Dois minicontos sobre fatos ocorridos em Guapó e Palmeiras de Goiás
Diário da Manhã
Publicado em 20 de agosto de 2018 às 22:50 | Atualizado há 7 anos
- Na segunda metade do século passado, vivia na então emergente e pacata cidade de Guapó, a quatro léguas de Goiânia, José Antônio Ferreira*, cidadão honrado, chefe de tradicional família local com descendentes ainda hoje moradores na região, uma das razões para aqui preservar-lhe a identidade. Por sinal, o fato chegou-me pela narrativa de um de seus netos em Goiânia.
Seu “Zé Ferreira”, na altura de seus 80 anos de vida e hábitos econômicos rígidos, curtia metódica aposentadoria com a renda provinda dos alugueres de três ou quatro modestas casas na zona boêmia. Na época, quem chegava em Guapó, vindo de Goiânia, logo divisava à esquerda a rua das “casas de luz vermelha”, numa entrada de chão antes da lagoa rústica onde hoje há um bar flutuante ao lado do posto de combustível.
Era para aquela rua que, todo fim de mês, o proprietário se dirigia na missão de recolher os valores devidos por suas gentis inquilinas, ocasião de que às vezes se valia para relembrar os saudosos tempos de rapaz, prazeroso serviço que sempre lhe saía como oferta da casa, por conta inclusa no aluguel.
Num belo fim de mês, seu Zé Ferreira engraçou-se por uma “peça nova”, moreninha fagueira que, consentindo em apagar-lhe o facho, convidou-o para o quarto. Findo o programa, após uns goles de cerveja e a demora de praxe, ouviu da bela parceira desconhecedora do esquema de compensação de débito: – “Seu Zé, o senhor está se esquecendo de pagar”!
Aparentando surpresa, ele redarguiu: – “Tenho que pagar? E quanto é?” Ao que, a cobradora não se fez de rogada: “É dez!” E ele, malandramente, quis saber: “E você gozou?” Diante da resposta afirmativa, arrematou: “Então eu só pago cinco, você também gozou!
- Também naqueles idos, em Palmeiras de Goiás falecera um cidadão, José Antônio Feliciano*, casado, três filhos, proprietário de pequena e rendosa fazenda de 18 alqueires, a poucos quilômetros da cidade, à margem esquerda da velha estrada para Palminópolis. “Veio a óbito” (no repetido jargão dos policiais) sem registrar testamento (“Ab intestato”, no velho brocardo dos advogados). Aberto e julgado o inventário, pelo ritual do direito sucessório, coube à viúva meeira o quinhão de 9 (nove) alqueires e a cada filho sua parte na herança representada individualmente por 3 (três) alqueires. Roberto*, o filho caçula, rapaz forte dos seus 16 anos, diligente e trabalhador, logo providenciou a cerca e a limpeza de sua pequena propriedade, iniciando até a construção de um barracão “meia-água” com varanda, tarefa a que dedicava as horas de folga do colégio. Nas muitas pescarias na barra do ribeirão Macaco com rio Capivari, ocorria-me passar em frente ao terreno do Roberto, ele ali “garrado” na enxada mas sempre solícito às saudações do transeuntes. Certa feita, na agradável companhia de Josenildo*, amigo e próspero fazendeiro em Palminópolis, presenciei este fato pitoresco digno registro. Estacionada camionete, meu companheiro resolveu alongar a conversa com o jovem proprietário rural, derivando para perguntas nem tanto discretas, até firmar-se na curiosidade final: – “Sua área aqui tem quantos alqueires?” E o Roberto, na ingênua e indiscreta expectativa da herança futura, revelou seu sonho: – “Por enquanto, só 3 (três) alqueires mas na falta de mamãe, 6 (seis).
(Raymundo Moreira Nascimento. Nomes fictícios, os verdadeiros não foram usados por razões óbvias)