Direta ao ponto
Diário da Manhã
Publicado em 7 de dezembro de 2017 às 22:39 | Atualizado há 7 anos
Quando soube que seria pai de uma linda garotinha, o Neto nem imaginava a energia e disposição da pequena Camile. Com um vigor surpreendente, a menina de raciocínio afiado e inteligente não deixa nada passar batido. Deixa o pai até meio tonto com tanta informação e vontade de fazer as coisas. Com dificuldade, ele tenta acompanhar – e cansar a filha.
A geração do Neto procura se equilibrar entre trabalho e a vida doméstica com empenho. Ele próprio procura se dedicar com zelo à família, fazendo-se presente em todas as atividades e acompanhando o desenvolvimento da filha com atenção. Quando Camile nasceu, por tradição ou cultura, pensou que seria uma mocinha à moda antiga. Foi pego de surpresa ao notar que ela tem uma disposição que o botava no chinelo.
– Tenho que colocar mais atividades na vida da Camile, mãe.
– Ela é espertinha, né?
– Fico impressionado. Ela não cansa.
– Criança é assim.
– Não igual a ela. Chego pregado do trabalho e quando vejo estou brincando de casinha. Ela também é geniosa. Teima e nem sempre me obedece. Ameaço corrigi-la no cinturão, mas não tenho coragem para isso.
– Faz parte, meu filho.
– Preciso pensar em algumas atividades a mais para que ela fique mais tranquila. Ela tem energia demais. O que você sugere, mãe?
– Tente natação e balé.
– Será que funciona?
– Criança precisa gastar energia. Importante ter contato com artes e alguma atividade física.
Assim o Neto fez. Contratou aulas de balé e natação. Envolveu a filha em atividades culturais, como pintura e música. Colocou na escolinha. Mas, aos cinco anos, Camile é uma força da natureza. Continuava com a mesma disposição ao final do dia, independentemente da quantidade de situações que tivesse experimentado ao longo do dia. O pai ficava pregado.
Matutando sobre o assunto, Neto percebeu outra coisa: quanto mais estimulava a filha, mais esperta ela se tornava. O raciocínio de Camile era imediato. Não se contentava com pouco. Se fazia uma pergunta, teria de receber uma explicação detalhada, senão o pai não teria sossego. Resultado: além de energia de sobra, não faltavam à filha argumentos para tudo.
– Mãe, a Camile anda me botando no bolso.
– Minha netinha é muito inteligente.
– As aulas não estão resolvendo. Ela não cansa.
– Meu filho, tenha paciência. Ela é uma criança prodígio. Neto tentava. Mas ficava completamente desnorteado com a perspicácia de Camile. Aos poucos, desistia de cansar a filha. Passou a resignar-se diante do próprio cansaço e a curtir os momentos domésticos da melhor maneira. Descobria maravilhado o quanto a menina era inteligente. Por outro lado, tinha dificuldades em botar-lhe freios. Nem sempre ela lhe obedecia. Isso deixava-o doido. Sempre respirava fundo para não botar bronca e evitava qualquer palmada.
Dias atrás, exausto do trabalho e atrasado para uma festinha, tentava se arrumar para sair com a família. Camile não lhe deixava sossegado. Perguntava-lhe tudo sobre tudo. Meio desorientado com tanta informação e correndo contra o relógio, percebeu, já dentro do carro, que a calça lhe folgava. A filha não teve rodeios.
– Papai, o senhor não está com cinto.
– Eu me esqueci de colocar, filha.
– Percebi, papai.
– Mas não se preocupe. Ninguém vai notar.
– Eu sei, mas se o senhor precisar, eu estou de cinto.
– Filha, acho que não vai servir em mim.
– Papai, deixa de ser bobo. O senhor pode usar o meu cinto se precisar me educar…
(Victor Hugo Lopes, jornalista)