Fogueira de São João
Redação DM
Publicado em 26 de junho de 2015 às 23:30 | Atualizado há 10 anos
Conheci a primeira fogueira de São João no ano que cheguei lá de fora aqui para Goiás, com sete anos de idade, em uma fazenda no interior de Goiás, em 1952. Fiquei encantado com a altura e vi quando foram empilhadas as toras de madeiras, duas toras de um lado, duas toras do outro, duas nas pontas das outras toras, colocando de duas em duas até formar uma grande torre de madeira. No início da construção os construtores colocaram muitos pedaços de madeira dentro do quadrado formado pelas quatro toras com um pouco de palha de milho ou folhas secas de bananeiras ou folhas secas de palmeiras, principalmente folhas de bacuri que existe em grande quantidade em Goiás ou pelo menos existia naquela época. Em 1952, no Estado de Goiás, era grande a quantidade de palmeiras com o nome de Bacuri. Na construção de fogueira eu me lembro que colocaram em cada canto uma vara longa de pindaíba, pororoca ou mangue para prender as toras de madeira empilhadas em uma altura de dez metros mais ou menos, e elas foram preparadas alguns dias antes da Festa de São João, 24 de junho, mas, nesta festa, preparam mastros de madeiras compridas para homenagear Santo Antônio, São João e São Pedro, colocando no alto a bandeira representativa de cada homenageado.
Em cada mastro colocavam frutas como laranjas fincadas nas pontas dos galhos das madeiras longas, deixando os três mastros distantes da fogueira.
No dia da queima da fogueira compareciam todos os vizinhos com toda a família, para rezar, com o comando de uma pessoa reconhecida como bem preparada, mas sem a participação de um padre, somente com o povo da região, tendo poucas pessoas da cidade.
Depois da reza todos dirigiam para o local onde ficava a fogueira e o comandante do terço era o indicado para colocar o fogo na fogueira, iniciando a festa da queima da torre de lenha, com muitos foguetes, mas bem simples, sem aqueles especiais que existem na atualidade, que são utilizados na festa de ano novo. O foguete tinha o nome Tupã, mas os organizadores da festa de São João possuíam uma arma que a pessoa segurava com as duas mãos, na altura dos joelhos, e disparava o carrego só com pólvora fazendo um barulho muito grande.
Na queima da fogueira o fogo inicia de cima para baixo, queimando por parte aquela linda torre de lenha cuidadosamente bem trabalhada, sendo uma luz formada por uma grande tocha de fogo em uma altura de mais ou menos 10 metros. No momento da queima, com aquele fogo espetacular, as pessoas pediam a Deus uma melhor produção de café, de milho, de arroz, de feijão, de batata, de mandioca, de cana-de-açúcar, de boa fertilidade da esposa e dos animais. São esses os pedidos que ainda tenho na memória.
Enquanto a fogueira continua queimando, o anfitrião da festa começa a oferecer aos vizinhos e aos convidados dos vizinhos um cafezinho em uma grande chaleira ou cafeteira, vindo logo atrás, três ou quatro pessoas distribuindo saborosos biscoitos de polvilho doce que ficavam amontoados em peneira de catar arroz do pilão a mão ou do monjolo, distribuindo, logo a seguir, bolo de fubá, bolo de mandioca, pipoca, leite com açúcar, etc.
A fogueira continuava queimando já na parte final. Essa primeira vez que vi uma fogueira ela não caiu, mas uma grande fogueira sempre cai. Eu vi como se coloca batata doce para assar. É só abrir um espaço com uma ferramenta e colocar a batata e depois tem que colocar sobre a batata cinza quente, brasas de lenha de angico, de lenha de sobreiro e lenha de capitão. O anfitrião da festa colocou mais ou menos 30 quilos de batata doce atolada debaixo das cinzas quentes e de madeiras em brasa, ficando no local por um bom tempo e depois as batatas foram retiradas, ficaram saborosas e fizeram a alegria dos velhos, dos jovens e da criançada.
Depois da batata assada foi a hora da reza em volta da fogueira queimada, fazendo, logo após, alguns batizados de fogueira de São João, sem a participação de representante de igreja, mas com muita fé dos afilhados e afilhadas e também dos compadres e das comadres que ficam para o resto da vida chamando de compadre e o afilhado ou afilhada, tendo uma grande consideração para com o padrinho.
No passado, o fogo da fogueira de São João representava para as pessoas um momento mágico na vida, depois do batismo de crianças, jovens e velhos, aquelas pessoas, mas somente algumas, ficavam girando em volta da fogueira para passar na coluna de fumaça que era formada em uma lateral e cada pessoa carregava um tição, uma tocha, pegando cinza fria para passar pelo corpo, fazendo pedido com individualização de solicitações de graças, esperando benefícios em bem-estar e de boa saúde.
A fogueira representou, em 1952, luz e vida, união e felicidade, alegria e fé, e, ela aquecia, em boa temperatura, os homens aberto ao ser e ao saber, procurando uma caminhada com harmonia e sempre pensando em uma nova e maior fogueira de São João.
O povo da época apresentou-me um conhecimento que vem do coração e não da razão, obedecendo, assim, a afirmação de Blaise Pascal: “O coração tem razões que a razão desconhece.”
Na minha época de criança, a fogueira e as suas belezas transbordaram minha memória, deixando minha cabeça cheia de fogo e de luz para sempre, ficando, assim, uma manifestação popular e amarrando o meu cérebro com bandeirolas coloridas, fitas multicores na posição da cobertura de circo, com música de viola, violão e sanfona o grupo girava entorno do mastro, com uma parte das pessoas no sentido horário e a outra no sentido contrário e sempre passando por dentro e por fora segurando, cada um, a sua fita, usando o espaço do curral da fazenda.
Ainda no final da fogueira, dois jovens de mais ou menos 15 anos, fizeram um som diferente, cada um com um berra-boi. O berra-boi é uma táboa de dez centímetros de comprimento e da largura de uma régua usada nas escolas, amarrada na ponta de finos fios trançados, girando a pequena peça de madeira sobre a cabeça para provocar aquele som diferente de todos que eu conhecia até aquele tempo dos meus sete anos de idade.
O encerramento da festa junina era com a competição com a cucaña que foi, por vários anos, a principal atividade de uma festa junina, pois chamava muita atenção das pessoas em uma festa de uma igreja na cidade ou em uma igrejinha no alto da serra ou na capelinha de uma fazenda ou em uma fazenda sem igreja, mas que organizava uma festa junina para a comunidade: parceiros da fazenda na parte da pecuária ou da agricultura, meeiros ou arrendatários, trabalhadores na lavoura de café, professores e alunos da escola rural da fazenda, trabalhadores que preparavam as terras das lavouras com arado que utilizava duas juntas de bois, fazendo duas trocas dos bovinos semoventes por outras duas para o trabalho da outra metade do dia e para os fazendeiros da vizinhança com suas famílias e seus trabalhadores. No passado, eu conheci festas juninas alegres e com muitos participantes.
A competição era muito interessante, pois cada competidor procurava desenvolver uma estratégia para conseguir abocanhar o prêmio estabelecido para o vencedor. Em 1952, em Goiás, eu vi uma competição, pela primeira vez na vida, mas eu tinha somente sete anos de idade e percebi uma grande alegria das pessoas na hora da competição, tendo espectador que gritava de alegria, e muita gente chorava de tanto rir, pois realmente essa competição era muito engraçada, tendo, para os competidores, um grau de dificuldade muito grande, e mesmo com muita prática ou com muita estratégia, mesmo com estratégia considerada mirabolante, eles não conseguiam força suficiente e maneira eficiente, perdendo totalmente a chance de conseguir o prêmio que em certas localidades era muito atraente.
Para aumentar o número de participantes, os organizadores dos eventos divulgavam antecipadamente e no dia da festa revelavam o prêmio oferecido ao vencedor desse tipo de competição. Eles elaboravam contratos de garantia de entrega do prêmio e colocavam cláusulas de responsabilidades pessoais exclusivamente para os competidores no caso de acidente ou danos pessoais.
O valor do prêmio era estipulado no contrato que era assinado na fila de competição, bem no início do espetáculo, tendo uma numeração em ordem crescente, sem direito a repetição, e normalmente em uma festa com 500 pessoas, 100 participavam da competição da vara cucaña.
Um prêmio que todo participante gostava era de dinheiro em moeda corrente, mas, às vezes, o prêmio engraçado chamava mais a atenção. Quando oferecia uma vaca quase parida, uma cabra com filhote e um bode de barba branca, com um valor idêntico ao prêmio em dinheiro, e desse jeito ficava muito engraçado.
Quero concluir falando sobre a palavra cucaña que é usada pelos espanhóis, significando, no Brasil, pau-de-sebo, que no passado, não distante, era muito interessante em festas de muitas comunidades. No Brasil o pau-de-sebo pode ser chamado de mastro de cocanha que é “untado com sebo, e em cujo topo se põem alguns prêmios, para quem se aventure a ir lá buscá-los; cocanha”. Assim professou Aurélio Buarque.
O pau-de-sebo é invenção de quem não tem o que inventar, mas caiu no gosto do povo, proporcionando, assim, a alegria para os participantes de festas juninas.
(Antônio Vitalino Pereira, professor do ensino universitário aposentado)