Dois meses com Temer
Diário da Manhã
Publicado em 5 de novembro de 2016 às 01:35 | Atualizado há 9 anosO antipetismo é uma burrice; como é irracional o antitucanismo ou o antidemismo. Não pode haver o “anti” em ambiente democrático; Esse tipo de sentimentalidade atrapalha a disputa política séria e que centra fogo analítico em projetos político-partidários; que desbarata discursos, interpretações e entendimentos acerca da pletora de problemas que cortam o país de norte a sul, de leste a oeste.
Desse “glorioso” sentimento [refiro-me ao antipetismo] inteligentemente cultivado no cotidiano da vida social, sobretudo, pela mídia, tem-se um hiato continental a transversalizar o mundo da política. É um sulco político gigantesco, outrora ocupado pelo Partido dos Trabalhadores e suas utopias nacionalistas e agora, como se bem identifica, uma lacuna político-histórica fundamental que vai sendo ocupada majoritariamente pela direita e sua ampla fauna política o que envolve protestantes neo-pentecostais, empresários, fazendeiros, “almofadinhas”, antipetistas declarados e militantes, dentre outros.
Uma contrarrevolução segue sendo implementada, evidentemente, com o apoio das principais agências de inteligência do mundo e de fato, não é correto responsabilizar única e exclusivamente os Estados Unidos da América.
Na geleia geral formada e conformada em um ano e meio de estocadas fundas contra a delicada democracia brasileira e, de fato, democracia nunca fora prioridade para as elites brasileiras, tem-se um cenário que vai lenta e gradualmente se estabilizando com Michel Temer, político de direita, sempre às voltas com o poder, envolto com a repressão de 1964 e imiscuído em vasto rosário de denuncias de corrupção.
E, nada nada… Completamos dois trágicos e dramáticos meses com esse impostor e os brasileiros, mansos e dóceis, simplesmente acatam; não fizemos revolução; não a faremos; não restituímos a democracia e seguimos fieis a um cotidiano de trabalho, dificuldades e abusos.
Em dois meses, Temer segue implementando a mais agressiva política de contingenciamento orçamentário já vista no Brasil. Trata-se de arrocho pôr sobre arrocho, evidentemente, contra pobres e trabalhadores e que sequer fora ousada ou usada pelo regime militar. A esse respeito, a PEC 241 segue de vento em popa e sob sua perversa lógica orçamentária e homeopática os padrões ou níveis de investimentos primários no Brasil estarão no mesmíssimo patamar de países como Burkina Faso, Afeganistão ou Barbados. É horripilante!
O discurso oficioso é que é preciso cortar em educação, saúde e programas sociais para sanear as contas públicas; de outra sorte, não é preciso tributar capitais de curto prazo; grandes fortunas e dinheiros nacionais depositados em poupanças externas e sequer declaradas na Receita Federal; não é necessário tributar as muito altas e isentas rendas nacionais e as volumosas transações financeiras avançam livres de qualquer regulação estatal; da mesma forma, tem algum sentido em tributar o consumo suntuoso de nossas elites? Pra quê, não é?
A relação da PEC 241 com equilíbrio fiscal é zero; não tem nada que ver com a re-organização das contas públicas, embora, esse seja o discurso de Temer, de sua camarilha e muito bem difundido pela mídia brasileira. O compromisso desse governo é, isto sim, com o rentismo internacional, com o aprofundamento da dependência e da debilidade nacional ante aos desafios que uma globalização vigorosa e agressiva impõe, sobretudo, para países marginais como o Brasil.
Em uma olhadela, do ponto de vista econômico o país segue afundando; dados divulgados ainda hoje [31/10/2016] pelo Banco Central mostram que para o mês de setembro, tem-se o maior rombo nas contas do país, ou seja, prefeituras, governos estaduais e federal somam um “buracão”, para o mês em tela, de quase cem bilhões de reais. Vejamos… Nos cinco meses do golpe que apeou Dilma Roussef a desenvoltura das políticas econômicas do governo do PMDB se mostram absolutamente pífias, medíocres e de efeito nulo. Não pode haver outra consideração senão essa.
Os níveis de desemprego ultrapassam quinze milhões de almas e tendem, segundo o próprio governo, a avançar em uma espiral de desemprego jamais vista na histórica econômica brasileira. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) revela que a população desocupada avançou em 4,5% em relação ao primeiro trimestre e que marcava um desemprego de 10,9%. Na comparação com o segundo trimestre de 2015, o ampliado foi de 38,7%. Naquela altura a taxa era de 8,3%. Em um ano, houve uma hecatombe de 3,2 milhões de pessoas desempregadas.
Na verdade, não é correto dizer que esse governo tenha uma política econômica em seu sentido amplo e de maior abrangência. O que Temer propõe é, primeiro, manipular taxas de juros para impedir fuga de capitais de curto prazo e que, tragicamente, lastreiam a economia brasileira e, em seguida, para conter os ânimos de um empresariado cada vez mais descrente, o governo segue arruinando com as rendas do trabalho por meio do desmonte dos fundamentos jurídicos que resguardam a precarizada mão-de-obra brasileira.
Vejam que não há nada para o fomento do trabalho, da produção agrícola ou industrial; nada para o aprimoramento do comércio; para a ciência e tecnologia, esta dimensão decisiva para as economias modernas. Nada a envolver reformas estruturais e, enfim, não há agenda, pauta ou qualquer proposição séria para a retomada do crescimento econômico. Esse é o governo de Temer, esse quase governo, de uma quase gestão para um nada de futuro.
Como bem nos ensina uma guria paranaense de dezesseis anos, chamada Ana Júlia, nos resta inventar formas novas e atuais de desobediência civil para conter o desmonte do país.
Ana Júlia disse tudo! Fora Temer!
(Ângelo Cavalcante, economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG),campus Itumbiara)