Opinião

Escapei de um anjo e caí nos braços do demônio

Diário da Manhã

Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 22:25 | Atualizado há 7 anos

A his­tó­ria do me­ni­no so­nha­dor co­me­ça nu­ma noi­te de lua cheia, o no­me de­le é Fredy, mas ca­ri­nho­sa­men­te seus co­le­gas o cha­ma­vam de So­nâm­bu­lo. Pois, ele vi­via no mun­do da lua, e so­nhan­do.

Com quê? Nin­guém sa­bia. Só era sa­bi­do que ele acor­da­va ce­di­nho e fi­ca­va olhan­do pa­ra o tem­po, pa­ra o na­da, às ve­zes pa­ra o céu, ou­tras ho­ras pa­ra o chão.

Era da­na­do de es­qui­si­to. Mas, era mui­to que­ri­do pe­los seus  co­le­gas, prin­ci­pal­men­te, os co­le­gas do se­tor em que ele mo­ra­va.

Cer­to dia, Ri­car­di­nho, um co­le­ga, tal­vez o mais pró­xi­mo do so­nâm­bu­lo, re­sol­veu co­lo­car tu­do em pra­tos lim­pos, e ten­tar des­co­brir o que ele tan­to pen­sa­va e cla­ro, com o que ele tan­to so­nha­va.

Co­me­çou pe­lo jei­to bem con­ven­cio­nal, ques­ti­o­nan­do o so­nâm­bu­lo, mas, não deu cer­to. So­nâm­bu­lo mu­da­va de as­sun­to e, às ve­zes, se es­que­cia das coi­sas até o que o Ri­car­di­nho lhe per­gun­ta­va no­va­men­te.

En­tão, Ri­car­di­nho re­sol­veu con­ver­sar com as pes­so­as mais pró­xi­mas do So­nâm­bu­lo, co­me­çou por um pri­mo de So­nâm­bu­lo. Que­ria apro­fun­dar em su­as in­ves­ti­ga­ções. Se fos­se pre­ci­so, iria con­ver­sar até com o Pai do Fredy.

To­ma­ria cui­da­do, pois a fa­mí­lia do So­nâm­bu­lo ti­nha fa­ma de ser uma fa­mí­lia es­tra­nha, uma fa­mí­lia on­de ha­via mui­to mis­té­rio no ar. Mes­mo as­sim, Ri­car­di­nho saiu em bus­ca das res­pos­tas.

Já era tar­de da noi­te, mas a lua cheia ilu­mi­na­va as ru­e­las, por on­de Ri­car­di­nho pas­sa­va. Até que ele se de­pa­rou com um ra­paz que es­ta­va ves­ti­do de an­jo e can­tan­do Ave – Ma­ria. Lo­go que Ri­car­di­nho olhou em di­re­ção ao som, o tal an­jo pa­rou de can­tar e co­me­çou a de­cla­mar a le­tra da mu­si­ca e dis­se com a voz rou­ca.

– Olá ami­go Ri­car­di­nho!

Foi o su­fi­ci­en­te pa­ra o Ri­car­di­nho qua­se ba­ter o re­cor­de mun­di­al de at­le­tis­mo dos 1500 me­tros com bar­rei­ras, pois Ri­car­di­nho além de cor­rer mui­to ain­da sal­tou vá­ri­as li­xei­ras no mo­men­to da fu­ga, cor­reu fei­to ma­lu­co pe­las ru­as de Cam­pi­nas.

Não de­mo­rou, ele já es­ta­va na va­ran­da da ca­sa do so­nâm­bu­lo. To­cou a cam­pa­i­nha por du­as ve­zes, e não pa­ra­va de olhar pra trás com me­do do An­jo can­ta­dor da ru­e­la de Cam­pi­nas. En­fim al­guém gri­tou do ou­tro la­do da por­ta.

– Quem é que es­tá aí fo­ra, es­sa ho­ra da noi­te?

– Sou Ri­car­di­nho, ami­go do Fredy. Ele es­tá?

– Ele não es­tá, e não abri­mos a por­ta pra des­co­nhe­ci­dos. Po­de se­guir seu ca­mi­nho, se qui­ser vol­te ama­nhã.

– Mo­ço, abra a por­ta há um an­jo can­ta­ro­lan­do e me se­guin­do des­de o cru­za­men­to da Ave­ni­da 24 de Ou­tu­bro com a Ave­ni­da In­de­pen­dên­cia, es­tou com mui­to me­do!

– O an­jo se­guiu vo­cê até aqui?

– Acho que sim, ain­da es­tou es­cu­tan­do a can­ção e es­tá ca­da vez mais al­to o som, abra a por­ta!

En­fim o ho­mem abriu a por­ta, e Ri­car­di­nho qua­se saiu cor­ren­do de no­vo. Ri­car­di­nho só viu o na­riz do ho­mem, o res­to era só pe­lo. A bar­ba do ho­mem era gi­gan­tes­ca e o ca­be­lo es­ta­va abai­xo dos om­bros. Ri­car­di­nho fi­cou imó­vel na­que­le mo­men­to, não con­se­guia mo­ver um de­do se­quer, fi­cou mui­to as­sus­ta­do com o as­pec­to te­ne­bro­so do ho­mem que o aten­deu.

Es­ca­pei de um an­jo e caí nos bra­ços do de­mô­nio! Pen­sou Ri­car­di­nho Di­an­te  aque­le  ho­mem es­tra­nho e re­pug­nan­te.

Es­tan­do en­tre o céu e o in­fer­no, te­ve que fa­zer uma es­co­lha. E  re­zou pa­ra an­jo che­gar lo­go e sal­vá-lo das gar­ras da­que­le ser hor­rí­vel.

Foi ra­pi­da­men­te aten­di­do. O an­jo che­gou can­ta­ro­lan­do e foi lo­go en­tran­do ca­sa aden­tro. Não fa­lou com Ri­car­di­nho e mui­to me­nos com o tal ho­mem da bar­ba gran­de. Ri­car­di­nho fi­cou mais as­sus­ta­do com a si­tu­a­ção. Não sa­bia mais o que fa­zer ou a quem pe­dir aju­da.

– Afi­nal quem são vo­cês?

O ho­mem pe­lu­do res­pon­deu.

– Sou o pai do Fredy, ele aca­bou de en­trar, vo­cê o viu?

– Sim se­nhor. Vi um ra­paz ves­ti­do de an­jo, é o Fredy?

– Sim, ele mes­mo, nas noi­tes de lua cheia, ele se ves­te de an­jo sai can­tan­do pe­las ru­e­las de Cam­pi­nas. Os ata­ques de so­nam­bu­lis­mos apa­re­cem fre­quen­te­men­te nos pe­rí­o­dos de lua cheia!

– Mas há al­gum tra­ta­men­to pa­ra es­se mal?

– Não há mal al­gum nis­so, e tam­bém a mai­o­ria das pes­so­as já o co­nhe­cem, e sa­bem que o Fredy é um an­jo, e, um an­jo to­dos os di­as, não só no pe­rí­o­do de lua cheia!

Mas e sua…..ca­be­lei­ra?

– Foi um vo­to que fiz ao Pa­dre Pe­lá­gio. Vou sem­pre as no­ve­nas na Ma­triz de Cam­pi­nas, e pe­ço pro­te­ção pa­ra meu an­ji­nho Fredy.

– Mas se­nhor, vo­cê acha que não cor­tan­do o ca­be­lo, o se­nhor vai agra­dar ao San­to Pa­dre Pe­lá­gio?

– Não é is­so, te­nho me­do de per­der mi­nhas for­ças, já es­tou com mais de 50 anos, e não que­ro per­der mi­nhas for­ças. San­são foi as­sim, pos­su­ía to­da sua for­ça fí­si­ca nos seus po­de­ro­sos ca­be­los. En­tão fiz um tra­to com Pa­dre Pe­lá­gio, e o pa­dre vi­gia o Fredy nas ru­e­las da­qui do se­tor Cam­pi­nas, e fi­co sem cor­tar o ca­be­lo pra ter ener­gia su­fi­ci­en­te pra en­con­trar o Fredy quan­do o Pa­dre Pe­lá­gio não ti­ver tem­po pra tra­zê-lo de vol­ta!

Ri­car­di­nho agra­de­ceu pe­la aten­ção e se des­pe­diu. Dis­se que ou­tro dia vol­ta­ria pra vi­si­tar o seu ami­go Fredy.

No dia se­guin­te se en­con­trou com o Fredy na es­co­la, mas não to­cou no as­sun­to, e tam­bém não co­men­tou na­da do acon­te­ci­do com ne­nhum de seus ami­gos, es­ta­va de­ci­di­do que era um se­gre­do que ele guar­da­ria pra sem­pre.

Des­se dia em di­an­te Ri­car­di­nho fre­quen­ta as mis­sas na Ma­triz de Cam­pi­nas, e sem­pre quan­do es­tá em apu­ros, pe­de so­cor­ro ao Pa­dre Pe­la­gio!

 

(An­dré Jú­ni­or, mem­bro UBE – Uni­ão Bra­si­lei­ra de Es­cri­to­res – Go­i­ás – es­cri­tor­li­te­ra­rio@ya­hoo.com.br)

 

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