Evolução (ou involução) da ideia de justiça
Redação DM
Publicado em 17 de novembro de 2015 às 00:41 | Atualizado há 10 anosDesde a antiguidade clássica, a ideia de justiça, entre os gregos, já estava ligada ao principio da ordem cósmica, com reflexo na ordem social. Entre os romanos, a ordem social passou a ser controlada pela lei: dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é lei). A lei passou a ser vinculada ao direito e este, à jurisprudência.
Na idade moderna, a ideia de justiça vem da ordem política: cada nação com sua estrutura de poder. O Estado chamou para si o poder-dever de ministrar a justiça. Daí surgiu a ideia do Estado moderno, como resultado de um contrato social.
Para John Locke (1632-1704), contrato social era a delegação de poderes a um soberano, que deveria proteger os direitos individuais. Para Rousseau (1712-1778), no contrato social os direitos individuais devem ser regulados pelas igualdades sociais.
Daí surgiu a polêmica entre liberalismo (que resultou em capitalismo) e marxismo (que resultou em comunismo). Assim dizemos de forma simplificada, sem analisar as circunstâncias históricas.
Democracia e ordem justa
Na democracia a justiça tem como fim a ordem social, garantida pelas suas instituições. A democracia tem como fim o ideal de justiça e como meio, o ordenamento jurídico.
Segundo o filósofo americano John Rawls, “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais”. As leis e instituições injustas devem ser abolidas.
Nesse sentido, dois princípios são fundamentais à sociedade: 1 – todos os homens têm indisputável direito à maior soma de liberdade compatível com liberdade semelhante para os demais; 2 – as desigualdades econômicas e sociais devem ser tratadas de modo que redundem em benefício de todos, e que os privilégios sejam atribuídos a situações acessíveis a todos.
Democracia política no Brasil
No Brasil temos uma democracia política, mas não democracia econômica. Temos uma democracia burocrática, mas não democracia real. Todos são iguais perante a lei, mas a lei não é aplicada igualmente a todos. Temos uma justiça formal, mas cujas decisões ou execução, dependem em parte de outros poderes, além do judiciário. O que estamos vendo (ou vivendo) agora é uma aparente desarmonia entre os poderes constituídos.
Mas creio que essa dialética social que estamos conhecendo através das manifestações públicas, levará a uma revisão da nossa democracia representativa (ou seja, através de representantes eleitos). Tende a evoluir (ou já está evoluindo) para uma democracia participativa, em que sejam ativados mecanismos de compartilhamento da sociedade nas decisões governamentais.
Tudo na história é um processo dialético: tese, antítese e síntese (como ensinou Hegel). Saímos da tese ditatorial para a antítese democrática. É através do embate de ideias que chegaremos à síntese do aperfeiçoamento social. Se não degringolarmos novamente para o caminho inverso.
Como todos os problemas sociais acabam desaguando no judiciário, Thémis, a deusa da justiça, está muito aflita com o comportamento rebelde dos filhos desta nação. O problema é continuarmos pensando que direito é lei e que lei é justiça e não ética.
Precisamos ter uma democracia com ordem social justa. Ainda que possa parecer uma utopia, o ideal de uma sociedade justa deve ser colocado como referencial para todos os indivíduos. A busca do dever-ser é fundamental para uma sociedade democrática, que pressupõe ideal de cidadania tal como democracia que se põe como ideal de justiça.
O tripé dos poderes
Em função de nossa estrutura judiciária, este autor apresenta o cordel que se segue, versando sobre a interdependência dos poderes (judiciário, legislativo e executivo) em que se ressalta o papel do Ministério Público, como um quarto poder emergente.
Fez-se o Estado com três pés, na forma
Difícil é o equilíbrio se um dos pés se deslocar.
O pé um diz: faço as leis. Diz o pé dois:
O terceiro pé: eu julgo (contrapeso absoluto).
Mas começou o pé um a inquietar-se e a mover-se,
de tanto pisar na terra em que o tumulto
O pé dois foi assumindo a posição do pé
já as leis improvisando em situação extra e comum.
O pé três às vezes fica com o peso sobre
com dois pés se revezando, o peso tende a cair.
O pé um diz ao pé dois: o problema é no pé
introduz-se mais um pé e se equilibra outra vez.
Já o pé três diz ao pé um: é o pé dois que
O pé um ao pé dois diz: é o pé três que não adere.
E prossegue a discussão dos três pés até que um dia
perderão a união, o equilíbrio e a harmonia.
Se um legisla e outro julga e outro executa o que
surge outro que fiscaliza, e é aquele calo no pé.
Quem vê o Estado e se ilude com a polêmica dos pés,
esquece que o problema é o Estado – ou é o tripés?
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa – E-mail: [email protected])