iniciativas foram apresentadas por parlamentares devido a dificuldades na conferência manual de assinaturas.
Existem diversos projetos de lei no Congresso Nacional que propõem soluções para facilitar o uso desses mecanismos pela sociedade. Entre as alternativas está o uso de plebiscitos e referendos durante as eleições e o apoiamento eletrônico para projetos de iniciativa popular. Isso diminuiria o custo e simplificaria os processos de democracia direta.
Para os projetos de iniciativas popular, as assinaturas eletrônicas seriam recebidas por meio de plataformas tecnológicas especialmente desenvolvidas para esse fim, tanto pelo Governo como por entidades da sociedade civil habilitadas. No último caso, a plataforma poderia ser auditada, a qualquer tempo, pelo Governo ou por entidade por ele designada. A coleta de assinaturas manualmente continuaria permitida.
A assinatura eletrônica em ideias legislativas já é realidade para algumas entidades da sociedade civil. Um exemplo é o aplicativo Mudamos+ do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). Segundo o Instituto “O aplicativo Mudamos+ de assinaturas eletrônicas para leis de iniciativa popular foi desenvolvido com o intuito de transformar a forma com que leis são propostas pela população. O ITS Rio desenvolveu um aplicativo de celular para demonstrar que é possível assinar eletronicamente leis de iniciativa popular.” No entanto, ainda é necessário que as casas legislativas brasileiras regulamentem a forma eletrônica de assinaturas.
As iniciativas apresentadas são promissoras para devolver ao povo o direito de decidir sobre o futuro do país. No entanto, não são suficientes e precisamos formular novos processos de democracia direta que se utilizem dos meios digitais para reinventar a democracia, uma democracia distribuída por toda parte, ativa, em tempo real. No pensamento da cientista político Nádia Urbinati, nas democracias modernas apenas os representantes têm a oportunidade de, simultaneamente, estar na assembleia, deliberar e votar. Por isso, precisamos criar mecanismos para que os cidadãos possam deliberar e votar junto com seus representantes.
Essas possibilidades começam a tomar forma em um método de tomada de decisão criado em Taiwan. O método “vTaiwan” promove a criação de consenso combinando o uso do aplicativo “Pol.Is” com programas de entrevistas televisionadas e reuniões mistas (virtuais e presenciais) com especialistas de altos membros do governo, como ministros e prefeitos.
O aplicativo “Pol.Is” é uma tecnologia na qual o usuário escolhe entre “concordo”, “não concordo” ou “passo” em resposta a declarações de outros usuários. Cada usuário pode incluir suas próprias declarações. O Pol.is reúne utilizadores que votaram de forma semelhante em grupos utilizando inteligência artificial e exibe esses grupos em tempo real. A ferramenta pode ser integrada a processos de governo fornecendo oportunidades para que os cidadãos possam deliberar com seus representantes sobre assuntos nacionais.
Essas e outras iniciativas precisam ser desenvolvidas e integradas aos processos de decisão política para que, num futuro próximo, a população não apenas vote de 4 em 4 anos, mas faça parte das decisões do Brasil. Precisamos de mais democracia direta e juntos decidir o futuro da Nação.
(Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel, cientista da computação, especialista em Redes Sociais Digitais e mestre em Ciência Política)