Frei Confaloni
Diário da Manhã
Publicado em 18 de dezembro de 2017 às 21:49 | Atualizado há 7 anos
No domingo chuvoso, visito a exposição das obras de Frei Confaloni, no Centro Cultural Oscar Niemeyer. A primeira impressão é ruim: o carro deve ser estacionado a grande distância e é preciso vencer duas rampas mais ou menos difíceis para nós, da chamada terceira idade. Como já estou chegando à quarta, concluo que lugar de velho é em casa…
Nada a ver com os organizadores da exposição: o problema é antigo. Sabidamente, os projetistas do CCON não primaram pela praticidade; a estética seria sua determinante maior. Só que nem esta me convence, no caso específico.
Enfim, chegamos à ampla e gélida galeria. Somos os únicos: não há ninguém, nenhum outro visitante, a despeito da ampla divulgação da exposição que vem sendo feita pela mídia. Logo de início, ali está o autorretrato do Frei tal como o conheci. Emociono-me ao vê-lo, o rosto inteligente e sensível, os olhos como que cintilando com a chama da criação que o bom Deus lhe instilou.
A exposição, em si mesma, é belíssima! Aos poucos, a má impressão inicial vai cedendo lugar ao deslumbramento, ante as diversas fases da pintura de Confaloni – do classicismo ao seu estilo individual e único, despojado, vigoroso e tocante. Além da mostra de documentos, esboços, estudos e fotografias – até a réplica do atelier em que pintava – que o retratam em sua genialidade e autenticidade, artista do pincel a serviço de Deus e da humanidade.
Revejo-o tal como o conheci, no ápice da maturidade, envolvido em planos e projetos que o inspiravam e entusiasmavam. Em 19 de maio de 1950, a primeira composição ferroviária da Estrada de Ferro Goiás chegara ao local da futura Praça do Trabalhador, em Goiânia. Uma grande festa popular comemorou essa conquista, com churrasco oferecido aos operários e à população da cidade pela Rádio Brasil Central, Rádio Clube de Goiânia e Federação do Comércio de Goiás.
Em 1952, teve início a construção da Estação Ferroviária definitiva desta capital. Um consórcio de duas conceituadas empreiteiras venceu a licitação pública para construí-la. As obras eram acompanhadas e fiscalizadas pela Comissão de Construção-7 do Departamento Nacional de Estradas de Ferro, na pessoa do chefe do escritório do Dnef em Goiânia, o Engo. Cyridião Ferreira da Silva, meu saudoso pai.
Nesse mesmo ano, acatando sugestão do Professor Luiz Augusto do Carmo Curado, um dos fundadores e diretor da Escola Goiana de Belas Artes, o mesmo Engo. Cyridião encomendou ao Frei Nazareno Confaloni a confecção de dois painéis para o hall da Estação Ferroviária, os quais viriam a constituir-se em marco das artes plásticas em Goiás.
Lembro-me de Frei Confaloni na casa de meus pais, na Rua 8, Centro, discorrendo sobre os painéis que iriam preencher os grandes espaços vazios nas paredes do “hall” daquela edificação. Representando a construção de uma via pioneira e de uma estrada de ferro moderna, referidos painéis foram concebidos e executados em afrescos, por Frei Confaloni, que trabalhava sobre andaimes, com notável disposição. O artista levava os esboços em folhas avulsas e, a partir destes, pintava-os nas paredes.
Frei Confaloni recebeu Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros, moeda da época) pela execução dos painéis, através de cheque do Banco do Brasil, conta do DNEF, assinado pelo Engo. Cyridião Ferreira da Silva, conforme documentação em meu poder. Houve um problema a ser vencido: no orçamento oficial, não havia rubrica para pagar artistas, mas era possível fazê-lo a simples pintores de paredes – e Confaloni foi assim remunerado, para atender à burocracia.
Sem festividades de inauguração, a Estação Ferroviária entrou em funcionamento no final de 1953 ou começo de 1954 – não há informação precisa sobre a data. Era diretor da Estrada de Ferro Goiás o major Mauro Borges Teixeira, que iria transferir a sede da ferrovia de Araguari para Goiânia em fevereiro de 1954, conforme autorizado pelo Dnef.
O edifício da Estação Ferroviária apresentava detalhes que o distinguiam e ainda o distinguem. Dadas as características do terreno onde foi construída, a altura da torre central representava um desafio; alguns profissionais chegavam a apostar na inviabilidade de seus vitrais resistirem à força dos ventos de agosto. O escritório da CC-7 providenciou a análise do solo pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo; seguidas as indicações técnicas, jamais os vidros foram abalados, nem houve problemas de trincas ou rachaduras no prédio, expressão tardia do estilo “art déco” em Goiânia.
A marquise que protege a área destinada ao embarque/desembarque de passageiros era o maior vão livre construído em todo o Centro-Oeste; essa primazia manteve-se até o advento de Brasília. Relativamente a materiais de revestimento, ali foram empregadas pedras de Pirenópolis pela primeira vez, em Goiânia. Lamentavelmente, a despeito de ser patrimônio histórico nacional e estadual, a Estação Ferroviária esteve abandonada e deteriorou-se tragicamente.
Agora, visitando a exposição de Frei Conflaoni tais fatos me vêm à lembrança, juntamente com a notícia alvissareira de que, finalmente, terão início as obras de recuperação daquela edificação, bem como de restauração dos painéis da autoria de Frei Nazareno Confaloni. Estão de parabéns a arte e a cultura, os dirigentes, administradores, especialistas e cidadãos – todos nós, que nos empenhamos nesse resgate histórico.
(Lena Castello Branco, escritora. E-mail: [email protected])