Faltou ao Brasil pensar grande no acordo do clima
Diário da Manhã
Publicado em 29 de outubro de 2016 às 20:26 | Atualizado há 9 anosDois mil e dezesseis entrará para a história como o ano do Acordo de Paris – compromisso que visa conter o aquecimento global e todas as suas consequências para o homem e o planeta. Com a adesão de Brasil, EUA, China, União Europeia e outros cerca de 60 países, o Acordo passa a valer a partir de 4 de novembro – quatro anos antes do previsto.
O Brasil foi protagonista nas negociações que levaram à concretização desse pacto global, o que merece ser reconhecido, mas pode e deve ir além no que diz respeito à sua contribuição para a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). O país se comprometeu a reduzir em 37% as emissões de GEE até 2025 e 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005. Isso passa por investir em energias limpas, recuperar áreas degradadas, zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, entre outros.
Contudo, para que os resultados propostos fossem realmente significativos, era preciso que o ano-base para o cálculo da projeção de diminuição fosse pelo menos 2014 e não 2005, já que os números de dez anos atrás não refletem o momento atual das emissões brasileiras. Além disso, as próprias metas deveriam ser mais arrojadas. Por exemplo, é assustador esperar mais 14 anos para zerar o desmatamento ilegal na Amazônia; é uma obrigação moral e estratégica acabar com essa degradação o quanto antes, e não somente na floreta amazônica, mas também nos demais biomas brasileiros, como o Cerrado.
Além de envidar esforços para mitigar suas emissões de GEEs, é essencial o Brasil atuar na adaptação da sociedade para enfrentar os efeitos da mudança do clima global. Afinal, os eventos climáticos extremos – como chuvas torrenciais, secas e furacões – tendem a ser cada vez mais frequentes e impactantes.
Uma atitude inteligente é adotar a Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE), que considera o uso da biodiversidade e dos serviços ambientais como parte de uma estratégia de adaptação à mudança climática. Por exemplo, para conter inundações, pode ser feita a recuperação de matas ciliares em vez da canalização de rios. Neste caso, a restauração das margens com vegetação nativa, além de potencialmente mais barata que a canalização, traz benefícios adicionais, como manutenção da biodiversidade local, arborização urbana, controle do microclima, absorção gradual da água da chuva, redução de erosão e assoreamento dos cursos d’água e proteção da população ao evitar a ocupação em áreas irregulares e suscetíveis à inundação.
Mesmo que o Acordo de Paris seja considerado um sucesso, isso não será suficiente para impedir o aumento dramático da temperatura do planeta e suas consequências se não houver mudanças em todas as esferas. É mais que passada a hora de países e cidadãos se unirem para reverter essa questão antes que seja tarde demais. E o Brasil tem a possibilidade de se firmar como um líder global no que diz respeito ao desenvolvimento de baixo carbono aliado com estratégias de proteção, conservação e valorização do seu patrimônio natural.
(André Ferretti, gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, coordenador-geral do Observatório do Clima (OC) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza)