Opinião

Febre amarela e a Revolução das Vacinas

Redação DM

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 23:51 | Atualizado há 7 anos

Em no­vem­bro de 1904, o Rio de Ja­nei­ro ama­nhe­ceu des­tru­í­do por cau­sa da Re­vol­ta da Va­ci­na, que, na­que­la épo­ca, cau­sou de­ze­nas de mor­tes, dei­xan­do an­ti­ga Ca­pi­tal em es­com­bros. Os ca­ri­o­cas des­per­ta­ram na­que­le dia com uma ci­da­de des­tru­í­da. Qua­se não ha­via lam­pi­ões de gás in­tac­tos nas ru­as. Car­ca­ças de bon­des vi­ra­dos na Pra­ça da Re­pú­bli­ca. Um sal­do da fú­ria po­pu­lar. Os po­pu­la­res ar­ran­ca­vam ma­te­ri­ais das obras pú­bli­cas de re­for­ma da Ca­pi­tal, que eram ati­ra­dos con­tra os po­li­ci­ais. Nem é pre­ci­so di­zer que de­ze­nas de pes­so­as mor­re­ram nos qua­tro di­as da Re­vo­lu­ção, que fi­cou cha­ma­da de Re­vo­lu­ção da Va­ci­na. Tu­do co­me­çou no dia 10 de no­vem­bro, de­pois da pu­bli­ca­ção da lei que tor­na­va obri­ga­tó­rio a va­ci­na con­tra a va­rí­o­la, de ini­ci­a­ti­va do sa­ni­ta­ris­ta Oswal­do Cruz. Na­que­le tem­po, se­gun­do es­ta­tís­ti­ca, a va­rí­o­la de­ve­ria ma­tar pe­lo me­nos qua­tro mil pes­so­as no ano no Rio de Ja­nei­ro. O go­ver­no (Ro­dri­gues Al­ves) co­me­çou en­tão a or­ga­ni­zar gru­pos de va­ci­na­do­res pa­ra sa­ir às ru­as. Is­so fez com que a po­pu­la­ção lem­bras­se dos “ba­ta­lhões de ma­ta mos­qui­tos”, que sob o co­man­do de Oswal­do in­va­di­am as re­si­dên­cias nos úl­ti­mos anos, pa­ra ex­ter­mi­nar os fo­cos de trans­mis­são da fe­bre ama­re­la. Ago­ra, nos de­fron­ta­mos com a “epi­de­mia” que gras­sa no Bra­sil.

De­ve-se re­co­nhe­cer em Oswal­do Cruz o mé­ri­to de ter er­ra­di­ca­do a mor­tal fe­bre ama­re­la, que con­ti­nua ma­tan­do mui­ta gen­te em al­guns Es­ta­dos bra­si­lei­ros. Re­cor­da­ção. Bas­ta di­zer que so­men­te no pri­mei­ro se­mes­tre de 1903 ela cei­fou 469 vi­das, “com seu vô­mi­to ne­gro e mor­tal”, nas pa­la­vras do no­tá­vel ci­en­tis­ta, mé­di­co e sa­ni­ta­ris­ta bra­si­lei­ro. Con­ta-se que a fra­ga­ta ita­li­a­na Lom­bar­dia atra­cou na Ba­ía de Gua­na­ba­ra. Os ma­ri­nhei­ros des­ce­ram a ter­ra, 340. Em al­guns di­as de pas­seio pe­las ru­as do Rio, 240 fo­ram aco­me­ti­dos de fe­bre ama­re­la. Des­tes, mor­re­ram 144, in­clu­si­ve, o co­man­dan­te. Lo­go após a cam­pa­nha le­va­da a efei­to por Os­val­do Cruz, no pri­mei­ro se­mes­tre de 1904, deu-se a ex­tin­ção da epi­de­mia. Con­se­guiu-a por meio de cam­pa­nhas de sua er­ra­di­ca­ção, or­ga­ni­zan­do os cha­ma­dos ba­ta­lhões de “ma­ta-mos­qui­tos”, co­mo já se dis­se aci­ma. Es­se gran­de bra­si­lei­ro so­freu mui­to pa­ra li­qui­dar o “ste­go­mia fas­cia­ta”, co­mo cha­ma­va o mos­qui­to rai­a­do que, ao pi­car as pes­so­as, ne­las ino­cu­la­va o ví­rus da do­en­ça. Foi ele quem dis­se so­bre o ex­ter­mí­nio do te­mí­vel in­se­to: “E is­so só se con­se­gue eli­mi­nan­do as águas es­tag­na­das on­de pro­li­fe­ram as lar­vas e as nin­fas dos mos­qui­tos rai­a­dos. Pe­di ao pre­si­den­te Ro­dri­gues Al­ves um con­tin­gen­te de 1200 ho­mens, mas o Con­gres­so, com sua bu­ro­cra­cia, tar­dou em apro­var o meu pe­di­do. En­tão, re­sol­vo que uma bri­ga­da de 85 ho­mens, che­fi­a­dos pe­lo meu ami­go dr. Car­nei­ro de Men­don­ça, saia em cam­po. Os meus fis­cais sa­ni­tá­rios ba­tem os quin­tais e jar­dins. Na ân­sia de de­sin­fe­tar, in­va­dem pá­tios e po­rões, tre­pam os te­lha­dos, sa­tu­ram com pe­tró­leo as águas es­tag­na­das, po­ças e char­cos…. No iní­cio, os ca­ri­o­cas di­ver­tem-se e tro­çam dos ma­ta-mos­qui­tos. O dr. Car­nei­ro, che­fe da bri­ga­da, pas­sou a ser o mos­qui­tei­ro-mor e eu ga­nho a al­cu­nha de czar dos mos­qui­tos”. Ou­tro mal sur­giu no Rio: a va­rí­o­la. Foi edi­ta­da lei obri­gan­do a va­ci­na­ção dos ca­ri­o­cas. Hou­ve re­sis­tên­cia por par­te da po­pu­la­ção, o po­vo, en­tão, ven­do-se per­se­gui­do por to­dos os la­dos, ar­mou bar­ri­ca­das nas ru­as apro­vei­tan­do-se do cal­ça­men­to, de cons­tru­ções, de bu­ei­ros e de tu­do mais que ofe­re­ces­se re­sis­tên­cia. A fe­bre ama­re­la ata­ca­va no ve­rão, e a va­rí­o­la, no in­ver­no. Sa­bem os lei­to­res por que as mu­lhe­res da­que­la épo­ca não que­ri­am se va­ci­nar? Acre­di­ta­vam que era imor­tal, vez que a apli­ca­ção do an­tí­do­to exi­gia que abai­xas­sem seus cor­pe­tes (blu­sas) ou que er­gues­sem as sai­as nas co­xas ou nas ná­de­gas. Ho­je, es­se re­ceio já não mais exis­te, até por­que o ele­men­to fe­mi­ni­no sen­te pra­zer em mos­trar tu­do, tu­do mes­mo, o que Deus lhe deu. O mos­qui­to ve­tor – e as­sas­si­no – é o mes­mo da den­gue e es­tá dis­se­mi­nan­do ho­je for­man­do um ci­clo epi­de­mio­ló­gi­co. É, sem dú­vi­da, um no­vo de­sa­fio a ser en­fren­ta­do nos di­as de ho­je.

 

(Lu­iz Au­gus­to Pa­ra­nhos Sam­paio, mem­bro da Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras e do Ins­ti­tu­to His­tó­ri­co e Ge­o­grá­fi­co de Go­i­ás da Aca­de­mia Ca­ta­la­na de Le­tras e da Uni­ão Bra­si­lei­ra de Es­cri­to­res.  E-mail: lui­zau­gus­to­sam­[email protected])

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