E lá vem o TSE
Diário da Manhã
Publicado em 10 de junho de 2017 às 02:19 | Atualizado há 8 anos
Para se manter na Presidência e continuar a fingir não ter atropelado elementares princípios ético-morais, Michel Temer aposta as fichas no decurso do tempo. Em outras palavras, luta para conseguir cumprir o mandato antes das definições (1) da ação constitucional de cassação da chapa pela qual foi eleito (artigo 14, parágrafo 10, da Constituição) e em curso no Tribunal Superior Eleitoral, (2) dos pedidos de impeachment protocolados na Câmara, pós-delação de Joesley Batista (Grupo JBS) e (3) da ação judicial-penal que se avizinha e será proposta pela Procuradoria-Geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal, em face da autoria de crimes comuns, consumados no exercício da Presidência da República, de corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução à Justiça, formação de organização criminosa e prevaricação.
Órgão de cúpula da Justiça Eleitoral, o TSE nasceu da Constituição de 1934 para acabar com as fraudes, em especial as cometidas nas folhas de contagem de votos, com tinta e caneta de bico de pena, por uma pretensa elite designada para administrar as apurações. Nelas apareciam votos de cidadãos já mortos. O TSE é composto de sete ministros: três do Supremo Tribunal Federal (Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber), dois do Superior Tribunal de Justiça (Herman Benjamin e Napoleão Maia) e dois representantes da OAB escolhidos por Temer (Tarcísio Vieira de Carvalho e Admar Gonzaga).
No próximo dia 6 de junho, o TSE poderá julgar a ação constitucional proposta pelo PSDB, do candidato derrotado Aécio Neves, 15 dias após a diplomação da chapa Dilma-Temer. Essa ação tem por fundamento os abusos de poder econômico e político a violar o princípio republicano da igualdade de forças: par condictio.
É bom lembrar que o perdedor Aécio contou a Joesley, conforme a gravação reveladora, tratar-se de ação proposta com a intenção de desassossegar Dilma. Hoje, o PSDB figura na base aliada de Temer. Com ética ambígua e se não colar a ação, o tucanato continuará a apoiar Temer. Se colar, se apresentará em eleição indireta com candidatos e o tucano FHC já se assanha. O relator Herman Benjamin, magistrado independente e oriundo do Ministério Público de São Paulo, vai propor a cassação da chapa e eleições diretas, apoiado na melhor lógica democrática.
Sabemos o que significa democracia, governo do povo. No caso, os eleitores, ou seja, os brasileiros que foram às urnas escolheram a chapa Dilma-Temer. Uma vez viciada a escolha por fraudes nas modalidades de abusos econômico e político, legítimo será convocar novas e diretas eleições. Esta parece ser a conclusão que apresentará Benjamin no seu voto: há precedente jurisprudencial no STF. Mais ainda, tudo indica superado o entendimento da separação de responsabilidades entre a presidenta eleita e seu vice.
Não há dúvida prever a nossa Constituição, no caso de sucessão por vacância, a eleição indireta pelos congressistas. Uma leitura mais atenta, no entanto, aponta para as eleições diretas e isso por ter havido anulação por fraude ao voto popular. Anulado o voto popular, cabe ao cidadão voltar a exercer o direito, em vez de convocar seus representantes para uma nova escolha.
A eleição indireta é reservada, na dupla vacância (o vice virou presidente e não temos mais o vice), apenas para outras hipóteses, como, por exemplo, a morte ou a renúncia. Só aí, e se ocorrer a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição poderá ser indireta, realizada dentro de 30 dias e para um mandato-tampão.
Atenção: se Benjamin votar pela cassação com eleição direta, estará aberta a oportunidade do pedido de vista dos autos por qualquer dos demais ministros. E isso representará adiamento ou, no popular, mais uma bocada de oxigênio para Temer manter-se no cargo. Sem adiamento e com procedência da ação, Temer deverá tentar um recurso com efeito suspensivo no STF. Mais oxigênio ao moribundo, com risco de Alexandre de Moraes, ex-ministro da Justiça e amigo de Temer, assumir, uma vez contemplado como relator pela distribuição do STF, o caradurismo do discurso da imparcialidade e conceder liminar.
Os proponentes do impeachment por crime de responsabilidade de Temer sabem bem que a tramitação será mais longa que o tempo restante do mandato ainda em curso. Temer cumprirá o mandato e o impeachment estará prejudicado por não se ter o que cassar. Quanto a uma eventual ação penal por crime comum, a denúncia da Procuradoria-Geral da República, antes de o STF decidir sobre o seu recebimento, terá de obter uma licença da Câmara, sendo necessários dois terços de aprovação pelos deputados. Em síntese, o mandato de Temer estará cumprido, com o fim do foro privilegiado e remessa para o primeiro grau de jurisdição.
(Wálter Maierovitch, jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP)