Deputados de Posse e mais um
Redação DM
Publicado em 21 de outubro de 2018 às 00:17 | Atualizado há 7 anos
Cabe de início repetir aqui o que já escrevi em um de meus livros de historiografia regional, ou seja, que antes que a Posse atual se transformasse numa aldeia global, cada cidadão que aqui aportou, pode ser considerado possense, posseiro, possível e até impossível, conforme sua forma de relação com as coisas da terra.
Posseiro – Quem aqui chega e se apossa de um pedaço de chão debaixo de um céu límpido e generoso. Possível – Quando o chegante aqui aposseado, bebe água deste lugar e quer tornar-se também cidadão possense. Impossível – Será aquele cidadão que desista das prerrogativas de possessivar-se, ou apronte alguma encrenca que o afaste definitivamente de Posse.
ONTEM E HOJE
Todo lugar tem um ontem e um hoje. Toda comunidade humana tem uma história. Mas nem sempre a história é continuidade do passado ao futuro. Muitos lugares como Posse fazem parte de um mundo em transição. Aqui há uma parcela da população nostálgica da cidade do passado e há outra parcela que aposta na Posse do futuro, desconhecendo a importância histórica deste antigo núcleo colonial de Goiás. Posse é um desses lugares que refletem o mundo em mudança, na ponte entre o passado e o futuro.
Hoje, os chegantes que constróem a nova Posse têm-se na conta de pioneiros do futuro. Enquanto os antigos imigrantes, responsáveis pela formação social e histórica da cidade, parecem representar apenas a Posse do passado. Não se deu ainda a síntese dos opostos e Posse encontra-se num processo dialético de tensões e mudanças. É necessário que a sociedade multifacetária da Posse de hoje tome consciência desse processo histórico.
DEPUTADO NOVO
Está circulando no Facebook um agradecimento do novo parlamentar eleito por Posse, Paulo Krauspenhar Trabalho, qualificado como “o deputado mais jovem de Goiás”, e “o único a receber votos de 240 municípios” (então não só eleito por Posse), e constando ainda ser “o primeiro deputado de Posse em 146 anos”. Essas informações não são verdadeiras no tocante à história de Posse, não obstante as possíveis qualidades do jovem político neopossense. Cabe ao deputado Paulo Trabalho manifestar-se sobre a origem dessas informações, posto que estão sendo veiculadas com a sua imagem.
Para dirimir as dúvidas de quem lê esta matéria, basta consultar os livros de história politica de Goiás, a exemplo de “O Poder Legislativo em Goiás” de Denise Paiva e Itami Campos (Cânone Editorial/AL, Goiânia, 2017), bem como as obras de autoria deste escriba, especialmente “A saga da Posse & álbum das famílias” (Cegraf/UFG, Goiânia, 2005), “Os poderes da Posse” (Kelps: Goiânia, 2011) e “Possepoesia” (Kelps, Goiânia 2003), de que reproduzimos em sentido linear, uns versos de cordel na forma de uma chamada ou invocação histórica, em que respondem “presentes” os antigos deputados de Posse.
ANTIGOS DEPUTADOS
- Coronel JOSÉ BALDUINO DE SOUZA – Presente, na condição de comandante superior da Guarda Nacional desde 1866, nesta pátria local. Construiu por conta própria a cadeia municipal que doou a bem da Posse, ao governo provincial.
- GUSTA BALDUINO DE SOUZA – Presente, na condição de deputado constituinte em 1891, filho do dito comandante de linhagem ancestral. Assinou nossa primeira Constituição estadual.
- FRANCISCO JOAQUIM DE MAGALHÃES – Presente, na condição de intendente municipal de 1907 a 1911 e deputado estadual de 1917 a 1920. Dono da fazenda Saco, que por força de invasão tornou-se a Posse atual.
- NELSON VIEIRA DE BRITO – Presente, na condição de deputado estadual de 1921 a 1924, pai de Arquimedes Vieira de Brito, seu sucessor, que aqui foi por duas vezes prefeito municipal.
- JOSÉ BALDUINO DE SOUZA DÉCIO – Presente, na condição de deputado estadual de 1925 a 1928, filho de Balduino de Souza: este irmão do constituinte Gustavo e, como tal, defensor dos ideais do partido liberal.
- JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS – Presente, na condição de deputado estadual de 1929 a 1932, prefeito municipal de 1935 a 1937 e ex vice-presidente do território estadual.
- JOSÉ DE SOUZA PORTO – Presente, na condição de deputado estadual desde 1947 e por quatro legislaturas até 1963, filho de Joaquim de Souza Porto, que também foi representante regional.
- ALMERINDA MAGALHÃES ARANTES – Presente, na condição de deputado estadual desde 1955 e por três legislaturas até 1967. Fui a primeira eleitora do território nacional, filha de Francisco de Magalhães, dono deste torrão natal.
TENSÕES E MUDANÇAS
O mundo foi feito de invasões. Uns povos chegando e expulsando outros. Destruindo e reconstruindo. Na história contemporânea, a Rússia invade a Checoslováquia, o Iraque invade o Kuwait, os Estados Unidos invadem o Iraque, e assim por diante. Na idade média, os bárbaros invadiram Roma, que por sua vez tinha invadido a Grécia e outros centros da civilização clássica. As culturas se somam ou se sobrepõem. Essa a regra da evolução, pelos menos segundo o princípio evolucionista de Darwin em que as espécies mais fortes vencem as mais fracas. Assim na sociedade animal e também na sociedade humana.
No pequeno mundo de Posse não é diferente. Várias gerações de imigrantes se sucedem e várias culturas se entrelaçam e se contrapõem enfrentando a dialética existencial. As tensões ideológicas, os valores em confronto, os contrastes em evidência geram a transformação histórica de que resulta a Posse atual. Apesar de sua existência secular, que remonta ao século XIX, Posse parece não ter aprendido a acumular experiências e está sempre começando de novo, à luz das novas influências surgentes.
GAÚCHOS DE POSSE?
Atualmente o número de imigrantes de Posse supera o da população autóctone, bem como o da população urbana supera o da zona rural. Sugere-se consultar a lista telefônica local onde conste o sobrenome Krauspenhar, para se conhecer a procedência do novo Deputado Trabalho, talvez gaúcho entre os imigrantes de origem alemã, além dos numerosos italianos que se instalaram na região a partir da década de 1980.
Os chamados gaúchos de Posse não são separatistas, são apenas apegados às suas tradições, que fazem deles uma tribo diferente. Imagine-se um gaúcho sozinho em Posse: ficaria possense. Como são muitos, podem muito bem continuar gaúchos. Diz-se em linguagem gauchesca, que vêm dos pagos do Sul e estão apenas aquerenciados em Posse. (Pagos, lugar de origem; querência, onde se vive).
Os gaúchos se dizem nativistas (amorosos à terra natal) e por isso tradicionalistas (apegados ao seu modelo cultural). Consta que é da têmpera gaúcha ter hospitalidade, coragem, cavalheirismo, respeito à palavra dada e apego aos usos e costumes. Por isso, onde quer que se encontrem, são antes de tudo gaúchos. Com tais qualidades, convém logo a Posse possensivá-los. O desafio é: ou Posse muda os gaúchos ou os gaúchos mudam Posse.
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: evn_advocacia@hotmail.com)