É preciso mudar a educação!
Diário da Manhã
Publicado em 13 de setembro de 2018 às 03:14 | Atualizado há 7 anos
Trata-se então dum movimento de reacção contra o que existe de medieval na escola de hoje, contra o seu formalismo, contra o seu hábito de se colocar fora da vida.
Ferrière, 1934
Chegamos ao século XXI, era da globalização, do Smartphones, do robô, do computador, das viagens a outros planetas, da clonagem, das redes sociais, da internet, na qual as informações navegam em altíssimas ondas… Era do progresso. Todos esses avanços deveriam ter por finalidade a existência de um mundo harmônico, evoluído, no qual a fome, a miséria e a violência fizessem parte apenas de um filme de ficção.
Infelizmente, o mundo vem se tornando cada vez mais pobre, mais miserável. A violência impera. Cada vez mais, a riqueza se concentra nas mãos de pouquíssimas pessoas, enquanto a grande massa de trabalhadores vai se empobrecendo. Todos os dias, quando assistimos aos noticiários, temos a nítida sensação de estarmos assistindo a um daqueles filmes de ficção como “Mad Max”, no qual, as pessoas se matam por um pouco de alimento, dez reais, um celular, um punhado de terra ou mesmo um pouco de água.
Existe apenas um caminho para mudar essa triste realidade, a mudança das atitudes das pessoas. Mas para que haja uma mudança nos comportamentos sociais é preciso mudar a educação escolar. Temos a mesma escola com concepções do tempo medieval, uma metodologia tradicional de ensino trata o aluno como se ele fosse uma “garrafa vazia”, aguardando ser preenchida com o líquido do conhecimento. Acreditando-se que o aluno nada sabe, ele precisa de alguém para encher a garrafa de informações, e essas não precisam ter relação alguma com a vida do aluno, muito menos com a sua realidade social.
Os conteúdos ditados para as escolas distantes da vida são rígidos e estanques, como se o aluno tivesse na cabeça uma estante cheia de compartimentos onde ele guardasse os conteúdos “aprendidos”, sem fazer a mínima interação uns com os outros e muito menos com a vida. As salas de aula, assim como os conteúdos e as disciplinas, são divididas em grades como as celas de uma prisão, como retrata Foucault em sua obra Vigiar e Punir, com as carteiras enfileiradas, um aluno sempre de costas para o outro, olhando na “nuquinha do coleguinha”, olhando fixamente para o quadro, sendo obrigados a decorar todo o conteúdo que lhe é imposto pelas editoras dos livros didáticos, mesmo que não façam nenhum sentido para a sua vida.
O resultado dessa escola tradicional é o índice assustador da evasão escolar, como demonstram os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais – Inep, divulgou um estudo sobre o fluxo escolar, o qual concluiu que, entre os anos de 2014 e 2015, 12,9% dos alunos matriculados na 1ª série, do ensino médio, abandonaram definitivamente a escola. Os dados desse estudo revelam que de cada 100 alunos, que ingressaram na primeira série do ensino, mais de 50% foram gradativamente evadindo da escola e não concluíram a educação básica.
A avaliação aplicada, a cada dois anos, para medir a aprendizagem dos alunos no Brasil, denominada de Saeb, foi aplicada num universo de 5,4 milhões de estudantes e 59.388 escolas, identificou a etapa mais problemática da educação básica é o ensino médio, que apenas 4% dos alunos que concluem essa etapa, têm o conhecimento adequado. De cada 10 alunos cerca de 7 têm nível insuficiente e cerca de 23% estão no nível zero, em matemática e português.
Acredito que a revolução na educação pública é primeiramente na mudança de compreensão do papel da educação, deixando de vê-la como se tivéssemos numa competição, onde os que tiram notas melhores vão para o podium e os outros, são excluídos da escola, do mercado de trabalho e da vida social. A educação é um processo, em que deve-se desenvolver não apenas conteúdos, mas a formação humana e desenvolver valores como a sensibilidades, o respeito, a honestidade, o companheirismo, a solidariedade, a autonomia e a responsabilidade.
Embora o mundo tenha mudado, a escola mantem-se com as mesmas concepções arcaicas, conteudistas, fechada dentro de muros, dividindo os conhecimentos da humanidade em disciplinas rígidas, em tempos estanques e distante da vida. Existem experiências concretas de que é possível mudar, trago uma dessas experiências no meu livro Entre o Sonho e a Esperança: A escola ativa no Brasil, que foi adotada nas escolas rurais de Goiás. Mas temos outros exemplos como: nas escolas do Modelo Escola Nova na Colômbia, no Movimento da Escola Moderna em Portugal e nas escolas dos jesuítas da Espanha.
A Finlândia é apontada pela OCDE – a entidade que aplica o Pisa – como “um dos líderes mundiais em performance acadêmica”, fez uma revolução, colocando em prática as concepções que já eram defendidas no início do século passado pelos escolanovistas: usar mais projetos nas aulas; enfase na autonomia dos alunos na produção dos alunos, induzindo para que eles façam pesquisas e explorem os assuntos antes da aula; a avaliação deixa de ser somativa e passa a ser formativa; as salas de aula deixaram de ter o formato tradicional e frontal, para ensinar a muitos como se fossem apenas um; fortalecer o vínculo da escola com a vida real e o mercado de trabalho; foco para o desenvolvimento dos pilares da educação para o século XXI, definidos pela Unesco: apender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser; formação prática e valorização dos professores.
(Jacqueline B. Cunha, professora da Rede Estadual e Municipal de educação, pedagoga, mestre em Ciências da Educação e doutora em Educação. jacquelinecunha@hotmail.com)