Opinião

Descuido da Ordem dos Advogados do Brasil

Diário da Manhã

Publicado em 13 de abril de 2016 às 03:03 | Atualizado há 9 anos

Não sei quem é mais importante no Brasil: Rui Barbosa ou a OAB. Quem teria  maior prestígio? Quem seria a maior glória? Seja como for, o famosíssimo “Águia de Haia”, em 4 de dezembro de 1890, como ministro da Fazenda, através da Circular nº 29, certamente levado pela velha tese de inferioridade africana, cometeu um inesperado descuido ao mandar destruir os arquivos da escravidão, ali praticando, talvez inconscientemente, um dos maiores equívocos da História Política do País, alcançando, sobretudo o âmbito historiográfico, consoante demonstro no capítulo (O descuido de Rui Barbosa), no livro Racismo à brasileira: raízes históricas, reimpresso em 4ª edição. Por certo Rui Barbosa pretendia apagar o lado podre da escravidão, sem perceber que manifestava racismo na própria expressão que usou “mancha negra”.

Por esses dias, surpreendeu-me, também, a barulhenta notícia de que a OAB do Brasil, através do seu respeitável Conselho Federal, iria formular, como efetivamente feito, um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, na Câmara Federal. Alegou que o fazia pelo ‘conjunto da obra’, sem especificidade, que sua postulação seria mais ampla do que a que já estava em análise em comissão especial na Câmara dos Deputados, tendo como elementos a embasar o pedido, as tais pedaladas fiscais, isenções fiscais para a Fifa, dentre outros, a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro com suposto objetivo de lhe conferir foro privilegiado.

O pedido foi protocolado no dia 28 de março do ano em curso, num momento muito tenso e de rumoroso bafafá na Câmara dos Deputados, quando o pedido anterior, feito por ilustres advogados de São Paulo, já corria célere seus trâmites legais; notando-se que já havia vários outros pedidos com cara de extemporâneos, para não dizer serôdios que, por certo, também correm sério risco de não serem apreciados e decididos, na hipótese do primeiro ser julgado procedente, sendo certo, posso afirmar, que as incertezas prosseguem com ou sem impeachment, com ou sem Dilma, deixando a população e em particular os advogados em pé de guerra e na iminência de uma catástrofe nacional, já havendo até os nossos descerimoniosos ódios continuadores da Casa Grande & Senzala, de que fala Leonardo Boff num consistente artigo deste jornal.

Fique claro aos possíveis leitores e a quem mais interessar, que não sou a favor de nenhum pedido de impeachment contra a presidente Dilma. Nem no caso do formulado pelo Conselho Federal da OAB, onde o que mais me intriga, é vê-lo como um fato tardio, temerário, inoportuno, rixoso e, acredito, carente de verdadeira prudência e imprescindível serenidade, a mais impolítica das virtudes, de que fala Norberto Bobbio, valores éticos, morais, históricos e filosóficos, ao meu sentir, superiores e incompatíveis com a mais justa e indiscutível democracia que a OAB ainda não alcançou, em eleições compulsórias, indiretas, inclusive através de chapas, forçando os queridos colegas a votar até em quem não querem e não conhecem, num visível anacronismo histórico-estrutural que dá igual peso a todas as seccionais estaduais, entre outros aspectos fundamentais que a Instituição precisa com urgência rever e reciclar.

Se não bastasse, o pedido formulado pelo Conselho Federal da OAB, ainda corre um sério risco de ser visto ou interpretado pela história do futuro como “oportunismo”. Vejam que a “vítima” no pedido, presidente Dilma, primeira mulher a presidir o Brasil, ante tantas forças político-ideológicas lançadas contra ela, encontra-se notoriamente fragilizada ou previamente condenada pela ‘opinião pública’; não esquecendo, que existem anteriormente vários outros pedidos, causando estranho imbróglio no país que a OAB, para ser contra ou a favor, antes de tudo, precisa voltar-se para dentro de si mesma, atenta ao que ensinou Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”.

 

(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado, da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – [email protected])

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