Enquanto grandes gênios da História morreram na miséria
Redação DM
Publicado em 24 de março de 2017 às 02:45 | Atualizado há 8 anos
Quando assistimos, estupefatos, ao enriquecimento de uns parasitas que dizem nos representar nos cargos eletivos, achamos, depois de uma pesquisa nas páginas da História, que a vida nem sempre é justa.
Relacionei pelo menos dez grandes gênios que influenciaram a literatura e a arte universal, a ponto de quase pensar se vale a pena ser honesto.
Há mais de um século, uma afirmação não perdeu sua atualidade, quando o imortal baiano Rui Barbosa disse: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
Nesta nossa atualidade podre, em que se vive de aproveitar-se das oportunidades para usar de expedientes pouco ortodoxos para angariar riqueza, o que Rui disse é atualíssimo.
Como falei, estive pesquisando sobre grandes gênios, e fiquei até deprimido com o resultado.
Vincent van Gogh (1853-1890), o genial holandês, deu uma fabulosa contribuição à arte (pintura), a ponto de, hoje, considerar-se milionário quem possui algumas obras suas, teve pouco reconhecimento em vida, e apesar de considerar que tinha fracassado como pintor (e acredita-se que tenha vendido apenas um quadro), morreu na miséria.
Nosso conterrâneo Vital Brazil (1865-1950), médico, imunologista e fundador do Instituto Butantã, ganhou reconhecimento mundial pelas suas pesquisas sobre soros contra picadas de animais peçonhentos, como cobras, escorpiões e aranhas. Dedicado a contribuir para o desenvolvimento da pesquisa no país, fundou institutos e centros de pesquisas – que nem sempre tinham condição de se sustentar. Ao falecer, deixou parco patrimônio para a família – viúva e 18 filhos, de dois casamentos -, que passou por dificuldades para administrar seu legado, tendo que vender o “Instituto Vital Brazil” para o governo do Rio de Janeiro.
Um dos maiores gênios da História, Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) já na infância mostrava genialidade. Desde cedo viajava pela Europa para se apresentar. Autor de mais de 600 obras, foi um grande ícone popular. Ele e sua família teriam sido forçados a se mudar de casa pelo menos onze vezes, e com frequência o músico pedia dinheiro a amigos para conseguir pagar seus gastos. Acabou morrendo jovem, aos 35 anos, e sua viúva, Constanze, na época com dois filhos pequenos, quase não teve dinheiro para enterrá-lo.
O maior artista do período colonial brasileiro, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814) teve um final de vida pobre e dependente de outras pessoas. Aleijadinho era filho de português e escrava, supostamente alforriado por seu pai e senhor. Apesar das 400 obras de arte atribuídas a ele, não teria acumulado patrimônio, provavelmente por descuidos com dinheiro e por doações aos pobres. Seu corpo sofreu deformações devido a uma grave enfermidade, e para trabalhar amarrava os instrumentos nos braços. O artista passou seus últimos anos quase cego e com muitas limitações motoras, pouco saindo da cama, morrendo em extrema miséria.
Se hoje temos jornais, revistas e livros nas mãos, é graças a Johannes Gutenberg (1400-1468), criador da impressão com tipos móveis, a tipografia. A primeira impressão que saiu de seu invento foi uma edição de mais de mil páginas da Bíblia. Mas ele não conseguiu vender um só exemplar. Depois de uma disputa judicial com seu financiador e sócio, Johann Fust, Gutenberg perde os direitos sobre a invenção e entra em falência, além de perder o crédito como criador da imprensa. Pouco se sabe sobre o final de sua vida, mas acredita-se que tenha morrido na miséria e sido enterrado em uma igreja que foi destruída, e sua tumba teria assim desaparecido.
A música, como se sabe, muito deve a Franz Schubert (1797-1828), compositor austríaco do fim da era clássica, com um estilo marcante, inovador e poético do romanticismo. Escreveu cerca de seiscentas canções ,ainda hoje é enaltecido como um dos mais importantes músicos do final da era clássica e início da romântica. Apesar da intensa produção – mais de 600 músicas, 21 sonatas para piano e sete sinfonias completas, além de outras obras -, Schubert era celebrado apenas por um pequeno círculo de amigos. Com a falta de reconhecimento, veio a carência financeira, que ele supria com aulas ou com a venda de algumas obras. Além da falta de reconhecimento e dinheiro, teve a vida interrompida aos 31 anos, por febre tifoide. Foi enterrado ao lado de Beethoven, um de seus grandes ídolos.
Edgar Allan Poe (1809-1849), grande ficcionista norte-americano de obras de mistério e terror, considerado o pai das histórias modernas de detetive foi rejeitado pela família: quando tinha um ano, o pai abandonou a família e, no ano seguinte, a mãe faleceu; e esta é talvez a razão porque os temas morte e perdas são recorrentes em sua literatura. Apesar de ter reconhecimento em vida, não era bem remunerado e gastou o que ganhou em um projeto falido de criar uma publicação literária. Como saída de um conto, sua morte é rodeada de mistérios. Foi encontrado delirando nas ruas de Baltimore e internado em um hospital, onde faleceu, completamente pobre.
Apesar de celebrado como o maior dramaturgo em seu tempo, Oscar Wilde (1854-1900) com um único romance entra no patamar dos grandes escritores da língua inglesa. “O Retrato de Dorian Gray” é uma voraz crítica à hipocrisia da sociedade inglesa vitoriana. E foi exatamente essa hipocrisia que o levou à decadência. Após manter um relacionamento homossexual com um jovem nobre, Wilde é denunciado pelo pai do rapaz por atentado violento ao pudor. Os elevados custos do processo o levaram à falência, e o escritor amarga dois anos de cárcere. Depois de ser libertado, decide ir morar em Paris, cidade onde passa seus últimos dias. O escritor morreU de meningite, sozinho e na pobreza.
Um dos mais importantes pintores de seu tempo e ícone da era de ouro da pintura holandesa, Rembrandt (1606-1669) encarou tempos difíceis no final da sua vida. Endividado pela compra de uma casa e pelos altos gastos com obras de arte, o pintor teve que vender peças artísticas, antiguidades e a própria casa. A penúria econômica foi acompanhada de dificuldades na vida pessoal. Apenas um dos seus quatro filhos chegou à idade adulta, e ainda assim morreria antes dele, destino também de suas duas esposas. O pintor chegou a ter que vender a tumba da primeira esposa para saldar as dívidas, morrendo na miséria.
Um dos mais brilhantes cientistas da História, o austríaco Nikola Tesla (1856-1943) viveu seus últimos anos no descrédito. A energia elétrica que viaja por redes de distribuição e chega às nossas tomadas só é possível pela sua concepção da corrente alternada. Ele também inventou o controle remoto e o radiotelescópio. O patrimônio que havia acumulado, gastou com experimentos pouco exitosos. Morreu pobre e sozinho, morando num hotel.
Agora, vem a pergunta: será que a vida vai ser justa para esses picaretas que nada fazem pelo seu próprio país? Se a gente não acreditar que a coisa vai melhorar, é melhor trancar as portas da esperança e jogar a chave fora.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI -, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])